Capa do álbum 'Omelete man', de Carlinhos Brown Arte de Gringo Cardia ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Omelete man, Carlinhos Brown, 1998 ♪ Carlinhos Brown ainda era de certa forma a “novidade” da música brasileira quando, em novembro de 1998, lançou o segundo álbum da carreira solo, Omelete man, com o nome hypado da parceira e amiga Marisa Monte grafado na contracapa como produtora musical do disco editado pela gravadora EMI com capa assinada por Gringo Cardia. Contudo, os habitantes de Salvador (BA) – cidade cheia de axé onde Antônio Carlos Santos de Freitas viera ao mundo em 23 de novembro de 1962 – sabiam que Brown estava em cena desde 1979, ano em que o artista foi revelado no circuito local com a banda de rock Mar Revolto. Na primeira metade da década de 1980, Brown foi o percussionista da banda Acordes Verdes, liderada por Luiz Caldas, um dos pioneiros da música afro-pop-baiana rotulada como axé music e irrompida oficialmente em 1985. Embora estivesse inserido nessa cena, inclusive como agitador cultural, Brown somente ganharia projeção nacional individual – como compositor – em 1989, ano em que Caetano Veloso gravou música do artista soteropolitano, Meia-lua inteira, que rendeu hit radiofônico para o álbum Estrangeiro (1989). Na sequência, em 1991, Brown orquestrou a criação da Timbalada – banda calcada no batida percussiva do timbal, tambor de origem africana – e, a reboque do som explosivo do grupo, incendiou multidões arrastadas voluntariamente pelas ruas de Salvador (BA). O sucesso da Timbalada, inclusive em disco, abriu caminho para que Brown investisse, enfim, em carreira solo e preparasse o primeiro álbum, Alfagamabetizado, lançado em 1996 com pompa e ações excessivas de marketing que tentaram vender Brown como um novo gênio da música brasileira. Com dose menor de ostentação, mas ainda com certa pompa, o álbum Omelete man foi apresentado após dois anos com 15 músicas que trouxeram o nome de Brown nos créditos da ficha técnica. A expressão Omelete man reproduzia o nome da música-título – alocada na abertura do disco com arranjo orquestrado com mix de sopros e percussões – e aludia ao caráter miscigenado do álbum e do próprio artista. “Omelete man é o cara que se mistura, que absorve diferentes culturas, é o típico brasileiro”, caracterizaria Marisa Monte, maestra do disco coproduzido por Brown com o engenheiro de som venezuelano Andres Levin e com Tom Capone (1966 – 2004). Marisa começara a conviver com Brown por volta de 1992 e tinha estreitado os laços profissionais com o amigo no terceiro álbum da cantora, Verde anil amarelo cor-de-rosa e carvão (1994), cujo repertório destacou duas músicas da lavra profícua de Brown, Maria de verdade e Segue o seco, além de parceria do compositor com Marisa e Nando Reis, Na estrada. Na orquestração do álbum Omelete man, álbum arranjado por Brown, Marisa atuou inclusive como curadora de repertório autoral em que o artista transitou pelo reggae – Vitamina ser, gravado com o toque do clavinet e do teclado Hammond B3 de Bernie Worrell, músico egresso da banda norte-americana Funkadelic – e por canções adornadas com cordas proeminentes (arranjadas por Jaques Morenlenbaum), como exemplificaram Cold heart e Hawaii e you. Desse repertório, formado por 15 músicas garimpadas em pré-seleção com cerca de 90 composições, a canção que mais resistiu ao tempo foi a balada Busy man, parceria de Brown com Arnaldo Antunes rebatizada posteriormente como Sem você ao ser abordada por vozes como a da cantora Zizi Possi. Da parceria com Arnaldo, futuro colega dos Tribalistas, trio que seria formado em 2002 em Salvador (BA) com Marisa Monte na terceira ponta, Brown também apresentou o bonito samba Amantes cinzas, embasado na batida foliã do samba-reggae. Nesse terreno carnavalesco, Faraó reentronizou Brown como um dos reis da folia da Bahia, se tornando hit carnavalesco de trios elétricos e micaretas, veículos para os quais Cachorro louco latiu com baticum envenenado. Já a canção Soul by soul – arranjada com orquestra por Eumir Deodato – reverberou na voz da própria Marisa Monte ao ser inserida no roteiro de algumas apresentações do show Memórias, crônicas e declarações de amor (2000 / 2001). Na arquitetura cosmopolita do disco Omelete man, Marisa tocou surdo virado e fez aparentes vocais em Irará. Já Water my girl mostrou que, na obra de Brown, as letras – escritas com mix de palavras em português, inglês e onomatopeias – sempre soaram subjugadas ao arsenal rítmico do artista. Faixa valorizada pelo toque da guitarra chic do músico norte-americano Nile Rodgers, Tribal united dance reforçou a intenção de embalar o som miscigenado de Carlinhos Brown para gringos e troianos. O que justificou versão em português de morna cabo-verdiana do repertório da cantora africana Cesaria Evora (1941 – 2011). Na escrita de Brown, Direito di nascê (Manuel de Jesus Lopes, 1992) – música do álbum Miss perfumado (1992), disco decisivo na trajetória de Cesaria – virou Mãe que eu nasci em registro melodioso feito com o toque lapidar do conjunto de choro Época de Ouro e em clima melancólico que evocou mais um fado do que uma morna. No mesmo tom sereno, Músico – parceria de Brown com o então emergente compositor e violonista baiano Cezar Mendes – reiterou a opulência das cordas sem deixar de exibir aura vintage como se a canção tivesse vindo de outros tempos e cruzado transversais do tempo para valorizar disco encerrado com adaptação do Hino de Santo Antônio, faixa que, no fim do álbum, mostrou que o homem-omelete soteropolitano acenava para o mundo sem sair da Bahia natal. Após Omelete man, disco recebido com mais entusiasmo pela crítica do que pelo público, Carlinhos Brown foi perdendo progressivamente a aura hype fabricada pela máquina da indústria do disco para vendê-lo com pompa à mídia. Mas jamais perdeu a chama criativa com a qual ainda mantém acesa, e em constante movimento, obra que atesta o talento plural desse efervescente cantor, compositor, percussionista, arranjador e produtor musical que sempre agitou a cultura com a força de mar revolto.