Levantamento coletou e analisou mais de 50 milhões de mensagens no Twitter e 81,3 mil em grupos de WhatsApp entre 10 de março e 16 de abril. Textos e menções ao isolamento social e às medidas de quarentena também foram analisados. Bolsonaro durante pronunciamento do dia 24 de março; estudo da FGV analisa impactos dos discursos do presidente no compartilhamento de mensagens nas redes sociais Reprodução Os pronunciamentos oficiais do presidente Jair Bolsonaro geraram picos de compartilhamento em março e em abril de mensagens sobre o uso da cloroquina no combate ao coronavírus e de textos com ataques a governadores e às medidas que eles estão tomando durante a pandemia. É o que aponta um estudo da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (DAPP-FGV), divulgado com exclusividade pelo G1. O levantamento analisou mais de 51,3 milhões de mensagens no Twitter e 81,3 mil mensagens de 180 grupos de WhatsApp durante os dias 10 de março e 16 de abril. Neste período, o presidente fez quatro pronunciamentos oficiais: em 12 de março, em 24 de março, em 31 de março e em 8 de abril. Além das mensagens sobre o remédio usado de forma experimental no tratamento da Covid-19 e da pressão do governo federal sobre os governadores, também foram analisados textos sobre o isolamento social e suas consequências econômicas. Os três temas foram recorrentes nos discursos feitos pelo presidente em março e abril. Total de menções aos três temas analisados pela FGV DAPP durante 10 de março e 16 de abril FGV DAPP O estudo aponta que a capacidade de Bolsonaro de pautar as mensagens compartilhadas nas redes sociais foi maior nos temas da cloroquina e dos governadores do que no do isolamento. Os impactos também foram mais sentidos no WhatsApp que no Twitter. No Twitter, o debate sobre o isolamento social foi muito maior do que as menções aos outros dois assuntos. Mas, segundo o estudo, isso está relacionado à maior amplitude do tema, que envolve desde apontamentos sobre as consequências econômicas do isolamento social até relatos banais sobre a rotina em quarentena. Evolução de temas e pronunciamentos de Jair Bolsonaro no Twitter FGV DAPP Já no WhatsApp, as críticas aos governadores foram predominantes, o que sugere, segundo o estudo, que os grupos públicos sobre política no aplicativo foram mais sensíveis à pauta defendida por Bolsonaro nos pronunciamentos. Evolução de temas e pronunciamentos de Jair Bolsonaro no WhatsApp FGV DAPP Durante este período, a equipe do Fato ou Fake desmentiu diversas mensagens sobre os três temas. Este trabalho segue sendo realizado. É possível ver todas as checagens dos boatos que circulam sobre o coronavírus na página. Veja abaixo as conclusões do estudo sobre cada um dos temas analisados. Mensagens sobre atuação dos governadores O estudo aponta que os pronunciamentos de Bolsonaro influenciaram o debate sobre os governadores. No Twitter, as menções ao tema somaram 1,4 milhão de mensagens em 25 e 26 de março, dois dias após o pronunciamento do dia 24. Nele, o presidente pediu o fim das medidas de confinamento em massa. Nesse mesmo dia, a quarentena começou a valer no estado de São Paulo, sob determinação do governador, João Dória (PSDB). Esse número também está relacionado à repercussão da reunião entre os governadores e o presidente, realizada no dia 25. Houve menções à discussão entre o presidente e Doria, bem como a declarações do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC). Também no dia 25, o presidente voltou a atacar os governadores, afirmando que o que "alguns poucos governadores e alguns poucos prefeitos" estavam fazendo "é um crime". Um dia após pronunciamento oficial do dia 24 de março, o presidente volta a criticar o isolamento social e os governadores No WhatsApp, esse período entre os pronunciamentos dos dias 24 e 31 de março também ficou marcado por acusações de que governadores estavam se envolvendo com a China e que políticos estavam tramando um golpe contra o presidente. O estudo aponta que os conteúdos compartilhados no período fortaleceram a narrativa de que havia uma conspiração global em curso, no qual os governadores estavam inseridos. Segundo a FGV, os governadores mais atacados e citados foram Doria, Witzel e os governadores de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), e da Bahia, Rui Costa (PT). Todos adotaram medidas rígidas de fechamento de comércio e isolamento social. No caso do estado de São Paulo, circularam tanto histórias atacando diretamente Doria, quanto projetos e políticas públicas do governo estadual. Uma mensagem falsa checada pelo Fato ou Fake no dia 6 de abril, por exemplo, utilizou uma foto antiga de filas em uma unidade do restaurante popular Bom Prato para atacar o governador. O texto dizia que "Doria fechou os restaurantes para evitar aglomerações e ampliou o atendimento do Bom Prato, um restaurante estatal", e que o resultado foi que o Bom Prato ficou com filas. Foto antiga de fila em unidade do Bom Prato foi utilizada para atacar o