Boletim diz que aumentos salariais desapareceram em abril. Em meio à pandemia da Covid-19, com programas que permitem a redução de salário e de jornada e a suspensão de contratos, "os aumentos salariais desapareceram" em abril, aponta o Boletim Salariômetro, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).
Em apenas 3,1% das negociações coletivas do mês houve reajuste igual ou maior do que inflação acumulada nos 12 meses anteriores, calculada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). O reajuste mediano de abril foi de -25%, para um INPC acumulado de 3,3%. Ou seja, o reajuste mediano real no mês foi de -28,3%. Em março, a mediana havia apontado que não houve reajuste real.
"De fato, os números mostram que as negociações estão reduzindo salários de forma bastante representativa. Mas não podemos esquecer que uma boa parte desses trabalhadores tem alguma recomposição de renda, e isso não aparece na negociação", diz Hélio Zylberstajn, professor da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (FEA-SUP) e coordenador do Projeto Salariômetro.
MP permite corte de salários e corte na jornada por empresas em crise
Cálculos de Zylberstajn mostram que trabalhadores que ganham um salário mínimo (hoje em R$ 1.045) conseguem uma renda 2%, 4% ou 6% maior do que o montante líquido anterior se as reduções de jornada/remuneração forem, respectivamente, de 25%, 50% e 70%. Isso é possível porque, antes da redução, o desconto da contribuição ao INSS incidia sobre todo o salário, mas agora é aplicado apenas na parte remanescente, enquanto o benefício complementar aportado pelo governo é livre de qualquer dedução, explica o professor.
Também no caso de um trabalhador que ganhe um salário mínimo e que tenha seu contrato temporariamente suspenso haveria ganho sobre a renda líquida anterior. Esse trabalhador perde 100% da renda (R$ 1.045 bruto, R$ 966,63 líquido), enquanto o governo entra com o equivalente ao seguro-desemprego, também no valor de um salário mínimo, mas sem o desconto de 7,5% do INSS. Assim, independentemente do porte da empresa, esse trabalhador teria um aumento de 8% na renda líquida pós-suspensão.
Além da recomposição oficial, prevista nas medidas provisórias do governo, cláusulas relativas a "ajuda compensatória mensal" por parte das próprias empresas registraram participação de 59,4% nas negociações coletivas analisadas pelo boletim desde março e até 19 de maio. Citações a redução de salário/jornada tiveram presença em 74%, enquanto a suspensão de contratos esteve em 65%.
Zylberstajn destaca ainda que, após um primeiro momento em que cláusulas trabalhistas relacionadas à Covid-19 se concentraram em setores de comércio e serviços, agora os mecanismos chegam à indústria.
Em março e até 17 de abril, apenas 4,7% das negociações da indústria metalúrgica apresentaram itens relacionados ao assunto, enquanto esse número foi de 22% para bares, restaurantes, hotéis e afins. Até 19 de maio, porém, as cláusulas de covid-19 na indústria metalúrgica somam 16%, enquanto nesses setores de serviços recuaram para 12%. "Esses primeiros setores pararam rápido e as empresas fizeram os ajustes imediatamente. A indústria não parou, mas sentiu depois o choque de muitos trabalhadores que reduziram o consumo", diz o economista.