Cultivo é descomplicado e madeira pode ser cortada sem a necessidade de autorização, diz associação. Mogno africano se torna investimento de longo prazo para produtores brasileiros
Um cultivo que leva 20 anos. E tem agricultor investindo nele: é o mogno africano, que tem produções também no Brasil, nas savanas de Roraima e no cerrado de Minas Gerais.
O mogno africano é madeira nobre, parente do mogno brasileiro, que tem plantio e corte limitados pois está na lista de espécies ameaçadas. Atualmente, o corte da árvore natural do Brasil é permitido apenas por empresas com certificação e plano de manejo.
O plantio do mogno africano vem para suprir a demanda pela madeira valorizada, e tem vantagem por não sofrer as restrições de corte e ter boa produtividade.
Na plantação de Ricardo Tavares, em Minas Gerais, são 500 hectares de mogno africano. Ele é um dos pioneiros no plantio da árvore no Brasil e dedicou parte da área para uma coleção com 17 espécies, tentando demonstrar por que escolheu o mogno africano em relação ao cedro australiano, ao nim, ao ipê, ao jatobá, à teca e ao mogno brasileiro.
“Aqui está claramente demonstrado que o mogno africano teve um desenvolvimento muito maior que as outras espécies de madeira que plantamos aqui”, afirma Tavares.
A maior parte do plantio de mogno africano no Brasil tem hoje entre 5 e 10 anos. A árvore cresce até atingir cerca de 15 metros de altura e depois se desenvolve para os lados. Até atingir uma medida ideal para o corte: a árvore deve ter em torno de 1,5 metro de circunferência.
Na hora do manejo, é essencial definir o espaçamento entre as mudas, uma das primeiras decisões que o produtor precisa tomar na hora de implantar uma área florestal. É esse espaçamento que vai definir, no futuro, a idade do corte e o volume de madeira por hectare.
Segundo Tavares, um projeto como esse, que leva 20 anos para ser concluído, custa em torno de R$ 70 mil por hectare. Ele acredita que nessa plantação vai conseguir 400 metros cúbicos de tora por hectare — com o preço da tora a US$ 400, o rendimento seria em torno de US$ 160 mil dólares por hectare, o que dá atualmente cerca de R$ 800 mil.
Enquanto aguarda o retorno de longo prazo desse investimento, Tavares mantém outros cultivos, como uma plantação de café.
Investimento e manejo
Embora demorado, o cultivo do mogno africano é descomplicado e pode trazer alto rendimento. A madeira pode ser cortada sem a necessidade de autorização.
Apesar disso, o financiamento para o investimento inicial da floresta pode ser complicado, por não existirem linhas de crédito específicas nos bancos para esse cultivo.
“A hora que chega lá [no banco] e fala, ‘olha, minha cultura precisa de 18 anos de financiamento’, existe um susto”, explica Patrícia Fonseca, diretora da Associação Brasileira de Produtores de Mogno Africano. “A instituição financeira brasileira não está acostumada com isso e não gosta de correr risco”.
O plantio do mogno é considerado simples. Na fazenda Boa Esperança, em Minas Gerais, o cultivo foi feito sem irrigação, o que reduz os custos. “São R$ 6,5 mil por hectare a implantação. A estratégia é plantar 25 hectares ao ano de maneira perpétua. À medida que chega na época da colheita final, nós teríamos o fechamento desse ciclo e aí replanta 25 hectares”, explica o agrônomo Paulo Sabonge.
Um dos poucos problemas da plantação, em termos de praga, é a broca. Mas as árvores conseguem se proteger, expelindo uma resina que protege a madeira. De acordo com o agrônomo, o único controle acentuado que é necessário é o de formigas.
Plantação em Roraima
O primeiro cultivo de mogno africano em Roraima é dos irmãos Marcello e Eduardo Guimarães. Cariocas, eles vêm da área de tecnologia, mas decidiram investir no campo.
Eles têm uma área de 2 mil hectares na fazenda, somando 1,8 milhão de árvores. A área escolhida foi uma região mais árida da Amazônia, bem próxima à capital do estado, Boa Vista, chamada na região de lavrado.