governo de João Doria em São Paulo G1 Outros governos também foram vítimas de boatos. Uma mensagem afirmava que o governo do Pará utilizou detentos para monitorar se as pessoas estavam cumprindo o distanciamento social nos pontos de ônibus de Belém. Isso, porém, não é verdade. Os presos apenas fizeram a marcação, com tinta, no chão dos pontos de ônibus, sob monitoramento de agentes públicos. Outra mensagem checada pelo Fato ou Fake utilizou uma foto de uma briga entre idosos durante um jogo de damas para dizer que um dos agredidos era Ronaldo Caiado, e que ele estava recebendo "o carinho da população". É #FAKE que fotos mostrem população agredindo Ronaldo Caiado G1 Já depois do pronunciamento do dia 31, segundo a FGV, o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, passou a ser associado à suposta estratégia política de governadores como Doria e Caiado para desestabilizar o presidente. Antes disso, o estudo aponta que, no Twitter, houve ainda picos na sequência dos protestos pró-governo de 15 de março, época em que os governadores começaram a decretar medidas para evitar aglomerações, e em 22 de março, um dia depois de Bolsonaro criticar a atuação dos governos estaduais e de chamar Doria de "lunático" em uma entrevista. Assim, o estudo aponta que os pronunciamentos motivaram picos de menções aos governadores, mas dividiram protagonismos com outros momentos e fatos políticos que também geraram aumento no debate sobre o tema. Mensagens sobre remédio experimental No Twitter, o debate sobre a cloroquina teve o maior pico do período analisado no pronunciamento de Bolsonaro do dia 8 de abril, com quase 770 mil tuítes. Neste discurso, o presidente defendeu o uso do medicamento no tratamento da Covid-19. Mas o estudo destaca que o segundo maior pico sobre o assunto aconteceu um dia antes do pronunciamento do dia 31 de março, quando o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL) compartilhou uma mensagem sobre o assunto e o presidente afirmou nas suas redes sociais que usaria as Forças Armadas para produzir o medicamento no país. Ele voltou a repetir essa informação no discurso do dia 31. Já no WhatsApp, entre os pronunciamentos dos dias 24 e 31 de março, passaram a circular muitas mensagens falando da suposta cura trazida pelo remédio e que Bolsonaro estava certo em recomendar a utilização da cloroquina. Após o pronunciamento do dia 31, as menções se voltaram ao ex-ministro Mandetta, que passou a ser alvo de ataques. As afirmações são de que ele não era a favor do isolamento vertical nem do tratamento por meio da cloroquina. As mensagens com supostos relatos de cura e de comprovação científica do uso do medicamento persistiram. Também circularam mensagens falando que o remédio já estava sendo amplamente utilizado em outros países. Um desses textos, que era falso, afirmava que a FDA (Food and Drug Administration, órgão federal norte-americano que regula a liberação de remédios) autorizou o uso da cloroquina em todos os pacientes que desenvolveram a doença. O documento da FDA, porém, deixava claro que o medicamento só pode ser ministrado em ambiente hospitalar e em parte dos casos. Essa informação foi desmentida pelo Fato ou Fake. Mensagem falsa sobre a cloroquina afirma que a FDA liberou o uso do medicamento para todos G1 Mensagens sobre isolamento social No Twitter, as menções ao isolamento social se mostraram menos relacionadas aos pronunciamentos de Jair Bolsonaro. O pico foi no dia 22 de março, com 2,4 milhões de tuítes. Os pronunciamentos de 24 e 31 de março geraram um leve aumento no debate sobre o assunto, mas o discurso do dia 8 de abril não gerou aumento significativo nas menções ao tema. No WhatsApp, houve um pico após o pronunciamento do dia 24 de março, em que o presidente pediu o fim das medidas de confinamento. As mensagens falavam que as medidas de isolamento social adotadas em alguns estados eram uma estratégia para destruir a economia e derrubar o presidente. Segundo o estudo, elas defendiam o isolamento vertical para evitar o desemprego em massa. Também circularam mensagens falando de países que não adotaram o isolamento e que, mesmo assim, estavam conseguindo combater a pandemia. Uma dessas mensagens, checada pelo Fato ou Fake, citava que Israel era um desses casos, o que não é verdade. Também surgiram correntes e textos afirmando que as medidas de isolamento adotadas estavam causando saques a supermercados. Em um caso, também checado pelo Fato ou Fake, um vídeo de 2017 de Honduras foi utilizado para falar que estes saques estavam acontecendo em Pernambuco. É #FAKE que vídeo mostre saque a supermercado no Brasil por causa de restrições ao coronavírus G1 Já a partir de 8 de abril, dia de pronunciamento em que o presidente criticou os governadores e as medidas de isolamento social, mensagens de apoio a uma intervenção militar com Bolsonaro à frente ganharam circulação expressiva de acordo com o levantamento, alegando que o confinamento era parte de um plano de dominação comunista.