Apesar da recuperação forte e rápida no 3º trimestre, atividade econômica continua abaixo do nível de antes da pandemia. Analistas alertam para desaceleração nesta reta final do ano e avaliam que país só deverá retomar o patamar pré-Covid a partir de 2022. A rápida e forte reação da economia brasileira no 3º trimestre, com alta de 7,7%, reverteu parte considerável do tombo recorde registrado no 2º trimestre – e tirou o país da recessão técnica. Mas o Produto Interno Bruto (PIB) continua distante do patamar em que estava antes da pandemia e há muitas incertezas sobre o ritmo de recuperação daqui para frente. PIB avança 7,7% entre julho e setembro, diz IBGE Economistas ouvidos pelo G1 destacam que a economia já mostra sinais de desaceleração no 4º trimestre e avaliam que o PIB só deverá voltar ao patamar pré-pandemia a partir de 2022. Ou seja, a economia ainda está longe de estar 'curada', e vai demorar para voltar ao ponto que estava antes do choque trazido pelo coronavírus. PIB: entenda o que é e como é calculado PIB trimestre a trimestre Guilherme Luiz Pinheiro/G1 O ministro da Economia, Paulo Guedes, vem reafirmando que os indicadores apontam para uma retomada do crescimento em “V” – uma forte queda seguida de recuperação igualmente acentuada. Os dados divulgados nesta quinta-feira (3) parecem apontar nessa direção, ao mostrarem que o crescimento de 7,7% no 3º trimestre foi a taxa mais alta já registrada desde que o IBGE iniciou os cálculos do PIB trimestral, em 1996. Até então, o maior avanço tinha sido o do 3º trimestre de 1996 (3,8%). Os números, no entanto, podem passar uma impressão enganosa sobre a situação da economia brasileira, que foi atingida pela pandemia antes mesmo de ter se recuperado das perdas da última recessão, de 2014-2016. Nesse sentido, a alta de 7,7% no 3° trimestre deve ser vista como uma espécie de eco ou rebote da contração recorde e sem precedentes registrada no 2º trimestre, e não como um termômetro de vitalidade ou vigor do PIB do Brasil. VÍDEO: Após maior tombo da história, PIB do Brasil cresce 7,7% no 3º trimestres Veja a seguir 6 pontos que ajudam a entender o resultado do PIB do 3º trimestre e a recuperação ainda frágil da economia brasileira: 1. Efeito estatístico Se o PIB caiu 9,6% no 2º trimestre e cresceu 7,7% no 3º trimestre pode soar como se a economia tivesse voltado de vez e saído do buraco. Mas esse crescimento trimestral recorde é apenas o efeito estatístico de uma base de comparação bem menor. O fato é que a economia se recuperou apenas parcialmente e ainda não conseguiu voltar sequer ao ponto que estava no final do 1º trimestre, quando começaram a ser sentidos os primeiros impactos da pandemia. "A questão é que a base de comparação é horrível, no fundo a gente tem uma queda dramática no 2º trimestre e este 3º trimestre na verdade é só um efeito da flexibilização do isolamento, da retomada das atividades. E ainda vai levar um tempo pra gente voltar ao nível pré-pandemia, no final de 2019”, aponta Alessandra Ribeiro, diretora da área de macroeconomia e análise setorial da Tendências Consultoria Integrada. Uma ilustração simples para entender esse efeito estatístico é a seguinte: se você tem R$ 100 e perde 50%, fica com R$ 50. Mas se em seguida você aumenta seu dinheiro em 50%, passa a ter R$ 75 e não R$ 100. É por isso que uma alta trimestral na mesma proporção da taxa de queda no trimestre anterior não significa uma volta ao ponto de partida. Segundo o IBGE, PIB ainda está 4,1% abaixo do patamar registrado no 4º trimestre de 2019. A recuperação ainda incompleta fica mais evidente no resultado do PIB em relação ao 3º trimestre de 2019: nessa base de comparação, houve uma queda 3,9%. Vale lembrar que a estimativa atual do mercado é de um tombo de 4,5% do PIB em 2020. Mesmo com a melhora das previsões nas últimas semanas, o resultado do ano deve ser o pior já registrado no país. Pela série histórica do IBGE, iniciada em 1948, as maiores quedas até aqui foram as de 1981 e 