Documentário de Pedro Murad está em cartaz até 20 de setembro na 12ª edição do festival 'In-Edit Brasil'. Resenha de documentário musical Título: Elton Medeiros – O sol nascerá Direção: Pedro Murad Elenco: Elton Medeiros e Vidal Assis Roteiro: Eliana Monteiro Cotação: * * * * ♪ Filme em exibição online no 12º In-Edit Brasil – Festival internacional do documentário musical até 20 de setembro. ♪ “Sou um homem repleto de paixões”, autodefine-se Elton Medeiros já perto do fim de relato confessional feito para Vidal Assis diante das câmeras dirigidas pelo cineasta Pedro Murad. Regado aos sambas de alta estirpe melódica e poética que compõem a obra do já falecido artista carioca, cantados por Elton (na batida imbatível da caixa de fósforos) e por Vidal Assis (ao violão) entre uma confissão e outra do bamba, esse papo com Vidal segue o fluxo da memória outonal do sambista e conduz o roteiro do documentário Elton Medeiros – O sol nascerá, em cartaz até 20 de setembro na 12ª edição do festival In-Edit Brasil. O cancioneiro e a trajetória de Elton Antônio Medeiros (22 de julho de 1930 – 3 de setembro de 2019) justificam o tributo cinematográfico que se tornou póstumo com a morte do sambista há um ano. Já cego quando se deixou captar pelas lentes de Pedro Murad, o cantor, compositor e ritmista vai se desnudando à medida em que avançam os 86 minutos do filme roteirizado por Eliana Monteiro. De início, as recordações são mais gerais. Elton fala dos ranchos (frequentados pelo pai), das gafieiras e das escolas de samba, lembradas com nostalgia pelos códigos de ética dos antigos Carnavais. “Não havia samba-enredo com mais de dois compositores”, frisa, em alusão crítica ao atual esquema industrial de produção do gênero.. Aos poucos, as memórias vão ficando mais pessoais até culminar na revelação comovente da paixão platônica por mulher famosa – de identidade ocultada pelo depoente ainda apaixonado – de quem ficou amigo a partir de encontro casual em supermercado, sem nunca ter se declarado. “Sou um velhinho. E velhinho apaixonado começa a fazer besteira”, ressalta, como se risse de si mesmo. “Música e paixão são irmãs gêmeas. A música te ensina a se apaixonar. E a paixão te ensina a fazer música”, filosofa momentos antes. Nada menos do 21 sambas compõem o roteiro musical do filme. Entre estes sambas, há imortais obras-primas do gênero como Mascarada (Elton Medeiros e Zé Kétti, 1964), Pressentimento (Elton Medeiros e Hermínio Bello de Carvalho, 1968) e Peito vazio (Elton Medeiros e Cartola, 1974), além da música inserida no título do documentário, O sol nascerá (1964), parceria de Elton com Cartola (1908 – 1980). Desse parceiro mangueirense, a quem diz dever muito, Elton – notório ranzinza – se queixa do temperamento igualmente forte. “Que ele era teimoso, ele era”, sentencia. De Paulinho da Viola, parceiro de Elton na criação de dois sambas lembrados no filme, Onde a dor não tem razão (1981) e Ame (1996), a preguiça é o traço lembrado. “Paulinho e eu somos meio preguiçosos. Umas músicas fazíamos rapidamente. Outras demoravam mais um pouco, mas fazíamos”, relativiza. Filmado em preto e branco, todo o papo confessional de Elton com Vidal Assis é entrecortado por impressionistas imagens coloridas de pessoas e flashes urbanos quando os sambas são cantados. Há também imagens de um outro encontro de Elton e Vidal, um ano depois após o papo que conduz o filme. Nesse segundo momento, Elton já está mais fragilizado. Impera o silêncio. Quando fala, na entrevista principal que nutre o filme, percebe-se a paixão do sambista. Essa paixão está na descrição das mulheres amadas, na saudade da amiga Clementina de Jesus (1901 – 1987), na nostalgia das serenatas (“A civilidade acabou”), na defesa do samba Pressentimento – de acordo com Elton, transposto do primeiro para o terceiro lugar da Bienal do Samba (1968) por interferência de Ricardo Cravo Albim – e na lembrança dos tempos em que frequentava zonas de prostituição. “Não era só Heitor que era dos prazeres, não”, graceja, ao lembrar que conheceu Nelson Cavaquinho (1911 – 1986) nesses redutos que misturavam sambas e orgias. Entre a cantoria de sambas menos conhecidos, como A maioria sem nenhum (Elton Medeiros e Mauro Duarte, 2001) e o samba-enredo Exaltação a São Paulo (Elton Medeiros, Joacyr Santana e Sebastião Pinheiro, 1974), o documentário de Pedro Murad ilumina as paixões de Elton Medeiros com beleza outonal como a memória do artista.