Projeto que auxilia estados e municípios ainda não está fechado. Contrariedade da equipe econômica e divergências sobre a proposta travam análise, dizem líderes O projeto que cria um plano emergencial de ajuda financeira aos estados e municípios para reduzir os efeitos da crise do coronavírus está pautado para esta quinta-feira (9) na Câmara dos Deputados, porém, deve ser votado só na semana que vem, segundo líderes de partidos ouvidos pelo G1.
A falta de consenso em relação a pontos do texto e a avaliação da equipe econômica de que o projeto seria uma “bomba fiscal” para o Tesouro travam a análise da proposta.
O projeto foi apresentado nesta quarta (8) pelo deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) em substituição ao chamado Plano Mansueto.
A diferença entre as duas propostas é que o novo plano de auxílio aos entes prevê medidas de socorro a curto prazo, voltadas ao combate da pandemia do novo coronavírus. O Plano Mansueto original, envido pelo governo em junho ao Congresso, é considerado uma medida mais eficaz a médio e longo prazo.
A nova proposta em análise reestrutura as operações de crédito e suspende o pagamento das dívidas de estados com a União. Com isso, os estados poderão fazer novos empréstimos para aplicar em ações de combate à pandemia e estabilizar as receitas em 2020.
Câmara elabora nova proposta de ajuda a estados e municípios
Na proposta apresentada nesta semana, a única contrapartida aos entes é não aumentar o salários dos servidores. O texto original previa uma serie de contrapartidas, como privatização e redução de incentivo fiscais.
Líderes ouvidos pelo G1 já dão como certo o adiamento da votação da matéria para a próxima semana.
“Tem a questão técnica com a melhor definição sobre o alcance econômico das medidas, e tem a questão política com a divergência de partes das bancadas nos Estados em transferir valores tão altos aos Governos estaduais sem a exigência de uma contra partida de responsabilidade fiscal”, afirmou o líder do DEM, Efraim Filho (PB).
O líder do Solidariedade, deputado Zé Silva (MG), afirmou que um dos pontos em discussão é a retirada de quesitos relativos a outros poderes, como o Poder Judiciário, por exemplo.
Além das divergências sobre o texto, um líder que não quis se identificar afirmou que o adiamento da votação se dá também por pressões da equipe econômica do governo, que avalia o projeto como uma bomba fiscal.
Para o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, os estados precisam de ajuda emergencial, mas é preciso cautela com o aumento do endividamento.
Ele afirma que o governo já sinalizou que empréstimos, que seriam para ações de longo prazo, podem ser direcionados para medidas emergenciais em meio à pandemia. No entanto, o valor emprestado seria limitado.
"Se for preciso outras ações no futuro, a gente tem que estar preparado pra daqui dois a três meses sentar na mesa novamente pra ver o que é necessário fazer adicionalmente", disse Mansueto.
O secretário disse ser preciso maturidade para discurtir dentro das possibilidades do governo e de forma a não pressionar excessivamente o crescimento da dívida pública. "Porque, se essa conta for muito alta, todos nós vamos perder", ponderou.
"Nesse momento, os estados estão desesperados também pra lidar com a crise, que é muito grave. Então, a questão estrutural deixou de ser o prioritário nesse momento. Será prioritário a partir do proximo ano. Só que nos proximos dois, três meses, nenhum estado vai parar para fazer um plano de ajuste fiscal. Mas o plano original é muito importante e deve aprovar neste ano", completou Mansueto.
Para o economista e diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Felipe Salto, é muito arriscado emprestar dinheiro aos estados, com garantia da união, sendo que vários deles já estavam em crise antes da pandemia do coronavírus.
"É preciso separar bem as disussões. O enfrentemanto da crise tem que ser rápido, tem que ser concentrado no financiamnto da união e tem que dar condições para os estados e muniípios poderem gastar. Mas isso não signifca que deva abrir um espaço orçamentário com aumento de dívidas dos entes subnacionais", afirmou.
Socorro aos estados
O projeto proposto nesta quarta autoriza a União a compensar estados e municípios pela perda de arrecadação de impostos nos meses de abril, maio e junho em razão das medidas de prevenção à Covid-19, como o fechamento do comércio.
