Ao G1, Chrissie Hynde fala do álbum 'Hate for Sale', com punks e baladas. Ela relembra vindas ao Brasil, de treta com câmeras em 1988 a turnê com Moreno Veloso e shows com Phil Collins. "Hate for sale", primeiro disco do Pretenders em quatro anos, tem "o som clássico dos Pretenders". A definição é de Chrissie Hynde, líder do grupo conhecido por baladas como "I'll stand by you" e rocks dançantes como "Back on the chain gang". Em entrevista ao G1, por telefone, ela falou sobre o 11º álbum da carreira do Pretenders. Hoje, Chrissie e o baterista Martin Chambers são os únicos do começo da banda, formada na Inglaterra, em 1978. Em mais de meia hora de papo, a cantora e pintora americana de 68 anos falou sobre punk, cigarros e quarentena. Chrissie descreveu a antipatia por turnês em estádios e o amor por Bob Dylan. Ela também lembrou das vindas ao Brasil, incluindo uma treta com câmeras em 1988, uma turnê com Moreno Veloso e shows abrindo para Phil Collins. G1 – Você e James [Walbourne, guitarrista] disseram que fazia toda a diferença o fato de o álbum ter sido produzido pelo Stephen Street [Blur, Smiths]. Como é trabalhar com ele? Chrissie Hynde – Ele é um dos grandes produtores de discos. Ele é o que você chamaria hoje em dia de "old school". Não tem truque de estúdio: ele faz as pessoas tocarem os instrumentos, a banda toca junto. É assim que eu sempre gravo, os Pretenders gravam assim. Pretenders, de Chrissie Hynde, lança o álbum 'Hate for sale' Divulgação/Matt Holyoak G1 – Qual sua opinião sobre artistas como Billie Eilish, jovens fazendo música no quarto deles. Você ouve, gosta? Chrissie Hynde – Eu não sei muito sobre isso. Fico ocupada pintando, gravando, lendo, escrevendo. Não fico ouvindo tudo. Mas acho que não importa qual é o método de fazer música. Só há uma maneira de julgar. Se toca no rádio, quero mudar de estação ou não? Você pode gravar uma música e alguém descreve como ela foi feita… e pode parecer, pela descrição, que você vai odiar, mas você pode adorar. Não há regras, mas há regras. G1 – Eu fui ao show do Pretenders em São Paulo, antes do Phill Collins. Como foi essa turnê sul-americana? Chrissie Hynde – Ela foi fantástica. Eu fui dois dias à Catedral de São Sebastião [no Rio]! É que o meu tecladista Carwyn [Ellis] adora explorar, visitar os lugares e eu tiro proveito disso. Eu fiquei andando por aí. Isso é o bom dessas grandes turnês como a com o Phil Collins. Foi como férias com alguns shows no meio delas. Os Pretenders nunca poderiam fazer isso por conta própria e, na verdade, eu não gostaria, não gosto desses lugares grandes. G1 – E por que você não gosta de tocar em palcos maiores? Chrissie Hynde – Ah, não é tão divertido, né? Se eu estou na plateia, gosto de ficar andando, de ver o artista de perto. Quero dançar se quiser. Se eu estiver no palco, quero poder ver todo mundo e talvez vou notar alguém dançando e daí posso assistir esse cara por um tempo. Mas quando você está olhando para um mar sem fim de gente, parece que você não vê ninguém direito quando toca em um estádio. É mais impessoal. É grande demais! "Esse tipo de turnê aí não é rock n' roll. Rock é tipo um clubzinho de merda. Rock é quando alguém derrama cerveja em você. Eu faço shows maiores se me chamarem, claro. Já fiz muitos. Mas me dê um club ou um teatro em um dia qualquer, que eu prefiro." Chrissie Hynde, vocalista dos Pretenders, abre os show de Phil Collins no Allianz Parque, em SP, em 2018 Celso Tavares/G1 G1 – Eu lembro que saí daquele show com a impressão de que vocês deveriam tocar no Rock in Rio, seria demais. Você toparia? Chrissie Hynde – Já fizemos Rock in Rio, já… G1 – Eu estou falando os mais recentes, de 2011 para cá. Chrissie Hynde – A gente foi quando o Johnny Marr estava na banda, foi há muito tempo atrás… [era o festival Hollywood Rock, em 1988]. G1 – O que você lembra desses shows no Brasil, nos anos 80? Chrissie Hynde – Bem, era a primeira vez da banda no Brasil. Eu não sabia o que esperar. Estávamos tão empolgados por estar no Brasil, mas tudo o que eu conseguia ver era um mar de cinegrafistas e eu não gosto de jeito nenhum de ser fotografada quando eu estou trabalhando. Acho isso muito perturbador, muito desconfortável. E eu acabei falando, né? Quando as câmeras começaram a gravar, eu mandei todo mundo se f… e pareceu ter sido um desastre, porque