Capa de 'Amigos novos e antigos', álbum de 1975 em que Vanusa apresentou 'Coração americano' Pintura de Tebaldo ♪ MÚSICAS PARA DESCOBRIR EM CASA – Coração americano (Raimundo Fagner e Antonio Marcos, 1975) com Vanusa ♪ Interessante composição apresentada por Vanusa no álbum Amigos novos e antigos, disco de 1975 em que a cantora paulista buscou aproximação com o universo da MPB, Coração americano se insere de forma crítica em contexto político que promoveu conexões entre países da América Latina. A década de 1970 gerou links entre cantores e compositores da América Latina, irmanados na resistência aos sistemas ditatoriais que tentaram calar vozes alinhadas com a luta pelas liberdades civis em países como Brasil e Chile. No Brasil, Milton Nascimento liderou informalmente na área musical esse movimento de integração latina que, a rigor, nunca foi abraçado de fato pelo povo brasileiro. O motor de Coração americano é justamente a incapacidade do brasileiro de concretizar a integração com os hermanos latinos. Primeira e única improvável parceria entre o cearense Raimundo Fagner e o paulistano Antonio Marcos (8 de novembro de 1945 – 5 de abril de 1992), Coração americano bateu nessa frequência na pulsação do canto expansivo de Vanusa Santos Flores, cantora nascida em 22 de setembro de 1947. Casado com Vanusa na época, em união oficializada em 1972, Antonio Marcos fez Coração americano com Fagner para Amigos novos e antigos, álbum que se tornaria o melhor disco de Vanusa, cantora mais identificada com a canção popular do que com a MPB. O álbum de 1975 foi gravado com produção musical de Moracy do Val e Lincoln Olivetti (1954 – 2015). Um dos quatro arranjadores arregimentados para dar forma ao disco Amigos novos e antigos, o músico Sérgio Sá (1953 – 2017) ficou responsável pela orquestração da faixa Coração americano. O destaque do arranjo é a levada final que evoca o universo da música andina em sintonia com a letra inusitada que narra o anseio de carioca de se integrar à América do Sul sem de fato extrapolar as fronteiras da ensolarada cidade do Rio de Janeiro (RJ). O coração americano do eu-lírico da canção é “pacífico demais”, como diz verso da letra que alterna sentimentos de revolta e resignação diante da inércia desse eu-lírico conformista. Na gravação original de Coração americano, o bandoneon – manuseado por músico identificado como Cáceres na ficha técnica do LP original de 1975 – é o toque mais explicito de latinidade do arranjo que inclui os sopros das flautas de Carlos Alberto e Demétrio. A faixa traz também o violão de Mário Campanha (compositor, então parceiro frequente de Vanusa), os teclados do arranjador Sérgio Sá, a tumba de Rubão, o baixo de Willie Verdaguer e a bateria de Norival. Exemplo da força do canto de Vanusa, Coração americano bateu novamente na voz da cantora em registro audiovisual de show feito para a TV e perpetuado no DVD Cantares, editado em 2008, três anos após Aretha Marcos – fruto da união de Vanusa com Antonio Marcos – ter incluído Coração americano no roteiro do show apresentado em 2005 pela artista com o repertório do pai e eternizado em DVD editado em 2006. Essa gravação conta com a voz de Fagner e o toque do músico Caçulinha. Curiosamente, os compositores da música, Fagner e Antonio Marcos, nunca registraram a música oficialmente nas respectivas discografias, mas a cantaram juntos em show feito por Fagner nos anos 1980 com a participação de Antonio Marcos. O vídeo desse número pode ser visto no YouTube. Decorridos 45 anos da gravação original de Vanusa, Coração americano ainda bate forte. ♪ Ficha técnica da Música para descobrir em casa 19 : Título: Coração americano Compositores: Raimundo Fagner e Antonio Marcos Intérprete original: Vanusa Álbum da gravação original: Amigos novos e antigos Ano da gravação original: 1975 Regravações que merecem menções: a de Aretha Marcos com Fagner e Caçulinha no DVD Aretha Marcos ao vivo – Homenagem aos 60 anos de Antonio Marcos (2006) e a da própria Vanusa no DVD Cantares (2008). ♪ Eis a letra de Coração americano : “Meu coração vadio Dantes nunca navegado No Atlântico ancorado É pacífico demais. Num dia americano Como estouro de boiada O meu coração de nada Quis América do Sul Que leviano! O meu peito americano Quiere hablar o castellano Ser daqui e ser de lá. Mas de repente Alguém toca o telefone Ouço a voz, gosto do nome Deixo tudo e vou pro mar O Rio é de Janeiro Fevereiro e carnaval Com o Cristo ao natural Que é pacífico demais Então mais um cigarro No meu carro em Ipanema Vejo a moça do poema Eu mais eu e nada mais Que desatino! A viola abandonada Minha mão tão asfaltada Não consegue violar E um sonho novo De passar as cordilheiras Vai virar velhas olheiras Se acordado eu esperar E um sonho novo De passar as cordilheiras Vai virar velhas olheiras Se acordado eu esperar”