“Nós estamos numa área de savana, que se assemelha muito ao cerrado do Planalto Central. Esses solos quimicamente são muito pobres, são solos com baixa fertilidade natural”, explica o agrônomo José Frutuoso do Vale Júnior, que é especialista em solos e acompanhou a implantação da floresta.
O solo da região teve de ser construído: primeiro com um consórcio de leguminosas e depois algumas espécies de capim, para aumentar a quantidade de matéria orgânica. Além disso, eles precisaram encontrar uma maneira de quebrar a dormência das sementes e por isso investiram em viveiros de mudas.
A espécie escolhida foi a Khaya Senegalensis, segundo Marcello Guimarães é que a melhor se adaptou à região. “ A condição aqui é muito diferente. Muito vento durante uma época muito grande, uma seca muito forte e, de repente, uma chuva, que é uma chuva de monções, parece que o mundo vai desabar”, diz. “Tem que se adaptar senão a planta não resiste”.
A fazenda dos irmãos trabalha com um parceiro, o paranaense Anderson Gibbert, que comprou terras em Roraima pelo baixo custo. O plantio é feita nas terras dele e isso gera créditos de reposição florestal, que podem ser vendidos a empresas da região que desmataram indevidamente e precisam de regularização junto a órgãos ambientais.
A venda dos créditos ajuda no início do plantio. O dono das terras fica com 20% dos rendimentos. “A gente recebe, logo após o plantio, na faixa de R$1,2 mil por hectare em crédito”, diz Gibbert.
Os cortes da maneira são previstos aos 6 anos, aos 9 anos e aos 12. A expectativa é que o corte final seja feito depois de 17 anos após a implantação.
A fazenda conta 27 funcionários trabalhando para fazer o semeio — 15 deles são venezuelanos. Com a crise do coronavírus, a atividade nos viveiros que preparam as mudas ficou parada por um mês, mas já recomeçou, com cuidados como distância e uso de máscara. Ninguém foi demitido no período.
Tecnologia para acompanhar e plantar
Para acompanhar o crescimento das árvores, os irmãos investiram num sistema de monitoramento via satélite, que permite a visualização em tablet ou smartphones.
Também foi desenvolvida uma máquina na fazenda para plantar 3,6 mil mudas por hora. A máquina retira as sementes do tubo e alinha a implantação no chão, informando o sistema com captura de localização de GPS. Isso permite ter um inventário de cada árvore para fazer planos de manejo e informar órgãos ambientais.
Até agora, já foram investidos R$ 12 milhões no projeto. O mogno que foi plantado em 2001, em uma área de 18 hectares, e extraído agora, é avaliado em R$ 2,6 mil por metro cúbico. Se deixar a madeira secar, o preço triplica.
O risco do fogo e o futuro da floresta
Na plantação de Roraima, o maior risco é o fogo, algumas vezes causado de maneira criminosa.
Para evitar o problema, os produtores testam a técnica de agrofloresta, que consiste em um consórcio das árvores de mogno com mandioca, banana e outras espécies produtivas. A agrofloresta demanda mais trabalho constante, então reduz os riscos de incêndio porque há pessoas com maior frequência na área.
A ideia também beneficia os animais que vivem mais afastados. A bióloga Eliza Costa estuda a fauna da região há dois anos e já percebeu as mudanças.
“Já encontramos pegadas de onça, encontramos tatu, tamanduá bandeira”, diz ela, reiterando que essa seria uma área de plantação mais baixa, mas que consegue ter mais vida por causa da agrofloresta.
Para os irmãos, a meta inicial, de plantar 40 mil hectares de mogno em 10 anos, está mudando. Eles agora querem mais diversidade: combinar o mogno com árvores da região como jatobá, ipê, figueira branca ou taperebá. O mogno cresce e passa pelos desbastes, enquanto que as árvores nativas seriam usadas para gerar renda com bioextratos, matérias que podem ser usadas em laboratórios e na indústria de remédios.
Dessa maneira, os produtores têm esperança de que o mogno africano possa ser usado para a preservação das árvores brasileiras, retirando um pouco da pressão hoje sobre a Amazônia.