Texto aumenta quase quatro vezes tamanho de áreas que poderão ser legalizadas por autodeclaração. Ambientalistas falam em estímulo à grilagem; ruralistas, em avanço no setor. Divergências entre deputados ambientalistas e ruralistas podem barrar a votação na Câmara da medida provisória 910/2019 sobre regularização fundiária, que amplia a área legalizada por autodeclaração em ocupações de terras da União.
A avaliação é de líderes ouvidos pelo G1. Se o texto não for votado até 19 de maio, perderá a validade. A MP foi enviada em dezembro de 2019 pelo presidente Jair Bolsonaro – uma medida provisória entra em vigência desde a publicação no "Diário Oficial da União", mas perde a validade se não for votada em 120 dias pelo Congresso.
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Nesta quinta-feira (7), o presidente Jair Bolsonaro defendeu a votação da proposta. "A MP da regularização fundiária está na iminência de caducar, de perder sua validade. A gente espera que a Câmara dos Deputados vote esta medida porque afinal de contas ela leva paz ao campo, dá um titulo de propriedade aos que não têm e faz com que cada propriedade do Brasil tenha um CPF", declarou.
Deputados dizem que o texto não agrada à ala ambientalista do parlamento e que é preciso negociar pontos da matéria para votar a proposta na Câmara.
A regularização de terras por meio de autodeclaração é baseada em informações fornecidas pelos próprios ocupantes do imóvel rural, sem a necessidade de uma inspeção de campo ou vistoria de autoridades no local.
Esse processo de declaração existe desde 2009, com a criação do programa Terra Legal, do antigo Ministério do Desenvolvimento Agrário. O que muda é que a MP aumenta o tamanho das propriedades que podem solicitar esse tipo de verificação.
O texto enviado pelo amplia de quatro módulos fiscais (de 20 a 440 hectares) para 15 módulos (de 75 a 1.650 hectares) o tamanho de imóveis que podem ser legalizados por meio da autodeclaração. Segundo o governo, essa área corresponde a uma propriedade de médio porte.
Módulo fiscal é uma unidade em hectare definida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para cada município do país, que varia de 5 a 110 hectares. Segundo o texto, a regularização será feita "por meio de declaração do ocupante, sujeita à responsabilização penal, civil e administrativa".
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Ruralistas x ambientalistas
O relator da MP na Câmara, deputado Zé Silva (SD-MG), líder do Solidariedade e ligado ao setor do agronegócio, fez modificações no texto para tentar receber apoio, mas integrantes da Frente Parlamentar Ambientalista ainda têm restrições à proposta.
Em uma versão preliminar do parecer, o relator manteve a permissão para autodeclaração de terra com até 15 módulos fiscais, mas determinou que as regras de regularização fundiária valerão para ocupações em terras da União feitas antes de 22 julho de 2008.
No texto original, enviado pelo governo, o marco temporal estabelecido era 5 de maio de 2014, o que abrangeria um maior número de terras passíveis de regularização.
Zé Silva argumenta em seu relatório que 78% das terras a serem regularizadas têm até um módulo fiscal. O relator afirma que a matéria beneficia essa maioria ao dar prioridade ao processo de regularização destas áreas.
O texto também permite a regularização de cooperativas de produtores rurais locais instaladas em terras ocupadas, o que, até então, não estava previsto.
“No nosso modo de ver, os instrumentos legislativos advindos com a MP em análise significam um verdadeiro avanço na regularização fundiária, devendo ser destacada a ampliação da área”, afirma no relatório.
Nesta quinta, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil divulgou nota em que manifesta apoio à aprovação da MP. Segundo a entidade, as novas diretrizes previstas no texto “dinamizam o processo de regularização fundiária, tornando-o célere e seguro”.
No entanto, o líder do PSB, Alessandro Molon (RJ) afirmou que a MP ainda está distante do que esperam os ambientalistas.
“A gente defende que neste momento de pandemia tem que votar as coisas que dizem respeito à pandemia. Outros assuntos devem ser votados diante de consenso, e não há consenso até o momento”, afirmou o líder do PSB, Alessandro Molon.
Para o coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), a MP incentiva o desmatamento e a ocupação de terras públicas.
“Todos estão achando que serão regularizados. E a invasão está acontecendo em faixas de fronteira, terras indígenas e quilombolas, áreas protegidas”, disse.
O deputado Alex Manente (Cidadania-SP) afirmou que a MP se compara a um programa de refinanciamento de dívidas, só que destinado à regularização fundiária.
“Aumenta o processo de grilagem porque não tem sanção. Quem promoveu essa ocupação irregular será beneficiado”, afirmou.
O relatório ainda passa por ajustes. Segundo Molon, os deputados tentarão chegar a um texto que obtenha maioria no parlamento durante o final de semana.
“Está muito distante [o texto]. Esperamos que relator faça uma proposta sobre a qual a gente possa evoluir”, declarou.
O que diz a MP
A medida provisória altera leis que tratam de contratos e licitações com a administração pública, regularização fundiária em terras da União e registros públicos.
Os requisitos para a regularização fundiária de imóveis com até quinze módulos fiscais serão feitos por meio de declaração do ocupante, que deverá apresentar:
Planta e o memorial descritivo do terreno, assinados por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), com as coordenadas do imóvel rural que estão cadastradas no Sistema Geodésico Brasileiro, que faz monitoramento via satélite do país;
E o Cadastro Ambiental Rural (CAR).
É obrigação de quem fizer o pedido:
Não ser proprietário de outro imóvel rural em qualquer parte do território nacional e não ter sido beneficiado em programa de reforma agrária ou de regularização fundiária rural;
Que exerça ocupação e exploração direta, mansa e pacífica, por si ou por seus antecessores, anteriormente a 22 de julho de 2008;
Que pratique cultura efetiva na área;
Que não exerça cargo ou emprego público no Ministério da Economia, Ministério da Agricultura, no Incra ou nos órgãos estaduais e distrital de terras;
Que não mantenha em sua propriedade trabalhadores em condições análogas às de escravos;
Que o imóvel não se encontre sob embargo ambiental ou seja objeto de infração do órgão ambiental federal, estadual, distrital ou municipal.
Segundo o Incra, o produtor deverá ir até uma regional do instituto para assinar uma declaração e entregar os documentos exigidos, que serão lançados em um sistema digital para checagem.
Ainda caberá ao Incra fazer a checagem dos dados, a ser feita via internet, com análise de documentos e monitoramento via satélite.
Conforme o texto, as propriedades com até 15 módulos fiscais passarão obrigatoriamente por inspeções antes da regularização nas seguintes situações:
Se o imóvel for objeto de termo de embargo ou de infração ambiental, lavrado pelo órgão ambiental federal;
Se o imóvel tiver indícios de fracionamento fraudulento da unidade econômica de exploração;
Se o requerimento de registro for realizado por meio de procuração;
Se existir conflito declarado ou registrado na Ouvidoria Agrária Nacional;
Se houver ausência de indícios de ocupação ou de exploração, anterior a 22 de julho de 2008, verificada por meio de técnicas de sensoriamento remoto.