Festa de 4 horas por videoconferência com DJs cariocas mostrou que interação e dança são possíveis. Adereços piscantes, Uber imaginário e abraço digital coletivo são tendências; leia relato. Repórter do G1 acompanha balada a distância na 'Boate aZoom' Rodrigo Ortega/G1 Usar luzes piscantes na cabeça, dançar sentado mexendo as mãos, elogiar desconhecidos e ir embora de Uber imaginário. Acredite, mas tudo isso acontece em uma balada por videoconferência – o único tipo possível hoje. Como DJs e pessoas que gostam de sair para dançar podem se adaptar à era do isolamento? O G1 procurou a resposta na versão de quarentena de uma festa eletrônica famosa no Rio. O evento experimental passou das 3h da manhã com gente ainda animada, cada um em sua casa. Pijama, plataforma, luzes “Essa é a primeira I Hate Mondays que vou de pijama”, diz alguém ao chegar. O traje era livre: de óculos escuros na cama a salto plataforma no corredor. O acessório da vez são luzinhas do tipo de Natal enroladas livremente na cabeça de alguns. Fica bem na câmera. São várias janelinhas com cabeças balançando – 50 pessoas no auge da festa – ao som dos DJs anfitriões. O público fica no mudo, mas conversa sem parar no chat em texto. Entre um set e outro, os DJs também viram MCs, falando e promovendo interação. Boate experimental “A gente está em caráter experimental”, disse o DJ Omulu na abertura. Só entrou quem tinha senha divulgada horas antes. Isso ameniza dúvidas de segurança do aplicativo Zoom. Os testes eram com áudio e programas de mixagem. Às vezes o som parava, mas ninguém reclamou. “Boate aZoom”, projeto de Omulu, tem nome inspirado no hit sertanejo "Boate Azul", mas é voltado para festas de pop e eletrônica. Ela estreou na sexta (3) e aconteceu de novo com ajuda dos amigos do coletivo I Hate Flash na segunda (6). O formato com o público visível é um passo além da transmissão das lives. Coronavírus já causou prejuízo de mais de R$ 480 milhões no mercado musical do Brasil Sentindo a 'pista' DJ Omulu Divulgação “Comecei transmitindo lives, mas em um set de DJ, você tem que sentir como está a pista, tem uma interação de duas vias. Quando vi que o Zoom permite compartilhar áudio, vi que dava para fazer essa boate. Menos como show e mais como festa mesmo”, conta Omulu ao G1. As festas, por enquanto, são gratuitas e restritas a 100 pessoas – no auge da sexta-feira, rolou uma fila virtual de espera. Há iniciativas semelhantes de DJs pelo mundo. São tentativas de evitar um apagão da música eletrônica. Berlim, meca destas festas, também busca alternativas. Pandemia ameaça indústria que gera 9 mil empregos, quase 1,5 bilhão de euros em gastos de turistas e compõe identidade cultural de Berlim BASTIAN BOCHINSKI/DIVULGAÇÃO ‘Sentadão’ e ate o chão “Tão na vibe dos sentados hoje”, alguém reclama no início, pouco depois das 23h. Nessa hora, só duas pessoas dançavam de pé. A maioria olhava, alguns sem nem ligar a câmera. Início de festa, segunda-feira, normal. Alguns bebem e puxam um brinde. Uma menina mais animada mostra o celular com seu voto da noite no BBB. Algumas pessoas já se conheciam da festa física. A maior parte era do Rio, mas tinha gente de SP, Recife e Natal. Aos poucos piscavam câmeras ligadas e pessoas dançando em pé ou sentadas. O cachorro de uma das meninas que se arrisca na dança fica tão animado que começa a mordê-la. Ela o acalma e puxa uma dança com o cão. Repórter do G1 acompanha festa a distância na 'Boate aZoom' Rodrigo Ortega / G1 Jantar e paquera Um cara leva o celular para a cozinha e acende o fogão. “Quero pegar esse cozinheiro”, alguém elogia no chat. O gelo vai se quebrando. O set começa com EDM gringa, mas, como em quase toda festa, as pessoas animam mesmo quando começa o funk. À 1h da manhã, já são seis pessoas dançando em pé e várias balançando as mãos e cabeça, sentadas. Sempre que um se levanta, comemoram no chat. Clima amigável mesmo com quem chega sem conhecer ninguém – algo difícil em festas físicas. Imagem da festa I Hate Mondays, ainda na versão física, antes da pandemia do coronavírus Divulgação / I Hate Flash Ratatouille queimado Alguém entra com o nome “Gustavo Lima", de câmera desligada. O sujeito é notado no chat, mas não diz nada. Espião? “Isso aqui deixa a live do Jorge e Mateus no chinelo”, alguém escreve. Mas nada de sertanejo no set. “Vem me satisfazer”, da MC Ingryd, rola duas vezes. Por volta das 2h, um dos DJs, Fernando Schlaepfer, avisa que queimou o ratatouille no forno da casa dele porque achou que a festa não ia passar de 1h. Todos o consolam, depois de terem elogiado o set com bons remixes e colagens de funk. ‘Rajadão’, amém Uma pessoa diz “Gente, chegou meu Uber aqui”. O carro imaginário virou senha para dar tchau. Mas a maioria segue firme, mantendo a média de 45 pessoas na “pista”. ”Gente, se puxarem mais um pouco começo meu home office daqui”, comenta alguém perto das 3h. Faltava a música mais pedida da noite: “Rajadão”, da Pabllo Vittar. Quando o DJ toca o hit que une louvor e trance, surge uma chuva de “améns” no chat e danças nas janelinhas. Um cara escreve: "Melhor que muito rolê que já fui na vida". Abraço coletivo “Agora tenho que sair porque 8 da manhã tem call com meu chefe”, diz alguém antes de “pedir o Uber” às 3h. “Não me fala em call que tá me dando gatilho”, respondem. O chat vira um abraço virtual coletivo: “Gente, amei vocês”; “dizem que segunda que vem tem mais”. Foram quatro horas seguidas de um fenômeno raro nestes dias: ninguém falou sobre coronavírus. No fim, alguém cita, mas só para planejar o after da pandemia. Em caixa alta no chat: “VAMOS BALANÇAR A RABA PÓS-CORONGA”. A festa I Hate Mondays, no Rio, ainda na sua versão física, antes da quarentena por causa da pandemia do coronavírus Divulgação / I Hate Flash As cenas de 'lives' da quarentena que já estão na história do entretenimento brasileiro