fique sabendo que todo o festival era patrocinado por emissoras de TV. Eu disse todas essas coisas erradas e, quando saí do palco, pensei que a banda provavelmente seria convidada a deixar o país. Não achei que fosse acontecer outro show. O Pretenders na capa do álbum que de mesmo nome, lançado em 1980 Reprodução Dito isso, no dia seguinte, as manchetes eram tipo "obrigado, Chrissy, eles precisavam ouvir isso". Os fãs agradeceram! Quando você está no palco, quer ver o público, não quer ver câmeras. Então, foi assim: começou meio mal, mas quando chegamos em São Paulo, vi que as pessoas estavam felizes que eu tinha xingado as câmeras. O UB40 [banda inglesa de reggae] estava lá no hotel e a gente foi visitar. Foi tudo muito divertido. Depois, passei mais tempo sozinha no Brasil. E foi aí que eu me apaixonei por São Paulo e depois pelo Rio, trabalhando com Moreno Veloso, Domenico [Lancellotti] e Kassin. Eu fiz uma turnê com eles e foi aí que eu realmente me apaixonei pelo Brasil. G1 – Em uma entrevista recente, você mencionou Bolsonaro quando disse que 'Hate for sale' ('Ódio à venda') não era sobre política, não 'era sobre Bolsonaro, Trump ou Boris [Johnson]'. O que você sabe sobre Bolsonaro? Chrissie Hynde – Eu não quero entrar muito na política, mas acho que ele não fez nenhum favor às florestas tropicais. Eu acho que é fato que há crimes contra o meio ambiente. E isso é simplesmente inaceitável. Todo o mundo me pergunta sobre isso e é difícil escapar desse assunto, mas não deveria estar no comando qualquer um que não coloca como prioridade o meio ambiente e o bem estar do povo. Eles são impostores, não deveriam estar no comando. G1 – John McEnroe [ex-tenista] parece ter resumido bem o álbum novo álbum: 'old school, direto e doce'. É isso que você queria com este álbum? Chrissie Hynde – Sim, é exatamente isso que queremos, é exatamente o que queríamos. Sobre o McEnroe, ele é como o fã padrão de rock n' roll. Ele ama mesmo. Ele tocou no "Stockholm" [álbum da carreira solo]. Eu botei para tocar uma das músicas para impressionar meu produtor sueco, mas ele tocou muito bem. G1 – Qualquer fã dos Pretenders no Brasil gosta da banda pelas baladas, para dançar junto com alguém, mas também gosta das faixas mais agitadas, para dançar sozinho. Ao escolher as músicas do disco, você pensa nisso ou vem naturalmente? Chrissie Hynde – Quando você está gravando, claro que você espera que as pessoas gostem, mas você não está pensando… No começo, você está criando o álbum para expressar o que deseja, o que gosta e, se as pessoas gostam, isso é ótimo. Você não pode dar ao público exatamente o que ele quer. Você tem que tentar se expressar. Mas eu também acho que se você fizer 12 músicas iguais, pode ser um pouco chato. São três tipos de músicas que a gente gosta de fazer: as que são punk rock; também temos umas coisas mais rockabilly, eu acho; e as baladas. Elas são ótimas, são divertidas para cantar. Acho que esse é o som clássico dos Pretenders. G1 – Falando de baladas, minha favorita das novas é 'You can't hurt A fool'. Principalmente porque sua voz está boa demais, você parece estar muito em forma. Que cuidados você toma? Chrissie Hynde – Bem, obrigada por dizer isso, mas eu diria que minha voz não está em ótima forma. Eu não faço nada, sou uma cantora de rock. A gente aprende a cantar ouvindo rádio… e é isso. E eu parei de fumar. Então, isso foi ótimo e ajudou muito. G1 – Quando parou? Chrissie Hynde – Não faz muito tempo, não. Foi há cinco, seis anos. Mas todo mundo da minha geração, todos fumamos. E então, eventualmente, todos pararam e essa tem sido uma das grandes coisas do progresso, da evolução da nossa sociedade: o tabagismo meio que acabou, se comparado ao que era. Pra mim, foi ótimo. Todo mundo que canta tem que encarar essa verdade uma hora: se você canta e fuma, isso vai destruir sua voz. G1 – E o que você fez durante a quarentena? Como é um dia normal na sua vida? Chrissie Hyde – Para mim, parece que estou em turnê, que estou em um quarto de hotel em um dia de folga. Onde quer que eu esteja, praticamente tenho a mesma rotina, esteja em um hotel ou em casa. Eu estou sozinha e tenho uma certa rotina. Agora, em vez de sair ou fazer um show à noite, tenho me dedicado à pintura… Chrissie Hynde Divulgação/Jill Furmanovsky Eu gosto de ficar fazendo alguma