Capa do álbum 'Novo aeon', de Raul Seixas João Castrioto ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Novo aeon, Raul Seixas, 1975 ♪ O tempo fez justiça a Novo aeon, quarto álbum solo de estúdio de Raul Seixas. Ao ser lançado em novembro de 1975, Novo aeon até foi bem recebido por alguns críticos, só que, apesar de todo o investimento da gravadora Philips na promoção do disco nas rádios e TVs, o LP nem de longe roçou as vendas e a repercussão do LP antecessor Gita (1974). Foi preciso tempo para que o álbum Novo aeon se impusesse como um dos melhores discos da trajetória acidentada de Raul Santos Seixas (28 de junho de 1945 – 21 de agosto de 1989), gerando sucessos imortais para esse roqueiro baiano que adotara o nome artístico de Raulzito quando, em 1968, lançou o primeiro LP como líder d'Os Panteras, grupo que formara em Salvador (BA), cidade natal do cantor. Projetado em escala nacional três anos antes da edição do álbum Novo aeon, ao defender em 1972 a música Let me sing, let me sing (parceria do artista com Nadine Wisner) na sétima e última edição do Festival Internacional da Canção (FIC), Raul Seixas impactou para valer o universo da MPB com a edição do primeiro álbum solo, Krig-ha, bandolo! (1973), A rigor, esse disco foi o segundo álbum solo de Raul, pois, embora o cantor tivesse tido o nome omitido nos créditos da edição original do LP Os 24 maiores sucessos da era do rock, editado em maio de 1973, dois meses antes de Krig-ha, bandolo!, era ele o intérprete desse genérico disco com regravações de sucessos do rock'n'roll. Tanto que, após a fama, Raul foi devidamente creditado nas edições posteriores produzidas a partir de 1975. E tudo então fez sentido, pois Raul Seixas queria somente cantar o rock'n'roll dele, mas à moda brasileira. Inovador, Raul ergueu ponte que ligou o baião e o nordeste de Luiz Gonzaga (1912 – 1989) ao uah-bap-lu-bap-lah-béin-bum da geração dos anos 1950 que, escorada na fina estampa de Elvis Presley (1935 – 1977), mostrou ao mundo como se dançava o rock'n'roll. Com o selo da Sociedade Alternativa estampado na capa (logotipo que somente reapareceria na capa do último álbum solo de Raul, A pedra do gênesis, editado em 1988), o álbum Novo aeon flagrou o artista imerso em universo místico e ampliou a parceria de Raul com Paulo Coelho, desenvolvida no álbum anterior Gita. Contudo, Marcelo Motta também apareceu bem no disco como parceiro de Raul na criação de cinco das 13 músicas então inéditas que compuseram o repertório autoral do álbum Novo aeon – com a curiosidade de que os dois parceiros letristas assinaram juntos, com Raul, as duas músicas que se tornariam as mais populares desse repertório, Tente outra vez e A maçã. Tente outra vez abriu o disco e se impôs de cara como grande power-balada, hino de fé na vida em que o cantor pregou mensagem de resistência sem cair no discurso pueril da autoajuda. Balada cantada em falsete por Raul, A maçã versou sobre a liberdade de amar e de liberar o ser amado para vida sexual desamarrada da moral cristã e social. Entre Tente outra vez e A maçã, o álbum Novo aeon apresentou Rock do diabo (Raul Seixas e Paulo Coelho), cuja batida explicitou a devoção de Raul à seminal batida do rock'n'roll dos anos 1950. Também na batida do rock, flamejante como um grito, a música Eu sou egoísta (Raul Seixas e Marcelo Motta) defendeu, em letra complexa e por vezes mal compreendida, o fortalecimento do ego e de convicções individuais como forma de escapar dos dogmas religiosos e dos padrões sociais. Vale mencionar a citação, ao fim da faixa, do “Por que não?” da letra da marcha pop Alegria alegria (1967), primeiro sucesso do conterrâneo tropicalista Caetano Veloso. “O caminho do risco é o sucesso”, sentenciou Raul em verso de Caminhos (Raul Seixas e Paulo Coelho), composição arranjada de início na forma de balada até cair no suingue do samba à moda baiana, em outro atestado da brasilidade da obra de aura roqueira construída pelo Maluco beleza a partir dos anos 1970. A letra de Caminhos reapareceu falada no lado B do álbum em faixa intitulada Caminho II e também creditada a Eládio Gilbraz. Faixa aliciante, introduzida e finalizada com ambiência de gravação ao vivo, Tu és o MDC da minha vida (Raul Seixas e Paulo Coelho) fechou o lado A do LP com fluente flerte com a música dita cafona, feito por Raul com a autoridade de quem já tinha colaborado, como compositor e/ou produtor, de discos de cantores populares como Jerry Adriani (1947 – 2017) e Diana. Na abertura do lado B, A verdade sobre a nostalgia (Raul Seixas e Paulo Coelho) reconduziu o LP Novo aeon ao trilho roqueiro básico. Na sequência, Para Noia (Raul Seixas) apresentou o arranjo mais inventivo do disco para embalar música em que Raul versou sobre medo e culpa católica. Já Peixuxa (O amiguinho dos peixes) (Raul Seixas e Marcelo Motta) evocou o clima de Ob la di, ob-la-da (John Lennon e Paul McCartney, 1968) sem configurar um plágio de Raul. Cantada em inglês, com a participação de Space Glow (pseudônimo da cantora norte-americana Gloria Vaquer, mulher de Raul na época) a balada Sunseed também evocou o universo musical dos Beatles, corroborando a influência do som dos Fab Four na obra de Raul Seixas. Bem mais original, inclusive pela ácida crítica social que desacreditava do milagre econômico propagado pelo governo brasileiro na época, É fim de mês (Raul Seixas) alternou batuque afro-brasileiro com a cadência de baioque, em mais uma prova da habilidade do artista de conectar Luiz Gonzaga a Little Richard (1932 – 2020). Fechado com a música-título Novo aeon (Raul Seixas, Cláudio Roberto e Mauro Motta), country-rock que anunciou vinda de outra era, esse álbum de 1975 foi sendo cada vez mais incensado ao longo desses 45 anos. Até porque, após um quarto álbum de inéditas na Philips, Eu nasci há dez mil anos atrás (1976), Raul Seixas assinou contrato com a gravadora WEA e, aos poucos, diluiu a força da obra por força das circunstâncias. Primeiro dos três álbuns feitos na WEA, O dia em que a terra parou (1977) ainda fluiu bem, mas a crise criativa do artista ficaria evidenciada em discos seguintes como Mata virgem (1978) e Por quem os sinos dobram (1978). Raul Seixas atravessou os anos 1980 às voltas com problemas de alcoolismo e com discografia irregular, embora lampejos da criatividade inicial tenham espoucado em faixas de álbuns como Metrô linha 743 (1984). Ao sair de cena, aos breves 44 anos, na semana do lançamento do álbum A panela do diabo (1989), gravado com o discípulo Marcelo Nova, Raul Seixas já tinha ficado na história. E, com o tempo, se tornou mito, cultuado por séquito fiel. Disco produzido por Marco Mazzola, arranjado pelo maestro uruguaio Miguel Cidras (1937 – 2008) e gravado com músicos do trio Azymuth, além de virtuoses como o pianista Antonio Adolfo e o próprio Raul Seixas ao violão, Novo aeon justifica o culto. O tempo fez justiça a esse álbum que o próprio Raul Seixas já chegou a eleger como o ponto culminante de discografia com a qual o lendário artista manteve heroicamente hasteada a bandeira do rock no Brasil sombrio dos anos 1970.