Instabilidade política, incerteza de quando venceremos a pandemia e efeitos com comércio global estão entre as preocupações dos especialistas. Projeções apontam queda livre no PIB para 2º trimestre, analisa Miriam Leitão
O Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro caiu 1,5% no primeiro trimestre de 2020, como informou nesta sexta-feira (29) o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esperada pelos economistas, a primeira retração da economia brasileira após quatro trimestres de expansão dá mostras do efeito da pandemia do novo coronavírus na atividade.
Com pandemia, PIB do Brasil encolhe 1,5% no 1º trimestre e regride ao patamar de 2012
Pandemia do coronavírus derrubou PIB do 1º trimestre; veja atividades mais afetadas em cada setor
Após despencar no biênio 2015 e 2016, a economia brasileira nunca superou com folga o crescimento no patamar de 1%. Em 2019, foi de 1,1%.
A expectativa dos economistas é de que a queda este ano da ordem de 6%. Com a divulgação do PIB do primeiro trimestre deste ano, as contas serão refeitas.
O G1 consultou economistas para comentar os números. Veja abaixo a opinião de cada um deles.
Felipe Salto, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI)
Os números do PIB são piores que as projeção para o trimestre da Instituição Fiscal Independente, que esperava um resultado negativo de 1%. Para as contas públicas, os efeitos de um desempenho tão negativo devem comprometer ainda mais o déficit fiscal e acentuar a dinâmica da dívida pública, que já era preocupante.
"Em geral, o resultado do PIB do primeiro trimestre acende o sinal de alerta para o ano e indica que a recessão poderá ser mais profunda, já que o ponto de partida está aquém do esperado", diz o economista.
"O auxílio emergencial poderá compensar parte do movimento, mas preocupa a redução do consumo das famílias pelo lado da demanda", afirma. "Só o agronegócio apresentou crescimento pelo lado da oferta. O setor deve amenizar o quadro muito negativo, em razão da ligação direta com as atividades essenciais."
PIB encolhe 1,5% com pandemia e economia regride ao patamar de 2012
Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central e sócio da Tendências Consultoria
Os resultados vieram na expectativa da Tendências Consultoria, pelo impacto que o país teve no consumo e a crise de oferta puxada pela queda de renda da população. Para Loyola, uma série de fatores dão conta de que o curso do PIB, mesmo antes da chegada da pandemia ao Brasil, não seria de alta muito forte.
Foram três anos de crescimento modesto, com PIB superando por pouco a casa de 1%, que não haviam recuperado as perdas da recessão de 2015 e 2016.
"São várias razões para isso, mas uma das principais é a elevada incerteza política no período", diz o economista. "Houve crises no governo Temer, eleições e uma série de choques políticos no novo governo que vinham atrapalhando o desempenho da economia, em especial nos investimentos."
Loyola aponta ainda que o biênio de crise no governo Dilma Rousseff deixou muito alto o endividamento de famílias e empresas, dificultando uma retomada. Por fim, a clássica falta de produtividade da economia brasileira coroava a lentidão da recuperação.
Os novos números do PIB são o primeiro indício de que toda essa situação voltará a patamares preocupantes. Como ponto de atenção, o economista cita um agravamento da situação pela saída errada das políticas de isolamento social.
"O combate à Covid-19 no Brasil tem sido caótico, com o presidente puxando para o lado e os governadores para outro", afirma. "Uma reabertura enquanto a pandemia está em crescimento – com comércio meio aberto, meio fechado, e as pessoas com medo de ir à rua – cria uma crise enorme de confiança."
"Infelizmente, essa crise veio de elevador e vai embora de escada."
Juliana Inhasz, professora do Insper
Para a economista, chama a atenção que em curto espaço de tempo, com poucos dias de pandemia contabilizados no trimestre, a pandemia tenha causado queda de 1,5% no PIB. Mas lembra que não é só de prejuízo direto que se faz uma crise.
"Apesar de a pandemia ter chegado ao Brasil no fim de março, pesa bastante nos resultados o efeito do coronavírus nos parceiros comerciais ao longo dos três meses", diz. "Há impacto da redução de vendas para fora e conexão disso com a cadeia industrial."
Outros aspectos, para a economista, mostram que o período não vinha bem, independentemente do vírus. O consumo das famílias no primeiro trimestre é tradicionalmente prejudicado pelo pagamento de contas de início de ano. E a queda de renda veio justamente quando os boletos terminaram.
Ainda de acordo com Inhasz, o agronegócio, apesar de conseguir resultado positivo, foi bastante beneficiado pelo câmbio – e o consequente aumento de competitividade nos mercados internacionais.
"Houve benefício da safra, mas a China abriu espaço para mercados emergentes, o que deixa em dúvida o ganho real e prolongado do setor", afirma.
Pelo lado de Investimentos, outra surpresa no resultado desta sexta-feira (29), a economista lembra que a base de comparação é muito baixa há anos, e um aporte de 15% do PIB continua sendo insuficiente para desenvolvimento da economia local. "Para piorar, a tendência deve ser rapidamente revertida com o agravamento da crise", diz.
PIB dos 37 países integrantes da OCDE encolhe 1,8% no primeiro trimestre
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados
As projeções vieram dentro do imaginado pela consultoria, com agronegócio indo bem. E os números dão algum indicativo dos setores que absorvem o maior impacto neste ano. Destaque negativo, por enquanto, para Outros Serviços, que abarca Turismo, Hotelaria e mais setores muito prejudicados pelo distanciamento social.
"Foi bem dentro do que esperávamos, com uma leve surpresa para Investimentos, que garantiu números positivos pelo reforço na indústria de petróleo e gás", diz o economista. "Era um setor que vinha bem, mas em um movimento pré-crise. Junto com a alta do setor Imobiliário, são áreas que dão mostras do que o ano poderia ter sido sem esse choque"
O setor Automotivo era mais um que mostrava reação, mas entrará nos resultados muito negativos do setor industrial neste ano, de acordo com Vale. "Quem deve segurar o ano é a demanda da China por grãos, dando vigor à balança comercial", afirma.
Nas previsões da MB Associados, o PIB brasileiro fecha em queda de 7,8% em 2020. O segundo semestre, que deve ser o mais grave do ano, cai 19% em relação ao primeiro.
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