Obras da usina de Angra 3 (Eletrobras/Divulgação)
A usina de Angra 3, da Eletronuclear, voltou a ganhar destaque após operação deflagrada pela Polícia Federal nesta quinta-feira, 25, que investiga contratos fraudulentos envolvendo as obras da subsidiária da Eletrobras. O episódio é mais um da novela que já dura mais de 35 anos. Mas por que o projeto não sai do papel?
Não é por falta de vontade da atual gestão do Almirante Bento Albuquerque, ministro de Minas e Energia (MME). Ele não esconde o desejo de impulsionar o setor de energia nuclear e expõe sua opinião publicamente, sempre que tem oportunidade.
Em sua experiência na Marinha brasileira, Bento Albuquerque integrou a equipe do Programa de Desenvolvimento de Submarinos, uma parceria entre Brasil e França, cujos projetos incluíam o primeiro submarino de propulsão nuclear brasileiro.
Para colocar em prática os projetos de energia nuclear da pasta, a Eletrobras teria que priorizar o avanço das obras de Angra 3, que em breve completam aniversário de 40 anos.
Entre os diversos escândalos de corrupção envolvendo Angra 3, destaca-se a acusação contra o ex-presidente da República Michel Temer, que chegou a ser preso por supostos favorecimentos em contratos relacionados à construção da usina.
Paralelamente, a Eletrobras tem reduzido a atenção para com sua subsidiária de energia nuclear, diante do caixa comprometido pelas inúmeras crises dos últimos anos. Enquanto isso, as contas fixas continuam chegando. As obras de Angra 3, paradas, consomem dezenas de milhões de reais todo mês só de empréstimos do BNDES e da Caixa, além de recursos para empresas terceirizadas para evitar uma depreciação do que já foi levantado.
No balanço da Eletrobras referente ao primeiro trimestre deste ano, a companhia reportou mais um adiamento da entrada em operação de Angra 3, dessa vez em 11 meses. A previsão agora é que a usina comece a operar somente em 30 de novembro de 2026.
Bento Albuquerque chegou a falar publicamente sobre a busca por um parceiro privado para a conclusão das obras, o que não foi para frente. Estima-se que a conclusão de Angra 3 demandaria mais de 15 bilhões de reais.
“O grande problema do Brasil é que os projetos de infraestrutura não são uma política de Estado. Se muda o governo, o empreendimento deixa de ser importante”, afirma Marcos Meira, presidente da Comissão de Infraestrutura do Conselho Federal da OAB e procurador do estado de Pernambuco.
O especialista lembra que uma parte importante das obras de Angra 3 já está concluída (estrutura e fundação). No entanto, o maquinário, que é importado em sua maioria, deverá consumir quantias significativas. Em um cenário de dólar alto, o investimento torna-se ainda maior para a Eletronuclear.
Segurança nacional
O setor de energia é visto como uma questão estratégica de governo e, no caso da geração nuclear, o tema ganha importância de segurança nacional. Por este motivo, há resistência por parte de setores da sociedade quando se fala em parceiros privados para concluir as obras de Angra 3.
Por outro lado, o mercado vê com preocupação a falta de capacidade de investimentos por parte da Eletrobras, que não tem fôlego para fazer os aportes mínimos necessários para suas operações.
“Os problemas de corrupção envolvendo a Eletronuclear atrapalham o desempenho da Eletrobras. O investidor pesa os custos com investigações, obras paradas. Se a empresa seguir como estatal, o preço da companhia continuará descontado”, afirma Paloma Brum, economista da Toro Investimentos.
Após a aprovação do novo marco do saneamento básico no Senado, na noite da quarta-feira, 24, as ações da Eletrobras surfaram na onda de otimismo do mercado acerca do pacote de privatizações da gestão de Paulo Guedes, ministro da Economia. Nesta quinta, os papéis da estatal fecharam em alta de 3,87% (ON) na bolsa brasileira, a B3.
Para Brum, o projeto de privatização da Eletrobras não deve enfrentar grande resistência no atual governo, apenas a revisão de alguns pontos, que devem ser discutidos.
Ainda na semana passada, o plenário do Supremo Tribunal Federal finalizou julgamento de ações que questionavam a retomada das obras de Angra 3 e que corriam desde 2009. Na prática, o STF deu sinal verde para evitar qualquer problema para conclusão do projeto.
Apesar do otimismo que se espalha pelo mercado, o horizonte para a conclusão de Angra 3 continua nebuloso. “O governo não diz como vai tratar a questão da Eletronuclear em uma eventual privatização da Eletrobras e, enquanto isso, as obras continuam consumindo recursos vultosos”, diz Meira.