Dados do Operador Nacional do Sistema mostram que houve redução de consumo com a paralisação de parte do comércio e da indústria. Para especialistas, setor deve revisar planejamento. O consumo de energia elétrica no Brasil em abril foi o menor para o mês em oito anos, de acordo com dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). A queda no consumo ocorre em meio à adoção de medidas de restrição e isolamento social para frear a disseminação do novo coronavírus, que se intensificaram no mês passado diante do avanço da doença e das mortes no país. De acordo com o ONS, o Brasil consumiu no mês passado 60.085 MW médios de energia. Esse consumo é o menor para abril desde 2012, quando a demanda no país foi de 59.354 MW médios. Os números refletem a paralisação de boa parte do comércio e da indústria no país devido à pandemia, que levou a uma forte queda na produção e nas vendas do varejo. Especialistas ouvidos pelo G1 apontam que a queda gera distorções que podem implicar em aumento de custos para os consumidores e empresas, e devem obrigar o governo a fazer uma reorganização do setor elétrico (leia mais abaixo). Reservatórios e termelétricas Apesar de refletir a crise econômica que a pandemia provoca no Brasil, também há ganhos com a queda no consumo de energia. Um é a redução da necessidade de uso de termelétricas, que geram energia mais cara porque são movidas a combustíveis como óleo e gás natural. De acordo com o ONS, do total de energia consumida pelo país em abril, cerca de 5,5 mil MW médios foram gerados por termelétricas. Esse volume é o menor para o mês desde 2011 e equivale a 1/3 do registrado em 2015 (16.097 MW médios), maior valor da série do ONS. Outro reflexo positivo da queda no consumo pode ser visto nos reservatórios de hidrelétricas do Sudeste e Centro-Oeste, onde está cerca de 70% da capacidade de geração de energia do país. As represas das hidrelétricas das duas regiões chegaram ao final de abril com armazenamento médio de 54,8%, o volume mais alto para esta época desde 2016 (57,7%). Reservatório da hidrelétrica de Serra da Mesa, em Goiás Divulgação Furnas/AC Junior De acordo com o ONS, a queda no consumo de energia, em função do isolamento social, também influenciou a recuperação dos reservatórios, junto com as chuvas registradas principalmente entre fevereiro e março. "A situação atual dos reservatórios nos permitirá chegar ao final do período seco [em novembro] em situação confortável. Projeções indicam 55% do armazenamento, em cenário otimista", prevê o ONS, se referindo aos reservatórios de hidrelétricas do Sudeste e Centro-Oeste. Reflexos negativos De acordo com o ex-diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) Romeu Rufino, a queda no consumo de energia deve obrigar o governo a rever o planejamento para o setor elétrico nos próximos anos. Esse planejamento envolve o aumento da oferta de energia por meio da construção de novas usinas e a ampliação da rede de transmissão, investimentos bilionários. Com a queda do consumo agora, e a expectativa de que o Brasil deve enfrentar uma profunda crise econômica nos próximos meses, com risco de retomada lenta do crescimento, investimentos no setor podem ter que ser adiados. FMI aponta que a economia global deve registrar pior desempenho desde 1929 “Quando falta energia, é problema. Mas quando tem energia em abundância, também há conseqüências”, aponta Rufino. “Essa retração da demanda em alguma medida vai impactar. Agora, o tamanho desse impacto vai depender do ritmo da retomada do crescimento da economia”, completou ele. O diretor-técnico da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), Fillipe Soares, aponta que, além de reavaliar a real necessidade de expansão do setor elétrico nos próximos anos, o governo também vai precisar rediscutir o peso dos subsídios no custo da energia no país. Apenas em 2020, os consumidores brasileiros vão ter que pagar R$ 20 bilhões a mais nas contas de luz para bancar subsídios concedidos pelo governo. “As crises aceleram discussões para melhorias, e a discussão dos subsídios e modernização do setor elétrico é prioritária. Esses custos podem atrapalhar a retomada do crescimento econômico”, apontou Soares. Ele ressaltou que os próprios reflexos da pandemia no setor elétrico devem gerar custos extras aos consumidores. E que o governo já estuda tomar um empréstimo com bancos – o segundo em menos de 10 anos – para ajudar as distribuidoras de energia, que sofrem com queda no fluxo de dinheiro devido à redução no consumo e ao aumento da inadimplência. Inadimplência na conta de luz sobe de 3% para 12% na pandemia, diz ministério “Desde 2014 a indústria vem acumulando redução no consumo da ordem de 8%. Já estávamos no processo de queda, não voltou, e esse contratempo agora com a pandemia deixa a gente de cabelo em pé”, disse. Soares também apontou que, apesar de ter reduzido a produção e o consumo de energia devido aos reflexos da pandemia, a indústria têm sido obrigada a manter o pagamento de custos fixos ligados ao setor elétrico. Ele defendeu que esses custos passem a ser cobrados de acordo com o consumo de cada empresa. A Aneel analisa um processo que trata dessa mudança.