Demora na análise do benefício, barreiras documentais, cadastrais e negativas para realizar o saque são alguns dos obstáculos vividos pelo imigrantes em São Paulo. Imigrantes que vivem em São Paulo estão enfrentando dificuldades para acessar e sacar o Auxílio Emergencial do governo federal. Esses obstáculos vão desde a demora na análise do benefício, barreiras documentais, cadastrais e negativas para realizar o saque até para quem já foi aprovado e está com o Cadastro de Pessoa Física (CPF) em dia. Sou estrangeiro e moro no Brasil. Posso receber o auxílio emergencial? Em meio a essa jornada, muitos acabam expostos ao contágio de Covid-19, devido à grande espera nas filas das agências bancárias, enquanto outros passam por falta de acesso a itens básicos, dificuldades para pagar aluguel, entre outros. A paraguaia Maria Gilda Ferreira, de 46 anos, ficou impedida de sacar o auxílio mesmo sendo aprovada Arquivo Pessoal A paraguaia Maria Gilda Ferreira, de 46 anos, por exemplo, é uma das imigrantes que teve dificuldades para sacar o auxílio em uma agência da Caixa Econômica Federal (CEF). Ela ficou sem trabalho no dia 20 de março, quando foi mandada embora de uma confecção no centro de São Paulo onde trabalhava colando tecidos. “Eu estava sem registro em carteira. Então fiquei desesperada, porque tinha que mandar dinheiro para o meu filho de 8 anos, que está no Paraguai, e pagar o meu aluguel”. Gilda conseguiu fazer o cadastro no aplicativo Auxílio Emergencial da Caixa no dia 16 de abril, depois de ter emitido o seu CPF e, após 5 dias, já foi aprovada. Mas para conseguir sacar o benefício passou por momentos de aflição. O benefício foi depositado na sua conta digital da Caixa no dia 4 de maio, mas Gilda não conseguia gerar o código para sacar. “Me disseram que uma agência lá no Bom Retiro estava ajudando. Então acordei cedo, fui até lá, fiquei das 7 da manhã até o meio-dia na fila. Fiquei horas no sol e passei mal, porque tenho pressão alta. Tudo isso para me dizerem que eu não podia sacar, porque eu estava sem o meu RNE [Registro Nacional de Estrangeiros]”, conta. “Saí da Caixa sem saber o que fazer, porque eu não consegui fazer o RNE, já que a Polícia Federal está fechada. Passei noites sem dormir, fiquei muito abalada”. Para conseguir o auxílio, Gilda teve que transferir o dinheiro para a conta de uma pessoa da sua confiança para, só assim, conseguir ter o dinheiro em mãos. Agora, com o depósito da primeira parcela, ela se diz mais aliviada por ter enviado parte do dinheiro para o seu filho e outra para pagar o aluguel da casa onde mora com uma amiga. “Só não está 100% porque meu filho está longe de mim. Eu iria trazê-lo no feriado da Semana Santa, mas, com a quarentena, não deu tempo, porque a fronteira fechou”. A assistente social do Centro de Direitos Humanos e Cidadania (CDIHC), Raquel Jevarauskas, comenta que a dificuldade que Gilda teve para sacar o auxílio tem se repetido todos dias. “A diferença é que nem todos têm uma pessoa de confiança aqui no Brasil como a Gilda para poder transferir o dinheiro do auxílio”, diz a assistente social que acompanhou todo o processo da paraguaia. Refugiados mudam a rotina na pandemia do coronavírus Demora na análise Já a boliviana Lúcia*, de 30 anos, aguarda por uma resposta a sua solicitação do auxílio emergencial há mais de 3 semanas. Ela chegou ao Brasil no segundo semestre de 2019, com suas três filhas: uma de 11 anos, outra de 5 e uma bebê de 1 ano. Bolivianos em SP têm dificuldade para conseguir auxílio emergencial do governo “No nosso país, os trabalhadores que não têm estudo não conseguem ter estabilidade econômica. Viemos para cá com a intenção de ter algum progresso”, conta. Quando chegou aqui, Lúcia também trabalhou em uma confecção no centro de