1990, quando houve uma retração de 4,3% em ambos os anos. 2. Recuperação desigual Embora o desempenho a indústria e do comércio tenha surpreendido no 3º trimestre, com ambos eliminando as perdas do período mais agudo da pandemia, a recuperação da economia ainda se mostra desigual, com o setor de serviços enfrentando dificuldades para voltar à normalidade, principalmente as atividades que se baseiam na mobilidade das pessoas e pressupõem algum nível de aglomeração como turismo, hospedagem, lazer e alimentação fora de casa. A recuperação mais lenta dos serviços freia a economia como um todo, uma vez que é o setor com maior peso no PIB, de cerca de 75%. "O comércio está vindo bem, a indústria de transformação foi surpreendendo mês após mês e a construção civil também. O maior problema está nos serviços, especialmente outros serviços, que incluem os prestados às famílias. Em setembro, ainda estavam 36% abaixo de fevereiro", afirma Luana Miranda, economista do Ibre/FGV. Alessandra aponta que a indústria e o comércio já mostram uma recuperação em "V", mas o setor de serviços só deve voltar a crescer no ano que vem, assim como o consumo das famílias, investimentos de empresas e gastos do governo. "Esses segmentos que apanharam voltam a crescer em 2021. Mas ainda é uma recuperação gradual, por isso que toda a produção de bens e serviços só volta realmente ao nível do final de 2019 no começo de 2022", estima. 3. Tendência de desaceleração A forte recuperação do 3º trimestre foi impulsionada, sobretudo, pelos robustos repasses de dinheiro do governo. Os gastos do governo para combater os efeitos da pandemia já chegam a R$ 587,5 bilhões, e o montante total de estímulos fiscais são da ordem de 8% do PIB, acima do valor desembolsado por outros países emergentes. O Auxílio Emergencial garantiu um apoio a um total de 67,7 milhões de pessoas, mas a redução do valor da ajuda às famílias de R$ 600 para R$ 300 já começa a ter reflexo no nível de consumo dessa fatia da população. "Não dá para falar em recuperação em 'V' só com esse número do terceiro trimestre. É uma recuperação ainda muito frágil. Precisamos acompanhar os desdobramentos dos outros setores da economia, o que vamos ver no 4º trimestre, que deverá desacelerar bastante, e o risco de final de ano dessa eventual volta da Covid", afirma o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, que estima um crescimento do PIB abaixo de 1% no 4º trimestre. Segundo Alessandra, da Tendências, o Auxílio Emergencial contribuiu bastante para o aumento de consumo que impulsionou o crescimento no terceiro trimestre. Por outro lado, com o fim desse benefício, haverá o que ela chama de “reverso da medalha” em 2021. Indicadores antecedentes já mostram uma desaceleração da atividade econômica em outubro por conta da redução do valor do Auxílio Emergencial. “Na massa de renda ampliada, em que a gente considera a massa de renda de trabalho e de outras fontes, como transferências governamentais, previdenciárias e outras fontes de renda, esse cálculo mostra que houve crescimento de 4,5%. Aí quando você tira o auxílio, há uma queda de 4,2%. Então é um baque grande, e isso vai ser sentido em especial pelo segmento de baixa renda que mais recebeu, o informal, com baixa qualificação, então haverá uma devolução pesada desse ganho”, explica. “A grande questão é como a economia brasileira vai rodar e reagir à saída desses auxílios. No 4º trimestre a gente já deve ver desaceleração e isso deve durar ao longo de pelo menos o 1º semestre de 2021", avalia Miranda. O Ibre/FGV projeta um tombo de 5% do PIB em 2020 e crescimento de 3,5% em 2021, com uma retomada do patamar pré-pandemia apenas em 2022. Para Alessandra, a recuperação já vinha lenta antes da pandemia. "No começo do ano, já havia alguns sinais de perda de dinamismo. E aí veio a pandemia. Então a gente estava devagar e veio a paulada. Mas o ponto é que pra gente recuperar o que a gente produzia de bens e serviços no final de 2019, que não era nenhuma maravilha, ainda vai demorar um pouquinho". 