Sem se dissociar do funk e do soul, cantora lança EP acústico com regravações de cinco sucessos. ♪ MEMÓRIA – Sandra de Sá completa 40 anos de carreira com biografia que, a partir de 2020, liga a cantora e compositora ao Carnaval. Uma das autoras do samba com o qual a escola Mocidade Independente de Padre Miguel celebrará a vida de Elza Soares já na madrugada de terça-feira, 25 de fevereiro, a artista carioca cai no samba-enredo sem dissociar o nome e a história do funk e do soul. Desses ritmos norte-americanos, cantados com justificado orgulho negro, Sandra se tornou embaixatriz no Brasil desde que foi revelada em 1980 com a defesa de Demônio colorido – música de autoria da própria Sandra – no festival MPB-80 (TV Globo). Na época, a cantora ainda se chamava Sandra Sá. O “de” foi incorporado ao nome artístico a partir do álbum intitulado justamente Sandra de Sá e lançado em 1988 com música interessante (e esquecida) gravada com o grupo Titãs, Tempo (Arnaldo Antunes e Paulo Miklos), e com o sucesso Bye bye tristeza (Marcos Valle e Carlos Colla). Aliás, Bye bye tristeza é um dos cinco hits que Sandra de Sá rebobina em registros acústicos feitos em 2019 para o EP ONErpm showcase, disco lançado na sexta-feira, 21 de fevereiro. Mas é pelo samba-enredo Elza Deusa Soares – assinado por Sandra com os compositores DR Márcio, Igor Vianna, Jefferson Oliveira, Prof. Laranjo, Renan Diniz, Solano Santos e Telmo Augusto – que a artista está sendo notícia desde o segundo semestre de 2019. Capa do EP 'ONErpm showcase', de Sandra de Sá Divulgação Sandra de Sá merece, ela própria, ser enredo de um samba como o que cantou em 1984, dando voz a uma parceria de Ivone Lara (1922 – 2018) com Jorge Aragão. Com a voz calorosa, Sandra de Sá sempre cantou repertório miscigenado que caracterizou como “música preta brasileira”. Os três primeiros álbuns da artista – Demônio colorido (1980), Sandra Sá (1982) e Vale tudo (1983) – foram pautados pelo empoderado balanço black do funk e do soul. Dessa fase, o marco é a gravação original do funk Olhos coloridos (1981), hino de Macau. Título obscuro da discografia da cantora, o álbum Sandra Sá, de 1984, abriu o leque para incluir rock de Frejat e Cazuza (1958 – 1990), Sem conexão com o mundo exterior, e standard da canção jazzística norte-americana, I'm a fool to want you (Jack Wolf, Joe Herron e Frank Sinatra, 1951). Contratada pela gravadora RCA em 1985, Sandra ampliou o público ao dar voz às canções industrializadas de compositores hitmakers como Michael Sullivan e Paulo Massadas, diluindo o soul e o funk em solução pop. Em dueto com Sullivan, a cantora gravou ainda em 1985 a primeira dessas canções, Entre nós. A balada Entre nós tocou bem nas FMs e abriu portas para o lançamento do álbum comercialmente mais bem-sucedido da artista, Sandra Sá, lançado em 1986 com sucessos como Joga fora e Retratos e canções, dois petardos certeiros da dupla Sullivan & Massadas. O disco é quase um greatest hits de Sandra. Ao fugir da fórmula engessada da gravadora no álbum Sandra! (1990), um dos mais bonitos e menos ouvidos discos da artista, a cantora recuperou o prestígio entre os críticos, mas perdeu a conexão popular que álbuns posteriores, como Lucky! (1991) e D'Sá (1993), tentaram em vão refazer. Sandra de Sá somente voltou às paradas com força com a gravação de Sozinha (Peninha), destaque do álbum A lua sabe quem eu sou (1996), um dos títulos de melhor acabamento pop da discografia da cantora, produzido por Guto Graça Mello. Contudo, a imposição da gravadora Warner Music para Sandra regravar no disco seguinte o repertório de Tim Maia (1942 – 1998), cantor então recém-falecido, se revelou passo em falso. No título do álbum Eu sempre fui sincero, você sabe muito bem (1998), Sandra de Sá já deu o recado cifrado de que nada tinha a ver com a ideia oportunista. O álbum Momentos que marcam demais (2000) tentou reeditar a fórmula de A lua sabe quem eu sou sem bisar o êxito comercial do disco de 1996. Sandra de Sá tem discografia que alcançou o ápice comercial na segunda metade dos anos 1980 Reprodução / Instagram Sandra de Sá Fora da Warner Music, Sandra de Sá foi contratada pela Universal Music para refazer projetos fonográficos revisionistas. O álbum Pare, olhe, escute (2002) foi, como explicitou o subtítulo, uma tradução para o português das canções mais conhecidas do repertório da Motown, gravadora norte-americana de black music. Feito na época áurea do DVD, o registro ao vivo do show Música preta brasileira (2003) foi idealizado pela artista para historiar o soul o funk nacionais, mas, por imposição da gravadora, acabou sendo caloroso retrospecto dos hits de Sandra. A voz da cantora estava no auge. Só que questão jurídica referente a direitos autorais de músicas em vídeo impediu na época a comercialização do DVD Música preta brasileira. Uma versão reduzida da gravação ao vivo foi lançada em 2004 com o título Soul brazuca e incluía, além do DVD, edições em CD dos dois últimos álbuns da cantora. O registro integral foi lançado somente em 2008 – cinco anos após a gravação do show – já então sem surtir o menor efeito comercial. Uma vez no mercado independente, como quase todos os artistas da geração 80, Sandra de Sá produziu o álbum Africanatividade – Cheiro de Brasil (2010), ao qual se seguiu a edição da gravação do show correspondente. Desde então, a carreira fonográfica de Sandra de Sá desacelerou e a cantora foi sumindo da mídia, mesmo lançando discos eventuais como o EP Lado B (2016). Até voltar às manchetes como autora do samba-enredo com o qual a Mocidade Independente saúda Elza Soares no Carnaval de 2020. É o tributo de uma deusa da música brasileira a outra deusa. Link que deu samba. Samba-enredo.