São Paulo, mas desde janeiro está sem trabalho e vivendo de doações. “Estou dividindo o pouco dinheiro que ganhei desde que cheguei aqui em pequenas quantidades para cada dia. Há dias em que faltam fraldas para o meu bebê e comida para alimentar minhas filhas”, diz Lúcia. O auxílio emergencial dela ainda está em análise. “Esse benefício será de muita ajuda para minha família. Faz tempo que me inscrevi e até hoje não tenho uma resposta”. Ela e suas filhas conseguiram emitir seus CPFs antes de solicitar o auxílio, com a ajuda do projeto Canicas, uma associação que trabalha no atendimento de crianças imigrantes em bairros periféricos de São Paulo, como Brasilândia e Parque Peruche, com o foco em prevenir o trabalho infantil na indústria têxtil. É por meio desse projeto também que Lúcia e suas filhas têm recebido doações. O coordenador do Canicas, Fabio Ando Filho, conta que nos bairros mais periféricos há muita presença de mães imigrantes monoparentais que não sabem a quais órgãos solicitar ajuda neste momento. “São bairros sem a presença de mobilização social. Então elas enfrentam muita solidão, até por não terem parentes próximos”, diz. Reunião do Canicas em outubro de 2019, projeto que tem auxiliado Lucia a obter o auxílio e doado alimentos para sua família Divulgação/@projetocanicas Barreiras cadastrais Já o bengalês Khairul Islam, diretor do departamento jurídico da ONG África do Coração, tem dado suporte à comunidade de Bangladesh que vive no Brasil a acessar o benefício e a sobreviver durante à pandemia. Ele também atende imigrantes de diversas nacionalidades, como venezuelanos, cubanos e paquistaneses. Khairul conta que as dificuldades para acessar o auxílio emergencial são inúmeras, mas uma das queixas mais recorrentes nas últimas semanas têm sido os retornos da Caixa afirmando inconsistência nos dados cadastrais dos imigrantes. “A resposta que muitos recebem é que o nome da mãe foi informado errado. Mas, em muitos casos, estamos falando de pessoas que estão há 5,6 anos no Brasil, que declaram imposto de renda, que têm cartão de crédito e que fizeram cadastro para receber o auxílio com o mesmo CPF que abriram conta no banco e que declararam imposto de renda. Como que só agora dá inconsistência com os dados da Receita Federal? Não era para eles saberem disso antes?”, diz Khairul. Erro nos dados cadastrais tem sido comum entre a população imigrante que Khairul atende Arquivo Pessoal Além disso, o diretor da África do Coração conta que os imigrantes têm passado por outras dificuldades, como a falta de acesso à internet para se cadastrar no auxílio ou – no caso das crianças – para terem aulas online na rede pública; dificuldades para acessar a rede pública de saúde; falta de alimentos e produtos de higiene; depressão e preocupação para pagar o aluguel. “Das pessoas que atendi, 80% sofreram ameaça de despejo por falta de pagamento do aluguel”, diz Khairul. Documentos Segundo o Ministério da Cidadania, os estrangeiros também têm direito ao auxílio, desde que cumpram os mesmos requisitos exigidos aos brasileiros e possuam CPF. Saiba tudo sobre o Auxílio Emergencial Quem tem direito e como funciona? Saiba como regularizar o CPF Raquel, do Centro de Direitos Humanos e Cidadania, conta que muitas agências da Caixa não estão aceitando somente o CPF do imigrante para sacar o auxílio e exigindo os documentos migratórios para quem já foi aprovado, como a Carteira de Registro Nacional Migratório (CRNM), protocolo de refúgio e o Documento Provisório de Registro Nacional Migratório (DP-RNM). Em outros casos, segundo ela, o migrante leva esses documentos até a agência, mas não é autorizado a sacar por eles estarem fora do prazo de validade. Ou até mesmo levam a cédula de identidade de seu país e passaporte