Capa do álbum 'Tempo de menino', de Pedro Luís Jorge Bispo ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Tempo de menino, Pedro Luís, 2011 ♪ Pedro Luís Teixeira de Oliveira é natural do Rio de Janeiro (RJ), cidade onde nasceu em 15 de outubro de 1960. A origem do artista é indissociável da trajetória musical pavimentada desde o início dos anos 1980 por esse cantor, compositor e instrumentista surgido na cena underground carioca, onde militou por quase 20 anos até ganhar visibilidade. Tanto que, na foto feita por Jorge Bispo para a capa do tardio primeiro álbum solo de Pedro Luís, Tempo de menino, editado em 2011 pelo selo MP,B Discos, o cantor foi visto em imagem integrada à paisagem urbana carioca. Gravada com a adesão de Erasmo Carlos, pioneiro roqueiro carioca nascido em outra época, a música-título Tempo de menino (Alô, Tijuca) (Pedro Luís) mapeou, na cadência do samba-funk, lembranças romantizadas, tradições e fatos históricos da Tijuca, bairro carioca em que nasceram e/ou viveram ícones musicais da cidade como Pedro, Erasmo, Jorge Ben Jor, Aldir Blanc (1946 – 2020), Tim Maia (1942 – 1998) e até mesmo o capixaba Roberto Carlos – todos nominalmente citados na letra da composição. Tijucano criado nas proximidades do Morro do Borel, celeiro de bailes funks e de escolas de samba, Pedro Luís impregnou o álbum Tempo de menino das belezas que cintilam e sobrevivem no caos do Rio de Janeiro (RJ). Só que extrapolou as fronteiras musicais da cidade ao longo das 13 faixas do disco produzido pelo MiniStereo, duo formado pelo produtor Rodrigo Campello com o guitarrista JR Tostoi. O leque rítmico do álbum foi aberto com a pluralidade de um artista que debutara no alvorecer dos anos 1980 como integrante do grupo vocal carioca Cobra Coral e que, logo depois, se impressionara como o desvario punk da pauliceia no festival O começo do fim do mundo (1982), marco do movimento punk da cidade de São Paulo (SP). A semente do punk paulistano brotaria na banda Urge, liderada por Pedro Luís na cena underground carioca. Essa banda punk legou em 1991 um único álbum, Urge, para a história da música alternativa da cidade. Garoto carioca suingue sangue bom que completa 60 anos em 2020, tendo no currículo passagem pela banda carioca Boato, Pedro Luís foi apresentado ao mainstream em 1995 pela parceira Fernanda Abreu com a gravação de música de ambos, Tudo vale a pena, no terceiro álbum da cantora, Da lata (1995), lançado um ano antes de o artista entrar em cena com A Parede, coletivo percussivo que está de pé desde 1996. Foi agregado nominalmente à Parede que Pedro Luís enfim ganhou projeção nacional com a edição do álbum O astronauta tupy (1997). Com a Parede, o artista captou a efervescente miscigenação musical do Rio com ênfase no baticum. Contemporânea, essa mistura sonora reverberou, com maior amplitude, no primeiro disco solo de Pedro Luís. Lançado em outubro de 2011, o álbum Tempo de menino começou a ser gravado em 2010, quando o artista já contabilizava 50 anos de vida, 30 de carreira e cinco discos de estúdio com a Parede, sendo que um desses discos, Vagabundo (2004), foi honrosamente dividido com Ney Matogrosso, cantor sempre atento aos sinais de novidades musicais. Sem falar que, desde 2000, Pedro Luís também já vinha pondo o Monobloco nas ruas do Rio de Janeiro, arrastando multidões foliãs no Carnaval da cidade. Todo esse percurso musical carioca desembocou em Tempo de menino em rota expandida pelo Brasil, com direito a uma escala em Portugal na viagem terminada pelo astronauta tupy com a melancolia do fado entranhada na canção Lusa (Pedro Luís e Antonio Saraiva), gravada com a voz da cantora portuguesa Carminho e as guitarras e os dubs de JR Tostoi. No álbum Tempo de menino, o olhar carioca de Pedro Luís focou a miscigenação nacional em aquarela brasileira que passou pela Bahia – origem do toque de capoeira que iluminou a faixa Nas estrelas (Pedro Luís e Sérgio Paes) – e por Minas Gerais, evocada no sentimento blue da toada Imbora, parceria do compositor com o capixaba-carioca Zé Renato (que lançou a música simultaneamente no álbum Breves minutos, também editado em outubro de 2011), valorizada no disco de Pedro Luís pela luxuosa participação de Milton Nascimento, carioca de alma musical mineira. Dentro da fronteira da nação nordestina, Pedro Luís experimentou a pisada de um baião sideral em Os beijos (Pedro Luís e Ivan Santos), faixa gravada com Roberta Sá, parceira do artista e de Carlos Rennó na composição de Tá? (2009), música lançada há então dois anos na voz de Mariana Aydar. Mesmo com incursões além do Rio, o álbum Tempo de menino gravitou basicamente pela geografia musical carioca. Só o esqueleto (Pedro Luís e Ricardo Coelho) balançou na pegada do indie rock para denunciar a fome que abrasa asfalto da cidade partida por profundas desigualdades sociais enquanto é cenário de fervo para cariocas mais privilegiados. Rio moderno (Pedro Luís e Carlos Rennó) mapeou a cena fervilhante dessa cidade afogueada que, tal como Nova York (EUA), parece nunca dormir, sedenta de sexo e festa. Em Tempo de menino, Pedro cantou o Rio do samba, ritmo de Na medida do meu coração (Pedro Luís e Ricardo Silveira), faixa de cadência turbinada pela pressão roqueira do MiniStereo. O Rio do funk evocado pela pressão de Crise (Pedro Luís e Ivan Santos) e pelo suingue de Menina de salão de beleza (Pedro Luís, Beto Valente e Rodrigo Cabelo). O Rio de mulheres tão bonitas que engarrafam o trânsito, caso da personagem perfilada em Bela fera (Pedro Luís), música feita pelo compositor – sob encomenda do diretor Daniel Filho – para a abertura da série As cariocas (TV Globo, 2011). O cantor também deu voz ao Rio das maravilhas contemporâneas de Luiz Melodia (1951 – 2017), emblemático compositor carioca de quem Pedro regravou o lado B Hoje e amanhã não saio de casa (1980), sinalizando quase 20 anos antes a sinceridade do tributo póstumo que prestaria ao Negro gato em 2018 no show Pérolas negras, matriz do álbum de estúdio, Vale quanto pesa – Pérolas de Luiz Melodia, lançado por Pedro Luís em dezembro daquele mesmo ano de 2018. Sem perder a inspiração, o compositor renovou o repertório autoral no álbum Macro (2019), mais um retrato desse artista natural do Rio de Janeiro e dono de obra miscigenada pela própria natureza carioca.