Estados serão compensados pela queda no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). O tributo representa parte considerável da arrecadação estadual e, em alguns casos, compõe mais de 80% do que entra nos cofres estaduais.
No caso dos municípios e do Distrito Federal, a União irá compensar o Imposto Sobre Serviço (ISS), que é um dos principais tributos recolhidos pelas prefeituras.
Para o cálculo dos valores, será considerada a diferença em relação à arrecadação dos meses de abril, maio e junho do ano passado.
Pela proposta, fica proibido o aumento de despesas que não tenham relação com o estado de calamidade pública. Também estão vedados aumentos nos salários ou promoções de servidores, militares e empregados da administração pública no período.
Impacto
Segundo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), essa compensação financeira terá um impacto de R$ 35 bilhões nos cofres da União.
"Não tem nada exorbitante, o Parlamento ouviu a todos, ouviu o governo, ouviu os governadores, ouviu muitos economistas, e tenho certeza de que o texto que está sendo votado é um texto muito razoável", afirmou.
O presidente da Câmara lembrou, ainda, que o governo já havia editado uma medida provisória para repassar R$ 16 bilhões ao Fundo de Participação dos Estados (FPE) e ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
Por meio desses fundos, a União transfere recursos com base nas populações de cada município e na renda per capita de cada estado. A distribuição desses valores, portanto, beneficia alguns estados em detrimento de outros.
Segundo Maia, não é justo que o governo resolva apenas a regra para os fundos e "esqueça" da arrecadação de ICMS e do ISS.
"Não podemos esquecer que os municípios que têm uma arrecadação maior de ISS, não de FPM, são os que concentram o maior volume de UTIs. Então, são os que vão ter o maior volume de pressão nas próximas semanas em relação ao coronavírus", afirmou.
Garantias
O texto apresentado por Pedro Paulo diz também que a União está impedida de executar as garantias apresentadas pelos estados para refinanciar as dívidas até 31 de dezembro deste ano. Pelo projeto, o valor não pago será incorporado ao saldo devedor em primeiro de janeiro de 2021.
A proposta diz que o dinheiro que os entes usariam para abater as dívidas devem ser empregados em ações voltadas ao combate do novo coronavírus e exige que os estados e o Distrito Federal deem publicidade à aplicação desses recursos.
Entre outras medidas, o programa emergencial ainda permite que estados e Distrito Federal façam modificações contratuais para suspender pagamentos de operações de crédito interno e externo firmados com o sistema financeiro e instituições multilaterais de crédito.
Pelo texto, o limite para estados e Distrito Federal contratarem operações de crédito com garantia da União será equivalente a 8% da receita corrente líquida do exercício de 2019.
Lei de Responsabilidade Fiscal
O projeto também mexe na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para detalhar as exceções durante a situação de calamidade pública.
O texto inclui, por exemplo:
a dispensa de limites e condições para contratação e alteração de operações de crédito, concessão de garantias e recebimento de transferências voluntárias;
a permissão de empréstimos entre um ente e outro, desde que os recursos sejam usados para o combate à calamidade pública;
a autorização aos chefes dos poderes para, mesmo nos últimos oito meses de mandato, a contraírem despesas obrigatórias ainda que não possam ser cumpridas integralmente no mesmo ano, desde que os recursos sejam usados para o combate à calamidade pública;
a permissão ao Poder Executivo para que, nas três esferas, altere sua programação financeira inicial para utilizar os recursos no combate à calamidade pública;
a permissão para que recursos aos Poderes Legislativo e Judiciário, ao Ministério Público e à Defensoria Pública que não foram utilizados em 2019 serão destinados ao combate da calamidade pública ou compensados no orçamento atual.
No caso dos municípios em estado de calamidade reconhecido pela Assembleia Legislativa, o projeto permite outras mudanças.
A legislação atual, por exemplo, define uma compensação, nos oito meses seguintes, com despesas de pessoal que ultrapassem os limites. O projeto retira essa obrigação durante a calamidade pública. Além disso, dispensa a meta de resultados fiscais a cada bimestre.
O texto também deixa claros os prazos e condições para os empréstimos com garantia da União e as renúncias de receitas e despesas.
Além disso, será criada uma subcomissão da Comissão Mista do Congresso, com deputados e senadores, para acompanhar as medidas de orçamentárias durante a calamidade.