4. Desemprego em alta e renda em queda A perspectiva de encerramento dos programas de estímulo deve implicar numa redução do potencial de consumo das famílias, uma vez que o desemprego está em patamar recorde e que número de brasileiros ocupados com alguma renda nunca foi tão baixo. "A taxa de desemprego deve chegar a 17% nos próximos meses. Num cenário tão grande de incerteza, é difícil imaginar que as famílias vão voltar a consumir com intensidade e um crescimento vigoroso", avalia Vale. Alessandra prevê que a taxa de desemprego bata em torno de 16%, puxada principalmente pelos desocupados que não estavam procurando emprego durante a pandemia. "Por mais que a economia gere postos de trabalho, ela não vai conseguir absorver todo esse contingente. Então a taxa de desemprego vai subir. Isso também é um limitante para o crescimento da economia", diz. De acordo com economista, quem mais sofre com o desemprego é o trabalhador menos qualificado, com salário médio menor e do setor de serviços. "A gente teve um baque grande, uma perda de 12 milhões de postos de trabalho, não é pouca coisa, e muito disso é informal". Pesam também nas perspectivas para o ritmo de recuperação a disparada nos preços de itens como alimentos e a queda da renda das famílias. Dados do IBGE mostram que a massa de rendimento total dos trabalhadores encolheu 5,7% (menos R$ 12,3 bilhões) no trimestre encerrado em agosto, na comparação com o mesmo período do ano passado. Há dúvidas também sobre qual será o impacto do término do programa que permitiu redução de jornada e salários e que garantiu a manutenção do emprego de quase 10 milhões de trabalhadores "Como vai ficar a situação das empresas? Será que elas vão conseguir manter o quadro de funcionários mesmo com a saída desses programas? Isso é uma questão que deve estar na cabeça dos consumidores também”, avalia Miranda. 5. Aumento das incertezas Além das dúvidas sobre a evolução da pandemia e do risco de uma segunda onda de contaminações, passaram a pesar também nas perspectivas para o país as preocupações com a saúde das contas públicas e andamento da agenda de reformas estruturais no Congresso. A explosão da dívida pública, que se aproxima de 100% do PIB, as dúvidas sobre o respeito ao teto de gastos (regra que não permite o crescimento das despesas acima da inflação do ano anterior) e o risco de um descontrole da situação fiscal têm elevado as incertezas sobre o ritmo se recuperação da economia em 2021 e 2022. "A questão central é a incerteza que se está criando com a situação fiscal, com complicações diretas no consumo e nos investimentos. Para o investidor, esse risco fiscal pode significar uma curva de juros maior, uma inflação maior e uma situação mais instável na economia. Então, ele vai esperar, porque a capacidade ociosa ainda é muito grande", explica Vale. A MB Associados projeta um crescimento de 2,2% do PIB em 2021, abaixo da média do mercado, atualmente em 3,31%, e prevê obstáculos também para 2022. "2022 vai ser ano eleitoral, então vai ser muito tenso também. A pandemia foi um choque fiscal de tal magnitude que exigiria um choque de credibilidade e de atuação por parte do governo que até agora não demostrou conseguir fazer as reformas que são necessárias", diz Vale. Alessandra Ribeiro afirma que a trajetória de endividamento publico já é muito complicada mantendo o teto de gastos e, se houver mudanças de regras para acomodar mais gastos, pode-se entrar em um cenário mais pessimista para o país. “Quanto mais a gente demorar pra resolver essas questões, maior o nível de incerteza, mais o mercado fica nervoso, começa a subir juros futuros, câmbio deprecia, a bolsa cai, e isso afeta a atividade econômica, a predisposição a investir e consumir, então a gente pode ter um cenário mais adverso”, diz. Recuperação robusta depende de reformas, alerta FMI em relatório anual sobre o Brasil Initial plugin text Assista a mais notícias de Economia: