Cantora lança projeto comemorativo nos 15 anos do álbum 'Anacrônico' e fala sobre mudanças na vida dela e no mundo desde 2005. Ao G1, ela também fala de novidades da carreira. Pitty Divulgação O ano era 2005 e Pitty falava sobre ciclos e mudanças inevitáveis em "Anacrônico". "É claro que somos as mesmas pessoas / Mas pare e perceba como o seu dia a dia mudou / Mudaram os horários, hábitos, lugares / Inclusive as pessoas ao redor" Quinze anos depois, a cantora retoma o trabalho com a faixa e com o álbum homônimo em uma versão comemorativa. E tal qual a canção, Pitty diz que, entre as duas versões de "Anacrônico", segue sendo a mesma pessoa, mas que seu dia a dia mudou. "A essência permanece, algumas coisas que são raízes profundas de ideias e pensamentos; mas a isso, vai se somando a bagagem dos anos, das vivências, das escolhas. Tudo que muda ao redor nos modifica também." Além das treze faixas originais, o disco comemorativo conta com três versões inéditas de canções que já circulavam na internet. Uma delas traz uma versão de 2003 de "Déja Vù" com o guitarrista Peu Sousa, que morreu em 2013. O álbum chega às plataformas digitais em 21 de agosto e, no mesmo dia, a cantora faz um luau virtual com versões acústicas do disco em seu canal da Twitch. Em entrevista ao G1, além de falar sobre o projeto, a cantora falou sobre o processo criativo na pandemia, contou o que tem feito durante o isolamento e analisou a situação da crise no entretenimento. "O setor cultural ficou relegado a segundo plano e agora temos que lidar com isso." Pitty também falou sobre o machismo do meio musical e a evolução da luta feminista entre a primeira e a segunda versão de "Anacrônico". "Hoje falamos mais sobre isso. Ao mesmo tempo, ideias que são absolutamente retrógradas e que parecem absurdas de ainda serem discutidas em 2020, volta e meia estão na pauta." Capa do disco "Anacrônico" lançado em 2005 Divulgação G1 – Por que celebrar os 15 anos de 'Anacrônico' relançando o álbum? Pitty – Porque a gente lembrou que havia três faixas inéditas. Faixas que gravamos na época e que até então eram só bootlegs, e para o Deluxe foram especialmente remixadas, remasterizadas. E também a releitura de Josyara, que traz a música ['Anacrônico'] para um novo lugar. G1 – Fazendo uma analogia com a mensagem do álbum, o que você vê de mudança no mercado da música nesses 15 anos que separam a primeira e a segunda versão do álbum? Pitty – Muita coisa. As mudanças parecem cada vez mais rápidas por conta da tecnologia. Não havia plataforma de streaming naquela época do jeito que conhecemos hoje, ouvia-se música de forma diferente, em outros aparelhos. O celular ainda não era tão smartfone assim. A comunicação era outra. G1 – E você, é a mesma pessoa de 15 anos atrás? Pitty – Não mesmo. [Risos] A essência permanece, algumas coisas que são raízes profundas de ideias e pensamentos; mas a isso, vai se somando a bagagem dos anos, das vivências, das escolhas. Tudo que muda ao redor nos modifica também. Hoje eu tenho filho, isso também muda tudo. [Pitty é mãe de Madalena, de 4 anos, de seu relacionamento com o baterista Daniel Weksler]. G1 – Nesse tempo, o rock sumiu da lista das músicas mais tocadas nas rádios. Na lista de 100 músicas mais tocadas do ano, por exemplo, não aparece desde 2016. A que você atribui esse resultado? Pitty – Às ondas naturais dos movimentos musicais, e ao fato de rock ser contracultura. É um movimento questionador, que estimula o senso crítico. É entretenimento, também. G1 – O que você tem ouvido de novidade? Pitty – Cada dia descubro uma coisa nova e legal. Não necessariamente no rock, mas coisas interessantes estão rolando por aí. Muitas vozes femininas potentes; Josyara, Larissa Luz, Drik Barbosa e toda turma do Rimas e Melodias… G1 – Diferentemente de boa parte dos artistas, você tem usado a plataforma Twitch para fazer lives durante a quarentena. Por quê? Pitty – Na Twitch, eu tenho mais recursos e possibilidades de interação e construção de comunidade. Tem uma série de ferramentas na plataforma, e ali eu consigo fazer uma web TV, que era minha ideia. Conteúdo musical, mas também espaço de conversa, cultura, aprendizado. A programação tem uma grade voltada para essas questões: na terça tem o "Na Minha Estante", sobre livros, discos, pessoas, arte. Na quinta tem o "Di Versa", sempre com convidados e personalidades, bate papo sobre empreendedorismo feminino, movimentos culturais. Na sexta tem DJ set, "Sexta Sem Lei", no qual eu vou variando os temas. E sempre tem uma live, um Luau Acústico. G1 – No geral, o que você tem achado das lives? Acredita que seja algo momentâneo ou veio para ficar? Pitty – Acho que vai rolar um híbrido aí. Veio pra ficar, não deixa de ser uma opção para criadores e para o público depois da pandemia. E, nesse momento, tem sido essencial para dar vazão a esse encontro entre audiência e artistas. "O acesso à cultura não pode parar, o digital agora é a reinvenção e adaptação dessa relação. É um aprendizado também." G1 – Quais lives você tem assistido? Alguma te chamou mais atenção? Pitty – Eu não tenho muito tempo pra ver porque tô produzindo bastante coisa na real. Lancei o "VideoTrackz", depois o clipe de "Submersa", agora a versão com Josyara… e envolvida na criação da minha web TV, e casa, e filho, enfim. Mas vi algumas de amigos próximos, me divirto. G1 – Como tem sido a quarentena pra você? Na questão de pausa musical, de maternidade, de dúvidas para o futuro… o que tem feito nesse período para lidar com tudo isso? Vi que tem aproveitado para dançar… Pitty – Sim. Amo dançar. Mas ali é aquele momentinho do dia de atividade física, de se movimentar. Importante, né? No resto do tempo, como comentei, tenho produzido bastante. E além disso tudo, ainda tem o "Saia Justa", ao vivo toda quarta no GNT. Pitty Divulgação G1 – Como está sua perspectiva para o futuro da indústria de entretenimento pós-pandemia? Você acredita em uma retomada em 2020? Pitty – Infelizmente, não. Não houve um planejamento mínimo (óbvio que dentro das condições incertas de uma pandemia como esta), mas o setor cultural ficou relegado a segundo plano e agora temos que lidar com isso. Vejo o entretenimento tentando encontrar formas de se manter de pé, especialmente a parte dessa cadeia econômica e produtiva que ninguém vê: produtores locais, roadies, equipe técnica, donos de espaços culturais, teatros, profissionais do audiovisual, etc. Há muitas campanhas rolando para conscientização sobre isso. E teremos que reinventar o setor, entendendo o que poderá ser feito, que tipo de eventos e como. Por ora, a parceria com empresas privadas para lives e eventos digitais é o que tem movimentado a indústria musical e alimentado o público. G1 – Independentemente da retomada, o mercado do entretenimento pode ainda sofrer bastante com uma crise. O que acha que pode ser feito para minimizar o impacto da pandemia nesse sentido? Pitty – Há essa discussão, e isso é real: mesmo quando tudo voltar a algo parecido com o normal, o setor de eventos ainda estará prejudicado, pois se trata exatamente de gente junta. Seria bom ter um plano para essa retomada, e já há algumas iniciativas: shows em drive-in, shows com público respeitando distanciamento social. Outro dia eu vi uma foto de um festival com quadradinhos, e cada turma ficava em um. Vi também um show que foi montado assim: um palco gigante na frente de um hotel cujos quartos e sacadas davam de frente para este palco. As pessoas ficavam assistindo ao show das janelas, cada turma no seu quarto também. Quem diria que veríamos cenas como essas, né? Cantora baiana Pitty se apresenta no Marco Zero, no Recife G1 – Muito se fala sobre o difícil ingresso das mulheres na música sertaneja e foi criado até um novo movimento dentro do sertanejo, o feminejo. Você sofreu muito preconceito? E como é ser referência para muitas mulheres nesse sentido? Pitty – Sempre rolou e rola, mas a gente vai abrindo espaço e lutando para que essa equidade seja cada vez maior. Os nichos musicais nada mais são do que reflexo da sociedade, que é machista. Por isso esses pensamentos retrógrados se entendem para essas áreas. A questão não é um estilo ou outro, um mercado ou outro, mas a questão estrutural de uma sociedade. Fico honrada de ser considerada referência, espero contribuir sempre. E fico muito grata às que foram e são referência para mim também. G1 – E você não é referência apenas como mulher no rock, mas também por ser uma grande voz no feminismo. Voltando à questão dos 15 anos de 'Anacrônico', como você vê a evolução dessa luta dentro desse período? Pitty – O fato de hoje certos comportamentos terem nome, e também o fato dos recortes dentro do feminismo terem adquirido uma atenção maior é uma evolução. O feminismo é plural diverso, não é o mesmo para mulheres brancas, negras, ricas, pobres, hétero, trans. Sem olhar esses recortes, ficamos na superfície e nas questões individuais. Hoje falamos mais sobre isso. Ao mesmo tempo, ideias que são absolutamente retrógradas e que parecem absurdas de ainda serem discutidas em 2020 volta e meia estão na pauta.