Assinatura do pacto está marcada e envolve TCU, AGU, CGU e Ministério da Justiça, além do STF. MP diz ter estudo 'avançado', mas Aras só deve assinar após entendimento no órgão. O Ministério Público Federal (MPF) não deve assinar, nesta quinta-feira (5), o acordo de cooperação técnica entre diversos órgãos federais sobre acordos de leniência.
A avaliação é de que os estudos internos não foram concluídos. Sem um entendimento consolidado entre os membros do Ministério Público, o procurador-geral da República, Augusto Aras, não poderá assinar o documento.
Além do MP, a cooperação técnica deve reunir o Tribunal de Contas da União (TCU), a Advocacia-Geral da União (AGU), a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Em um ofício ao STF, o MP chegou a informar que a Câmara de Coordenação e Revisão e a Comissão Permanente de Assessoramento para Acordos de Leniência e Colaboração Premiada têm estudo "em estágio avançado" sobre o tema.
O estudo foi informado à Comissão de Valores Mobiliários, ao Banco Central e ao Cade – três órgãos que não compõem a minuta (versão inicial) do STF para o acordo de cooperação.
O procurador João Paulo Lordello Guimarães Tavares, que assina o ofício ao STF, diz que a minuta do acordo está em análise, e que não será possível concluir a avaliação até esta quinta.
Apesar do posicionamento do Ministério Público, até a publicação desta reportagem, a cerimônia com os demais órgãos estava mantida.
Assinatura prevista
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Na sessão do TCU dessa quarta-feira, o presidente da corte, ministro José Múcio, anunciou a assinatura do acordo que permitirá o compartilhamento de informações sobre acordos de leniência. Segundo ele, a mudança vai permitir que todos os órgãos acompanhem os processos desde o início.
“Por meio do acordo de cooperação, o TCU terá acesso às informações que permitirão calcular com celeridade o valor do dano ao erário, que poderá ser incluído nos termos do acordo de leniência para quitação do débito com a União”, informou Múcio em nota.
Durante a sessão, o ministro Bruno Dantas afirmou que até agora os acordos de leniência eram "ficção", já que não havia segurança jurídica sobre o valor a ser imposto pelo TCU às empresas e nem disponibilidade das informações para basear decisões como essa.
O acordo de leniência é uma espécie de delação premiada para empresas investigadas por atos contra a administração pública. O texto que deve ser assinado na quinta-feira estabelece que deve haver troca de informações entre órgãos de investigação, mas determina que a celebração do acordo caberá à CGU e a AGU. A avaliação de integrantes do MPF é que o órgão pode perder atuação.
Atualmente, há um debate jurídico sobre a competência para fechar os acordos de leniência. A Lei Anticorrupção, de 2013, diz que é atribuição dos órgãos de fiscalização fechar esse tipo de acordo. O que acontece na prática é que os casos são fechados individualmente, e o próprio Ministério Público federal pode celebrar acordos sozinho.
Pela proposta, o MPF e a Polícia Federal poderão participar da fase pré-acordo, com investigação e identificação de responsabilidades das empresas.
Durante a sessão do TCU, o ministro André Luís de Carvalho afirmou que o acordo é um indicativo e que, a partir dele, o TCU terá que tomar outras medidas.
“Eu cito, por exemplo, que o signatário do acordo é o ministro da Justiça e ele, em tese, trará algumas adesões a princípios de investigação pela Polícia Federal. Mas todos sabemos que a Polícia Federal atua de modo independente e autônomo em relação ao Ministério da Justiça, assim como o Ministério Público. E também destacando o caráter indicativo do acordo, porque o próprio presidente Toffoli, que assina o acordo em nome do Supremo em breve passará a presidência”.
Associação de procuradores
Na noite desta quarta, a Associação Nacional dos Procuradores da República divulgou a seguinte nota sobre o assunto:
Brasília, 5 de agosto de 2020 – O acordo de leniência é importantíssimo instrumento de investigação de ilícitos praticados contra a Administração Pública e, portanto, deve ser fortalecido com a adoção de fórmula, como a do balcão único, que propicie segurança jurídica à empresa colaboradora, desde que não se prejudique uma atuação independente do Estado contra a corrupção.
A proposta em discussão prioriza, entretanto, a atuação de órgãos de governo e do controle interno, não reconhecendo o papel de preponderância que a Constituição e a lei conferem ao controle externo e, especialmente, ao Ministério Público que, além de ser uma instituição independente dos governos, é a única com titularidade para propor ações penais decorrentes dos mesmos fatos apurados e também concentra, embora sem possuir titularidade exclusiva, mais de 90% das iniciativas nas ações de improbidade propostas.
Alijar o Ministério Público dos acordos de leniência não atende ao interesse público, por não produzir os efeitos de segurança jurídica desejados, além de enfraquecer os esforços do país contra a corrupção.
Vale destacar que os grandes acordos de leniência da Operação Lava-Jato, com companhias como o Grupo J&F e a Odebrecht, foram conduzidos inicialmente por membros do Ministério Público, para somente depois contarem com a adesão de órgãos ligados ao governo.
Se acordos que apontem corrupção em atos do próprio governo forem coordenados por órgãos a ele mesmo vinculados, sempre haverá o risco de obtenção de informações privilegiadas que dificultem o aprofundamento das investigações.
Por fim, apresenta-se incompreensível a atitude do Presidente do Supremo Tribunal Federal no sentido de acelerar a definição do referido assunto, sem a presença e participação de um dos órgãos mais importantes e independentes no combate à corrupção.
Diretoria da Associação Nacional dos Procuradores da República