Capa do álbum 'Cantada', de Adriana Calcanhotto Arte de Adriana Calcanhotto ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Cantada, Adriana Calcanhotto, 2002 ♪ Quinto álbum de estúdio de Adriana Calcanhotto, lançado em 2002, Cantada jamais rendeu um hit massivo para essa fina estilista pós-tropicalista gaúcha que emergira na cidade do Rio de Janeiro (RJ) no alvorecer da década de 1990, vinda de Porto Alegre (RS). Escolhida como single promocional do álbum editado pela gravadora BMG, a canção Pelos ares, de autoria de Calcanhotto com o parceiro poeta Antonio Cicero, chegou a tocar nas rádios sem derrubar casas e playlists da época com os contornos de tango insinuado em breve passagem do arranjo. Outras canções autorais, como Justo agora e Sobre a tarde, tampouco grudaram na memória popular com a força de sucessos anteriores da cantora e compositora como Mentiras (1992), Esquadros (1992), Metade (1994) e Vambora (1998). Canções como Eu espero confirmaram a impressão de que a compositora já apresentara safras autorais mais inspiradas em discos anteriores. Contudo, Cantada ficou marcado na discografia de Calcanhotto como álbum de ruptura, delimitando o início de ciclo mais cool na obra fonográfica da artista. Faixa gravada somente com o toque do piano de Daniel Jobim, Noite – parceria de Orlando Morais com Antonio Cicero – exemplificou bem a ambiência cool adotada por Calcanhotto a partir do álbum Cantada. Calor, outra música autoral de Calcanhotto lançada no álbum e caída no esquecimento, corroborou o esfriamento do canto, em que pese toque da guitarra de JR Tostoi na faixa. Sim, o clima cool esfriou a conexão da artista com parte do público, mas Cantada teve ouvintes rendidos pela sedução da vanguarda. Analisado 18 anos após a edição, o álbum Cantada se revela visionário por ter apontado, através de cantora do mainstream, caminhos seguidos pela música pop brasileira do século XX. Na elaboração do disco que produziu em parceira com Dé Palmeira, Calcanhotto se cercou de músicos da então emergente cena alternativa carioca – Alexandre Kassin (baixo), Berna Ceppas (synths), Domenico Lancelloti (bateria e percussão) e Moreno Veloso (cellos), sobretudo – que seriam arregimentados por indies e depois até por medalhões da MPB, dando o tom da música brasileira pós-anos 2000. As presenças do trio Moreno + 2 na confecção de Programa (Adriana Calcanhotto, Antonio Cicero e Waly Salomão), do grupo Los Hermanos em A mulher barbada (Adriana Calcanhotto) e do trio BossaCucaNova em Jornal de serviço (Carlos Drummond de Andrade) mostraram artista atenta aos sinais, com as antenas ligadas nos sons e tons da modernidade. Álbum batizado com o nome da canção lançada no ano anterior por Maria Bethânia no álbum Maricotinha (2001), com o título de Depois de ter você, Cantada encadeou duas composições irmãs de Péricles Cavalcanti – Sou sua e Intimidade (Sou seu) – antes de abordagem de Music e Impressive instant em medley pós-tropicalista em que Calcanhotto agregou essas duas composições de Madonna e Mirwais Ahmadzaï apresentadas pela cantora norte-americana há dois anos no álbum Music (2000). Arrematado com o acalanto Nina, composto por Calcanhotto para a afilhada então recém-nascida, o álbum Cantada destacou o registro de Se tudo pode acontecer (Arnaldo Antunes, Paulo Tatit, Alice Ruiz e João Bandeira), não por acaso a música mais regravada do repertório do disco, embora, a rigor, o autor Arnaldo Antunes já tivesse lançado a composição um ano antes no álbum Paradeiro (2001). Enfim, mesmo sem oferecer o melhor de Adriana Calcanhotto, Cantada foi álbum corajoso em que a artista virou o disco, sem medo de abrir caminhos que seriam trilhados por indies e popstars ao longo dos anos 2000. É (muito) mais pela opção pelo novo e (bem) menos pelo repertório que o álbum Cantada resultou sedutor, ocupando lugar diferenciado na seleta discografia de Adriana Calcanhotto.