Capa do álbum 'Beleza mano', de Chico César Gal Oppido ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Beleza mano, Chico César, 1997 ♪ Havia grande e natural expectativa quando Chico César lançou em 1997 o terceiro álbum, Beleza mano. Residente na cidade de São Paulo (SP) desde meados dos anos 1980, o artista paraibano estava sob os holofotes da mídia, do público e dos próprios colegas. Era o efeito do boom de 1996, ano do consagrador álbum anterior Cuscuz Clã e das gravações de músicas do compositor por algumas das maiores cantoras do Brasil. Daniela Mercury, Elba Ramalho, Maria Bethânia e Zizi Possi foram intérpretes que, naquele ano de 1996, deram voz e vez prioritária ao cancioneiro desse cantor, compositor e músico singular que começara a ganhar projeção nacional no ano anterior com a edição do primeiro álbum, Aos vivos (1995). No repertório deste disco ao vivo gravado no formato minimalista de voz e violão, o artista apresentou Mama África, reggae pop que estourou nas rádios, referendando trajetória iniciada por Francisco César Gonçalves ainda na adolescência, com a entrada em bandas como Super Som Mirim e Ferradura, ambas em João Pessoa (PB), capital para onde artista migrou em 1980, vindo da interiorana cidade de Catolé do Rocha, onde Chico nascera em janeiro de 1964. Oficialmente em carreira solo desde 1991, ano em que registrou o aboio Béradêro no disco coletivo do festival no qual competira com essa composição, Chico César encarou espécie de prova do segundo disco ao lançar o álbum Beleza mano em julho de 1997, pela MZA Music, gravadora do produtor Marco Mazzola, que contratara o cantor no rastro da repercussão do álbum Aos vivos. Embora tenha sido o terceiro álbum do artista, Beleza mano pareceu ser o segundo disco, já que o real segundo álbum de Chico César, Cuscuz Clã (1996) soou como desdobramento do primeiro, inclusive por rebobinar Mama África e À primeira vista, os dois maiores hits do álbum de estreia Aos vivos. Produzido por Mazzola sob a direção musical dividida por Chico César com o próprio Mazzola, Beleza mano foi álbum que frustrou expectativas mercadológicas. Somente uma das 20 músicas do disco ficou famosa e foi justamente a única composição já previamente lançada em 1996, não por Chico, mas na voz de Maria Bethânia, intérprete original da canção Onde estará o meu amor. Com exceção dessa delicada canção, propagada 22 anos depois na trilha sonora da novela Amor de mãe (TV Globo, 2019 / 2020) no registro original de Bethânia, o repertório do álbum Beleza mano foi quase inteiramente inédito e autoral. A exceção foi Rapreciso, parceria inédita dos pioneiros rappers paulistanos Thaíde e DJ Hum amalgamada na formatação 18ª faixa do disco com Espinha dorsal do mim, heterodoxo rap autoral amplificado pelos toques da guitarra de Lulu Santos e pelo piano de Arrigo Barnabé. A participação dos rappers na faixa deu legitimidade à incursão de Chico pelas quebradas do hip hop. Com mais de uma hora de duração, o álbum Beleza mano encadeou na costura tropicalista várias linhas sonoras em bordado cheio de camadas que distanciou a música de Chico César do público ao mesmo tempo em que reforçou a assinatura de compositor, construtor de obra enraizada na África e expandida pelo Nordeste, com ramificações pela Jamaica. Se Reprocissão seguiu a Procissão (Gilberto Gil e Edy Star, 1965) da MPB dos anos 1960 com o coro da mineira Família Alcântara, mas em rota que abrangeu o questionamento da religiosidade, Neném pediu benção à mama África com o reforço vocal de Lokua Kanza. A mesma África banhou Duas margens, morna – ritmo de Cabo Verde popularizado em escala mundial naquele anos 1990 na voz da cantora africana Cesaria Evora (1941 – 2011) – composta pelo artista em parceria com Lúcio Lins. Em disco pautado por excessos como as faixas Sinal e Solidariedade, músicas menos imponentes na farta safra de Beleza mano, Chico César voltou à praia do reggae com Se você viajar – com direito à citação de Onde você mora (Nando Reis e Marisa Monte, 1994), hit então recente da banda fluminense Cidade Negra – e com Perto demais de Deus, crítica afiada ao fanatismo religioso sintetiza nos versos lapidares do refrão “Essa gente é o diabo / E faz da vida de Deus um inferno”. Em levada similar, o artista fez soar Sanfoninha, balada que caiu na cadência do xote ao ouvir o chamado do toque terno da sanfona de Dominguinhos (1941 – 2013). Paraíba meu amor também fluiu bem no balanço do xote, com o reforço da voz e da sanfona do cantor Flávio José. Posto nas lojas com faixa-bônus interativa (moda nos primórdios da internet), e com o marketing da MZA Music voltado para a canção Estranho, o álbum Beleza mano reproduziu no título gíria que, no dicionário da juventude paulistana dos anos 1990, significava “tudo certo”, mas a humanista música que deu nome ao disco era samba de cadência baiana. Como sinalizou a faixa-vinheta Chaga na abertura do disco, Chico César pareceu mais interessado em investigar a linguagem da canção tropicalista (levemente desconstruída em Papo cabeça) do que em repetir a fórmula do sucesso dos dois discos anteriores. A paisagem árida evocada na canção Feixe pelo toque do violão de nylon (do próprio Chico) e pela cítara de Alberto Narcicano situou o artista em território nordestino em geografia estendida para o mar caribenho no aliciante Carinho do carimbó. Já Parentes fez trocadilho com Parintins no corte incisivo das guitarras do grupo Mestre Ambrósio, convidado dessa faixa cheia de suingue. Encerrado com As últimas palavras do diluidor, o álbum Beleza mano diluiu o culto das cantoras a Chico César – com a ressalva de que Elba Ramalho e sobretudo Maria Bethânia seguiram fiéis ao compositor ao longo desses vinte e poucos anos, em mais uma prova da força inalienável das personalidades das duas intérpretes – e, de certa forma, a dissolução dessa aura de hitmaker fez bem ao artista, que desenvolveria a obra autoral em vigorosos álbuns posteriores como Mama múndi (1999), Respeitem meus cabelos, brancos (2002), Francisco, forró y frevo (2008) e Estado de poesia (2015). “Eu bem que avisei / Sou estranho / Não chegue tão perto assim / Vai por mim…”, advertiu o compositor em versos de Estranho, a canção que, mais para o bem do que para o mal do cantor, não virou hit no repertório alicerçado por Chico César em bases sólidas que sedimentariam o nome do artista na música brasileira. Sim, ao não corresponder às expectativas do mercado com Beleza mano, Chico César passou paradoxalmente na prova do segundo, aliás, do terceiro disco. Até porque, com o decorrer do tempo, ficou tudo beleza, mano.