m… qualquer. Ainda estou viva. Gosto de tocar minha guitarra, tocar covers de Dylan com o James, via telefone. Colocamos esse material on-line no Pretenders.com. Tem sido um período muito criativo para muitas pessoas. É um tempo para repensar todo tipo de coisa, para entender como pode gravar em casa, por telefone. Eu acho que as redes sociais certamente têm aspectos muito negativos. Mas os telefones são um dispositivo ótimo, tecnologicamente falando. Você pode gravar, filmar, com qualidade. É tão simples de fazer em casa. G1 – E o que você achou do novo álbum do Dylan? Chrissie Hynde – Quando ouvi "Murder Most Foul", eu fiquei um pouco assustada, ninguém sabia o que estava acontecendo e estávamos sozinhos nas nossas casas. E essa música realmente me pegou. Realmente, me inspirou porque é uma das melhores coisas que ele já fez. Quero dizer, ele sempre faz isso, ele é Bob Dylan. Ele sempre vem com algo surpreendente e excelente. Mas essa realmente me tirou essa sensação de estar trancada. Foi muito libertador ouvir. Foi a partir daí que começamos a fazer essas covers de Dylan. Eu disse: vamos continuar gravando músicas de Dylan, enquanto estivermos trancados, fazendo isso por telefone. É ótimo que ele tenha lançado esse álbum fantástico. G1 – Sim, é bom viver em um mundo em que há um Bob Dylan. Chrissie Hynde – Sim, com certeza é. Quando você realmente ama alguém que é fã, e eles não lançam algo realmente novo, você só ouve música que você ouvia quando era adolescente. Eventualmente, isso começa a fazer você sentir uma espécie de nostalgia. E não é um sentimento muito bom, porque você quer sentir algo afetando você e que seja relevante para o momento em que você está vivendo. Porque isso é o rock, deveria ser um reflexo do mundo ao nosso redor. E é por isso que Bob, de quem você claramente parece ser fã também, não nos decepciona. Ele fez isso quando éramos adolescentes e agora que somos, a maioria de nós, velhos, ele continua fazendo. Ele faz isso há três gerações, sabe? Quatro décadas depois, e ele ainda faz isso. Então, isso faz você se sentir bem. Eu me sinto como se estivesse em contato com artistas contemporâneos, mesmo que eles não tenham 20 anos. G1 – Quais seus planos para quando tudo ficar mais normal? Chrissie Hynde – Eu quero fazer uma turnê e acho que as coisas vão começar a voltar no próximo ano. E o que eu quero fazer? Eu quero fazer um álbum com Moreno Veloso. Eu tenho vontade de fazer isso há muito tempo. Nós queríamos fazer uma turnê. G1 – Como você conheceu o Moreno Veloso e começou a tocar com ele? Chrissie Hynde – Vi Caetano fazendo um pocket show em um hotel quando estava visitando São Paulo com um amigo. Isso foi há cerca de 15 anos. Eu não sabia que Moreno era filho do Caetano, eu só o vi tocando violoncelo. Daí um produtor me perguntou se eu gostaria de fazer uma turnê acústica no Brasil. E eu disse "sim, se aquele cara que está tocando violoncelo fizer comigo". Eu fui até ele e disse "Ei, você faria uma turnê comigo?" Ele disse que sim, e foi isso. Foi a melhor experiência musical que já tive. Foi fantástico. Chrissie Hynde em foto do livro 'Reckless: My Life as a Pretender' Divulgação G1 – Se ele te chamasse agora, então, você faria? Chrissie Hynde – Com certeza, em um piscar de olhos. A gente vem falando disso, mas todo mundo anda ocupado e o Moreno tem feito esses shows espetaculares com o pai e os irmãos. Quando ele esteve aqui perto fazendo esse show, eu estava em turnê. Então, eu não consegui ver ao vivo, mas vi algumas músicas on-line e é ótimo. G1 – É uma pergunta meio batida, mas estou curioso para saber o que você tem a dizer sobre isso. O que é ser punk hoje? Chrissie Hynde – Punk sempre foi uma atitude. O punk era uma espécie de atitude antissistema. Mas, por outro lado, era e não era. Foi uma coisa muito específica. Punk era, na minha opinião, sobre como destruir tudo o que estava acontecendo e começar uma coisa própria. Musicalmente, com roupas. Foi feito por fãs de música, mas fãs de música que não sabiam tocar muito bem. Era uma espécie de anti-prog-rock. Eu não acho que o Nirvana tenha sido considerado punk, acho que eles eram chamados de grunge, mas obviamente era uma atitude punk. E também era musicalmente excelente. Mas acho que assim que todos começam a tocar bem os instrumentos, daí aquilo não é mais punk.