como documentos de verificação que também acabam não sendo aceitos por terem expirado. O defensor público federal João Chaves conta, por sua vez, que há casos de pessoas que chegam em uma agência e o funcionário não sabe dizer qual documento solicitar ao imigrante. Sobre este tema, a Caixa disse ao G1 "que os documentos oficiais de imigrantes, mesmo que fora do prazo de validade, estão sendo aceitos em razão de decisão judicial da 3ª Vara Federal do Rio de Janeiro. A orientação foi estendida em nível nacional". Regularização Raquel, do CDIHC, explica que os documentos migratórios precisam ser regularizados pela Polícia Federal, mas que o órgão suspendeu os atendimentos e a entrega dos documentos até o final do estado de emergência de saúde pública. Além disso, a PF informa em sua página oficial que prorrogou todos os prazos de vencimento de protocolos, carteiras e “outros documentos relativos às atividades de Regularização Migratória”. “Ainda que a PF estivesse aberta, a regularização dos documentos migratórios tem demorado em torno de 6 meses. Até lá, o auxílio emergencial já acabou”, diz Raquel. “Porém, o mais importante disso tudo é que a lei de migração [lei 13.445 de 2017, artigos 3 e 4] garante que os imigrantes acessem os mesmos benefícios e programas sociais do governo, independentemente de estarem indocumentados [sem os documentos migratórios]”, afirma a assistente social. Ação Civil Pública Para tentar garantir o acesso e o saque do auxílio pelos imigrantes, a Defensoria Pública da União (DPU) ajuizou uma ação civil pública contra a Caixa e o Banco Central (BC) na 9ª Vara Cível Federal de São Paulo no último dia 4 de maio. Para a Caixa, a ação solicita que o migrante possa ter acesso ao benefício, “independentemente de sua regularidade migratória” desde que apresente apenas um dos documentos: CRNM, DP-RNM e identidade de estrangeiro expedido pela PF, "ainda que com prazo de validade expirado”. Ou ainda que possa apresentar passaporte, cédula de identidade do país de origem ou documentos de identidade brasileiros (carteira de identidade, passaporte, Carteira Nacional de Habilitação, carteiras de identificação profissional ou Carteira de Trabalho e Previdência Social). Já ao BC, a ação solicita que a instituição oriente os bancos a fazer o pagamento dos benefícios desde que o migrante possa apresentar apenas um dos documentos citados acima. A Caixa e BC informaram que ainda não foram notificados sobre a ação proposta pela DPU em São Paulo. O BC disse ainda que, no dia 8 de maio, a autoridade monetária atualizou a Cartilha de Informações Financeiras para Migrantes e Refugiados, onde há orientações para migrantes e refugiados sobre abertura de contas em bancos brasileiros. A reportagem também procurou a 9ª Vara Cível Federal de São Paulo para saber o andamento da ação, porém até a última atualização desta reportagem não obteve retorno. Projetos de lei para imigrantes Sobre o tema da imigração, tramita no Senado Federal o projeto de lei 2425/2020 da senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) que altera a Lei Orgânica da Assistência Social (Loas – Lei 8.742, de 1993) para assegurar o acesso do imigrante ao auxílio emergencial, "sem discriminação por nacionalidade ou condição migratória, de forma desburocratizada para facilitar o acesso à assistência social de forma ágil". Além disso, a deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS) apresentou na Câmara dos Deputados, em meados de maio, o PL 2699/2020 que “institui medidas emergenciais de regularização migratória no contexto da pandemia de Covid-19”. *Nome fictício, pois a entrevistada preferiu não se identificar Instituições que ajudam imigrantes e refugiados no RS têm falta até de cestas básicas Initial plugin text