Cantora celebra a mãe em 'Baile de máscara', disco de aura foliã, produzido por Kassin com regravações de músicas que versam sobre Carnaval. Capa do EP 'Baile de máscara', de Luana Carvalho Divulgação Resenha de EP Título: Baile de máscara Artista: Luana Carvalho Gravadora: Edição independente da artista / Altafonte Brasil (distribuição) Cotação: * * * ♪ “Neste mundo de incerteza e desamor total / Cada samba de tristeza é mais um Carnaval”, sentencia Luana Carvalho através dos versos de Meu escudo (1976), samba de Delcio Carvalho (1939 – 2013) e Noca da Portela que abre Baile de máscara, EP de aura foliã que será lançado por Luana Carvalho na quarta-feira, 10 de junho. Meu escudo é pérola escondida no baú da discografia referencial da mãe de Luana, Elizabeth Santos Leal de Carvalho (5 de maio de 1946 – 30 de abril de 2019), cantora carioca imortalizada como Beth Carvalho. Apresentado por Beth no LP Mundo melhor (1976), primeiro dos 12 álbuns lançados pela cantora na RCA de 1976 a 1987, na fase áurea da carreira fonográfica, Meu escudo é samba triste de beleza evidenciada por Luana no disco produzido e mixado por Alexandre Kassin no período de isolamento social, vivido pela artista na cidade de Salvador (BA). O dedilhado da harpa de Cristina Braga adorna a mais sedutora gravação do disco. Idealizadora do EP formatado remotamente com a colaboração do músico Vovô Bebê (violão, guitarra, coro e gravação de vozes), Luana Carvalho celebra a memória de Beth Carvalho em Baile de máscara ao mesmo tempo em que se escora na força do repertório da mãe e que se beneficia inevitavelmente da reverência unânime a uma cantora que fez história na música brasileira por ter se dedicado ao samba a partir dos anos 1970 – tendo inclusive renovado o gênero com o revolucionário álbum De pé no chão (1978) – e por ter tomado partido do povo brasileiro com a aguçada consciência social herdada do pai militante. Baile de máscara é EP que tenta promover Carnaval fora de época com regravações de seis músicas nada óbvias do repertório folião da mãe. Sambas que versam sobre o Carnaval sem que se configurem necessariamente como sambas de Carnaval, como sublinha Luana no texto que escreveu para apresentar o disco. É o caso de Visual (Neném e Pintado, 1978), samba do já citado álbum De pé no chão em que Beth deu voz à melancólica crítica sobre o peso do dinheiro no desfile das agremiações carnavalescas. Na recriação de Visual, Luana aciona a memória afetiva dos admiradores de Beth Carvalho ao inserir na faixa a voz da mãe, extraída da gravação original do samba de 1978. A faixa culmina com um recado fofo (“Te amo, vovó”) de Mia Sá Carvalho, a filha que Luana pôs no mundo em 2018 – 40 anos após o registro de Visual por Beth – e a quem dedica o EP. Samba do primeiro álbum de Beth, Andança (1969), gravado quando a cantora ainda não havia se convertido ao gênero, Carnaval (Carlos Elias e Nelson Lins de Barros, 1969) evolui bem na atmosfera cool do disco de Luana Carvalho, feito com músicos como Pretinho da Serrinha (percussões e cavaquinho), Luis Filipe de Lima (violão de sete cordas), Dedé Silva (bateria), Rodrigo Tavares (teclados), Marlon Sette (trombone) e Jorge Continentino (clarinete). Ainda que a voz de Luana Carvalho se ressinta da falta de emoção real, de centelha de brilho no canto cool, o EP Baile de máscara soa elegante e é valorizado pela ousadia da seleção e da abordagem do repertório. Falso reinado (Adilson Bispo e Zé Roberto, 1986), literal lado B do LP Beth (1986), se distancia da matriz pagodeira, bafejado pelo sopro do trombone de Marlon Sette, sobressalente no arranjo. Dia seguinte (Carlinhos Vergueiro e Jota Petrolino, 1980) – samba gravado pela mãe de Luana no álbum Beth Carvalho canta o samba de São Paulo (1993) – cai no suingue do samba-rock, reiterando que a animação de Baile de máscara reside mais na arquitetura instrumental do EP do que no canto de Luana Carvalho. Essa sensação é corroborada ao fim do disco com a abordagem de Minha festa (Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito, 1973), samba luminoso abordado pela mangueirense Beth nos álbuns Pérolas (1992) e Nome sagrado – Beth Carvalho canta Nelson Cavaquinho (2001), revivido por Luana Carvalho com o baticum sintético de Kassin em gravação que culmina modernosa pelo uso excessivo de programações e vocoder pelo produtor musical. Neste mundo de incerteza, o EP Baile de máscara se nutre das cinzas da vida cotidiana sem diluir a tristeza pela partida de Beth Carvalho, voz imortal de muitos Carnavais.