Prato típico do sertão nordestino está sendo aprimorado para agradar ainda mais paladares pelo país. Criadores de Pernambuco investem na produção da manta de bode
Bode seco, bode retalhado, manta seca… a manta de bode é uma tradição do Nordeste, uma comida típica e muito popular no sertão de Pernambuco.
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De todo rebanho de caprinos e ovinos do Brasil, os estados da região concentram pouco mais de 75% dos animais. Em Petrolina, o número é de cerca de 433 mil.
Resultado: além de grande produtor, o município é também um dos maiores consumidores dessas carnes, com quase 12 kg por pessoas a cada ano, muito acima da média nacional.
Tadeu Voltolini é pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) no semiárido e conhece bem o criador de cabras e ovelhas da região. “É um produtor principalmente de base familiar, e a manta tem um papel de obtenção de renda”, explica.
No único abatedouro de caprinos e ovinos de Petrolina, a manta responde por pelo menos 70% do processamento das carnes do local.
“É toda uma cadeia que precisa se organizar e a gente está buscando isso. Eu vejo um momento propício, principalmente com o aumento do consumo, e principalmente com o aumento da exigência que o nosso cliente está procurando”, afirma o diretor do abatedouro Cândido Roberto de Araújo.
Em 2018, a manta de bode se tornou patrimônio cultural imaterial de Petrolina, um reconhecimento que alterou a realidade dos criadores da região.
O produtor Jorge Ferreira França conta que, atualmente, há mais cuidado no trato dos animais, como o fornecimento de ração para a engorda deles.
“Um animal de um padrão melhor para vender melhor também. Assim, nós melhoramos a qualidade dos nossos animais, a qualidade da nossa carne e o nosso nome vai mais longe”, afirma.
O ‘Bodódromo’
A fama do bode fez também a fama de um complexo de restaurantes em Petrolina, e tem o sugestivo nome de “Bodódromo”, que serve mais de 20 pratos feitos com as carnes de caprinos e ovinos. E a manta é um dos principais atrativos.
Em um desses restaurantes, a carne é retalhada momentos antes de ser servida. A salga, que servia para conservar o alimento, hoje é usada apenas como tempero.
O tempo de varal (ou cura) também mudou: agora não passa de 3 horas, bem menos do que se via antigamente, quando a carne passava a noite estendida. Tudo isso mudou o sabor da manta.
“Esse processo vai aprimorando, hoje a quantidade de sal é bem menor, a secagem é por menos tempo e na sombra, dando um produto com mais suculência, mais maciez”, afirma Voltolini.
O espeto com a manta de bode ganha as mesas lotadas do restaurante. “A manta de Petrolina realmente é um atrativo, veio para Petrolina, tem que conhecer o Bodódromo”, diz Giliardi Fernandes, gerente de um dos restaurantes do local.
Comprando bode por cordeiro
Mas nem toda manta de bode é necessariamente… de bode. O pesquisador da Embrapa conta que, historicamente, caprinos e ovinos são conhecidos no Nordeste como bode.
“Comercialmente, o cordeiro tem destaque. É o que mais se vende nos restaurantes, quase 100% do bode assado acaba sendo de cordeiro. Os caprinos também se transformam em manta, no entanto, eles são mais consumidos na casa.”
“O bode leva a fama, mas acaba que o cordeiro é o animal que mais tem apelo comercial, sendo transformado em manta”, explica Tadeu Voltolini.
Carne ao gosto do consumidor
Para "amaciar" a carne ao gosto do consumidor, principalmente dos ovinos, o técnico em zootecnia Emmanuel de Souza gastou muita saliva em conversas com os criadores.
“O que mudou tudo foi os convencimentos tanto de manejo como nutricional como de sanidade, que tudo isso era muito precário. Teve que mudar a mentalidade”, relembra Souza.
Ou seja, fora o investimento na genética dos animais, o criador incorporou também uma alimentação balanceada para o rebanho, fornecendo fibras, proteína, energia e minerais na quantidade certa.
“Isso faz uma diferença muito grande na qualidade da carne, mais ainda na produtividade.”
Foi assim, mudando a mentalidade, que o criador Giomárcio de Macedo apostou no que era novidade por aqui até pouco tempo atrás.
“Nós não tínhamos nem essa prática do confinamento. Pensava que era coisa de doido. Ninguém tinha essa visão de de chegar a animais com 8 meses com com esse padrão que está chegando”, conta Macedo.
Hoje, Giomárcio faz parte de uma associação que vende algo em torno de 500 animais por mês para atender os restaurantes da região.
Essa união dos criadores melhorou o preço e, ao mesmo tempo, exigiu mais responsabilidade.
“Temos que entregar. Então, nós temos que controlar a nossa produção, o nosso custo de produção porque eu já sei o meu preço final”, afirma o criador.
Nesse processo de mudar o padrão do rebanho e de ser reconhecido financeiramente por esse trabalho o criador estabeleceu uma outra relação com a sua lida.
"Quando a gente não tem conhecimento faz a coisa errada achando que tá certo. Hoje sabemos que não adianta você ter 200 cabeças de animais e só 50 boa”, afirma o criador Jorge Ferreira França.
Efeito coronavírus
Neste momento, os restaurantes do “Bodódromo” estão fechados por causa das medidas de isolamento por conta do novo coronavírus. Os produtores estão vendendo menos e segurando os animais no pasto à espera de tempos melhores.
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