Capa do álbum 'O planeta blue na estrada do sol', de Milton Nascimento Márcio Ferreira ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – O planeta blue na estrada do sol, Milton Nascimento, 1991 ♪ Milton Nascimento se apresentou pela primeira vez na cidade de São Paulo (SP) em abril de 1966, um ano antes de ganhar projeção nacional com a defesa da composição Travessia (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1967) na segunda edição do Festival Internacional da Canção (FIC). Na ocasião, o cantor defendeu a música Cidade vazia (Baden Powell e Lula Freire, 1966) no festival Berimbau de ouro, produzido pela TV Excelsior no palco onde, 35 anos depois, Milton voltou a cantar como atração da programação do Teatro da Cultura Artística. Lá, de 28 a 30 de outubro, o artista gravou show perpetuado no álbum ao vivo O planeta blue na estrada do sol, um dos títulos menos ouvidos da discografia desse cantor, compositor e músico de origem carioca e alma musical mineira. Em fala reproduzida no disco, Milton recordou a primeira apresentação em terra paulistana antes de dar voz à Canção do sal (Milton Nascimento, 1966), primeira música – com letra – do compositor a ganhar registro fonográfico. No caso, com a voz de Elis Regina (1945 – 1982), cantora que inspirou toda a produção autoral de Milton, inclusive depois que saiu de cena. Elis foi a cantora que sentenciou que, se Deus cantasse, cantaria com a voz de Milton. Produzido por Márcio Ferreira, empresário de Milton que morreria em 1996, o álbum O planeta blue na estrada do sol deu razão a Elis ao iluminar a voz celestial de Milton, então com o viço, o vigor e o volume dos primeiros tempos – com direito aos vocais em falsetes que abrilhantam o registro de Um índio (Caetano Veloso, 1976), canção significativa na voz de cantor identificado com as tribos e que, há um ano, lançara álbum, Txai (1990), enraizado na cultura indígena. Basta ouvir as interpretações de Luar do sertão (João Pernambuco e Catulo da Paixão Cearense, 1910), Estrada do sol (Antonio Carlos Jobim e Dolores Duran, 1958), Beatriz (Edu Lobo e Chico Buarque, 1983) – música que Milton tivera a primazia de lançar oito ano anos no disco com a trilha sonora do espetáculo de dança O grande circo místico (1983) – e Brejo da cruz (Chico Buarque, 1984) para atestar que Milton é e sempre foi um dos maiores cantores do mundo. E o que dizer da interpretação atordoante da então inédita Quem é você? (Lyle Mays e Luiz Avellar)? Impossível ficar indiferente ao canto profundo e em falsete de Bituca, como o artista é chamado no meio musical. Mesmo que não fosse o extraordinário e original compositor que fundou um universo na MPB dos anos 1960, sem parentesco direto com nada que existira antes, Milton Nascimento teria lugar garantido no primeiro time de cantores brasileiros. Só que Milton é também um compositor de outro mundo e, no repertório de O planeta blue na estrada do sol, o artista lançou música, Ponto de encontro, composta com Zé Renato – parceiro de Änima, faixa-título do álbum lançado por Milton em 1982 – e desde então regravada (quatro vezes) somente por Zé Renato. Embora quase nunca tenha sido cantor de hits massivos, Milton viveu fase de grande popularidade entre 1972 e 1983. A partir do álbum Encontros e despedidas (1985), o artista incrementou a dose de jazz na mistura singular de toada mineira, rock, MPB, Beatles, bossa nova, música sacra, latinidade e música erudita que caracteriza a música a rigor inclassificável do compositor. Gravado sob direção musical do próprio Milton, o disco O planeta blue na estrada do sol refletiu esse maior apego ao jazz na regravação da música O planeta blue (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1987), blues lançado quatro anos pelo cantor no álbum Yauaretê (1987). A banda arregimentada pelo cantor no show registrado no disco de 1991 – Hugo Fattoruso (piano e acordeom), Luiz Alves (contrabaixo), Nivaldo Ornellas (saxofone e flauta) e (Robertinho Silva (bateria e percussão), além do próprio Milton (no violão, no piano e na sanfoninha ouvida em Luar do sertão) – dominava o complexo idioma da música de Milton, o que garantiu em todos os 11 números eternizados no álbum ao vivo a interação observada nas passagens jazzísticas que temperaram a já mencionada Canção do sal. Aberto com a interpretação de Vevecos, panelas e canelas (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1981), música na época lançada há dez anos por Beto Guedes e até então inédita na voz de Milton, o álbum O planeta blue na estrada do sol foi encerrado com abordagem serena de Hello goodbye (John Lennon e Paul McCartney, 1967). Milton brincou com os mil tons da voz nesta gravação da música dos Beatles, uma das assumidas influências do artista na construção da obra monumental. Disco que encerrou a curta passagem de Milton Nascimento pela CBS / Sony Music,, gravadora que descartaria anos depois a ideia de lançar o registro integral do show (em gravação remasterizada em 2009 sob supervisão do pesquisador Marcelo Fróes), o álbum O planeta blue na estrada do sol deu reluzente amostra desses mil tons que ainda conservam o mesmo brilho 29 anos após a edição do CD.