Promovidos somente em nome da arte, os encontros virtuais da cantora sobressaem na quarentena pela combinação de rigor estilístico e informalidade. ♪ ANÁLISE – Enquanto o universo pop sertanejo mostrou tino comercial ao transformar as lives em negócios tão rentáveis quanto solidários, em modelo de apresentação que deverá resistir após o período de isolamento social para enfrentar a pandemia do coronavírus, artistas associados à MPB estão mostrando que, sem dinheiro, também é possível entreter seguidores na quarentena somente em nome da arte – no caso, da deusa música. Uma das melhores cantoras do Brasil de todos os tempos, a paulistana Mônica Salmaso tem sobressaído na era das lives com a série sagazmente intitulada Ô de casas. Salmaso não tem feito propriamente lives, mas vem disponibilizando nas redes sociais da artista apresentações pré-gravadas em que a cantora se encontra à distância com instrumentistas e/ou cantores para revisitar em Ô de casas o melhor da música brasileira. O convidado toca um instrumento e/ou canta enquanto Salmaso entra com a voz de técnica apurada. Iniciada em 22 de março com o encontro virtual com Alfredo Del-Penho para interpretar o samba A cor da esperança (Cartola e Roberto Nascimento, 1978), a série diária de Salmaso já rendeu 21 duos até a noite de sábado, 11 de abril. São encontros afinados em todos os sentidos, promovidos por cantora identificada com as tradições da MPB, mas que também sabe abrir os ouvidos para o pop folk nacional – como mostrou no encontro com Zélia Duncan para seguir o trilho de Feliz caminhar, com a convidada ao violão no canto dessa parceria de Zélia com Paulinho Moska lançada pela artista no álbum Tudo é um (2019). Houve até pontes intercontinentais, como o duo d'além-mar que conectou Salmaso com o pianista português Mário Laginha no tema Mãos na parede (2003). Anfitriã zelosa e guardiã das tradições da música brasileira, Salmaso tem seguido a trilha de Ô de casas com fidelidade à ideologia musical de discografia iniciada há 24 anos como o álbum Os afro-sambas (1996). Ao longo das primeiras 21 edições do projeto, o samba foi ritmo dominante em repertório que também incluiu temas nordestinos na seleção que compreendeu 22 músicas lançadas em disco entre 1935 e 2019. Teresa Cristina e Mônica Salmaso cantam o samba 'Candeeiro' na série 'Ô de casas', de Salmaso Reprodução / Vídeo Todos os encontros resultaram harmoniosos. Na sexta edição, a cantora se uniu a Teresa Cristina para reacender Candeeiro (2002), samba da fina lavra autoral de Teresa. Na oitava edição, Salmaso celebrou o compositor Dorival Caymmi (1914 – 2008) ao dar voz a Dorival Pescador (2016) com o violonista Ian Faquini, parceiro de Mauro Aguiar na composição. Na 18ª edição, a cantora redescobriu Mistérios (1978) com a voz e o violão de Joyce Moreno, parceira de Maurício Maestro na criação da canção lançada por Milton Nascimento há 42 anos. Na 19ª edição, Salmaso cantou Quilombola (Sérgio Santos e Paulo César Pinheiro, 2001) com o autor Sérgio Santos. Enfim, Mônica Salmaso tem mostrado que a MPB resiste, imune ao potente vírus mercadológico que tem minado melodias, letras e harmonias na aglomeração pop-funk-sertaneja do mainstream. Sérgio Santos e Mônica Salmaso revivem 'Quilombola' na série 'Ô de casas', de Salmaso Reprodução / Vídeo ♪ Eis, na ordem em que foram apresentadas, as 22 músicas e os respectivos convidados de Mônica Salmaso nas 21 primeiras edições da série Ô de casas, disponível para apreciação nas redes sociais da cantora anfitriã: 1. A cor da esperança (Cartola e Roberto Nascimento, 1978) – com Alfredo Del-Penho 2. Samba de dois-dois (Roque Ferreira e Paulo César Pinheiro, 2004) – com Pedro Miranda 3. Lembre-se (Moacir Santos e Vinicius de Moraes, 1959) – com Paulo Aragão 4. Bêradero (Chico César, 1991) – com Chico César 5. Gírias do norte (Onildo Almeida e Jacinto Silva, 1961) – com Lulinha Alencar 6. Candeeiro (Teresa Cristina, 2002) – com Teresa Cristina 7. Mãos na parede (Mário Laginha, 2003) – com Mário Laginha 8. Dorival pescador (Ian Faquini e Mauro Aguiar, 2016) – com Ian Faquini 9. Eu sambo mesmo (Janet Almeida, 1946) – com Tiago Costa 10. Coco sincopado (Jacinto Silva e Zezé da Lojinha, 1966) – com Xisto Almeida 11. Garimpo (João Cavalcanti e Antonia Adnet, 2012) – com João Cavalcanti 12. Joãozinho boa-pinta (Geraldo Jacques e Haroldo Barbosa, 1950) – com Jovino Santos Neto 13. Juízo final (Nelson Cavaquinho e Élcio Soares, 1973) / O sol nascerá (Elton Medeiros e Cartola, 1964) – com João Camarero 14. Tentar dormir (André Mehmari e Luiz Tatit, 2011) – com André Mehmari 15. Linda flor (Ai, yoyô) (Henrique Vogeler, Luiz Peixoto e Marques Porto, 1929) – com Guinga 16. Rainha negra (Moacyr Luz e Aldir Blanc, 1992) – com Moacyr Luz 17. Todo o sentimento (Cristovão Bastos e Chico Buarque, 1987) – com Cristovão Bastos 18. Mistérios (Joyce Moreno e Maurício Maestro, 1978) – com Joyce Moreno 19. Quilombola (Sérgio Santos e Paulo César Pinheiro, 2001) – com Sérgio Santos 20. Feliz caminhar (Zélia Duncan e Paulinho Moska, 2019) – com Zélia Duncan 21. Minha palhoça (J. Cascata, 1935) – com Proveta