Gabriel Jesus, atacante brasileiro do Manchester City: clube vai recorrer da decisão para disputar a Liga dos Campeões (Manchester City/Divulgação)
O time de futebol inglês Manchester City está banido da Liga dos Campeões e de outras competições europeias pelas próximas duas temporadas. A decisão veio nesta sexta-feira, 14, por parte da UEFA, órgão máximo do futebol do continente.
O City é acusado de descumprir as regras financeiras da UEFA, o chamado “fair play financeiro”. Pela regulação do futebol europeu, um time não pode gastar mais do que arrecada — há exceção se o clube apresentar um prejuízo de no máximo 30 milhões de euros em média das últimas três temporadas.
A UEFA entendeu que o City descumpriu as regras entre 2012 e 2016, ao alterar dados financeiros de seus patrocínios. O City havia reportado à UEFA que sua receita vinha de seu principal patrocinador, a companhia aérea Etihad Airways, dos Emirados Árabes Unidos. Mas uma parte do dinheiro, concluiu a UEFA, vinha direto do sheik que é dono do clube, Mansour bin Zayed, da família real dos Emirados Árabes. De qualquer forma, a própria Etihad também é uma companhia estatal que pertence ao governo dos Emirados e, assim, próxima à família do dono do City.
“A UEFA investiga, portanto, se o City fecharia patrocínio com outros patrocinadores em igual condição, ou se em razão da relação entre Etihad e City, o patrocínio tem valores maiores ou mais inflados”, diz o advogado Eduardo Carlezzo, do escritório de advocacia especializado em esportes Carlezzo Advogados.
Um fundo ligado ao sheik é dono do City desde 2008, quando começou a virada do clube, até então com pouca expressão no futebol europeu se comparado a rivais ingleses mais tradicionais, como Arsenal e Liverpool.
A base da investigação foi uma reportagem da revista alemã “Der Spiegel” em 2019. A reportagem mostrou que na temporada 2016/17, por exemplo, dos 67,5 milhões de libras de patrocínio do City, só 12% de fato veio de patrocínio da Etihad. O restante seriam, na prática, aportes diretos dos donos do clube, embora estivessem descritos nos balanços como patrocínio.
Esse tipo de aporte direto no clube, fora da verba de patrocínio, é proibido pela UEFA porque, não prova que um time é capaz de se manter com seu próprio modelo de negócio. Na teoria, um clube precisa provar que consegue se manter com receitas oriundas do esporte: patrocínios, direitos de televisão, bilheteria e outros segmentos. Do contrário, qualquer bilionário poderia comprar um time e aportar tanto dinheiro que o clube seria capaz de bater todos os rivais, minando a base esportiva da competição.
Para a punição, a UEFA argumenta ainda que o City não cooperou com as investigações. Em nota, o City afirmou que o time está “desapontado mas não surpreso” com a punição da UEFA. O clube afirma que vai apelar da decisão na Tribunal Arbitral do Esporte na Suíça. “O clube sempre antecipou a necessidade de buscar um órgão e processo independentes que levem em consideração o significativo conjunto de evidências que embasam sua posição”, disse.
Torcida do Manchester City: depois de compra por sheik árabe, time passou a ser competitivo e entrou para a elite do futebol europeuTorcida do Manchester City: depois de compra por sheik árabe, time passou a ser competitivo e entrou para a elite do futebol europeu (Mike Hewitt/Getty Images/Getty Images)
Que outros clubes já foram punidos?
A punição do City é uma das mais rigorosas já aplicadas pela UEFA desde que o fair play financeiro começou, em 2011. Em 2013, o espanhol Málaga chegou a ser expulso de todos os campeonatos europeus por quatro anos — mas recorreu da decisão e voltou em 2014, tendo ficado somente uma temporada fora das competições. O Málaga pertence a outro bilionário árabe, o sheik Abdullah bin Nasser Al-Thani, que comprou o time em 2010.
Em 2019, o italiano Milan fechou um acordo com a UEFA e ficou de fora da atual temporada 2019/20 da Liga dos Campeões. A punição original era de duas temporadas, mas o clube conseguiu amenizá-la. O Milan foi punido por gastar mais do que o que arrecadou nas temporadas entre 2015 e 2018, com gastos de mais de 200 milhões de euros na ocasião.
Houve outras punições, mais brandas. O próprio City já foi punido em 2014, com uma multa de 60 milhões de euros (da qual pagou só uma parte) e restrição a salários e transferências de jogadores. No mesmo ano, o francês Paris Saint-Germain (PSG) teve a mesma punição.
Ainda sobre o PSG, a compra do atacante brasileiro Neymar pelo clube em 2017 também foi alvo de controvérsias na regra do fair play financeiro, mas o clube terminou sem ser punido. Argumentou-se que o PSG não teria dinheiro suficiente para arcar com os valores, e que o montante viria dos bilionários donos do clube. Atualmente, o clube é gerido pelo empresário Nasser Al-Khelaïfi, que é presidente do PSG e do Qatar Sports Investment, fundo ligado ao governo do Catar que comprou o time francês em 2011.
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Os gigantes espanhóis Real Madrid e Atlético de Madrid também chegaram a ser punidos em 2016 e ficaram sem poder contratar novos jogadores, assim como o Barcelona em 2014.
“Até hoje, as punições haviam sido mais amenas, um pouco para ‘inglês ver’, já que para clubes como PSG e City uma punição de 30 milhões de euros não faz falta”, diz Amir Somoggi, da consultoria Sports Value. O consultor acredita que houve uma grande pressão pela punição ao City vinda dos times europeus considerados tradicionais — e que ainda têm modelo de negócio em que são capazes de ter receita orgânica, e não com um dono bilionário. “Com a punição ao City, caso ela de fato seja concretizada, cria-se um precedente de que a UEFA está atenta às transações fora da curva.”
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No Brasil, não há nenhum tipo de regra financeira parecida. “Ainda vamos demorar muito para que um tipo de regulamento de ordem financeira aconteça no Brasil”, diz o advogado Eduardo Carlezzo.
Há algumas regras estabelecidas pelo Profut (Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro), que renegociou as dívidas dos clubes com a União e, em troca, exige responsabilidade fiscal dos que aderiram. Mas ainda longe de ser algo próximo ao que acontece com a UEFA.
Mesmo em um mercado menor como o Brasil, a falta de regulação pode gerar um certo desequilíbrio entre os times, caso algum deles consiga um patrocinador maior. Isso cria situações como a do Palmeiras, onde a Crefisa, patrocinadora majoritária, injetou mais de 300 milhões de reais no clube desde 2015. As partes renovaram seu acordo de patrocínio em 2019 e o clube deve embolsar 410 milhões de reais da Crefisa até 2021. Críticos da parceria argumentam que os valores do patrocínio não condizem com a realidade do futebol nacional.
O Palmeiras teve a maior receita de patrocínio do Brasil nos últimos dois anos com balanços fechados, em 2017 e 2018, à frente de Flamengo e Corinthians, segundo levantamento da Sports Value com base em balanços dos clubes.
De patinho feio a bilionário
No caso do City, a punição vem meses depois de o clube atingir um valor de mercado histórico ao vender pouco mais de 10% de suas ações para o fundo americano Silver Lake, em novembro de 2019. O negócio elevou o valor do clube para 4,8 bilhões de dólares, segundo o jornal britânico Financial Times.
O City é um clube que historicamente viveu às margens do concorrente mais famoso, o Manchester United. Até que, em 2008, o clube foi comprado pelo fundo ligado ao sheik Mansour, por 240 milhões de libras.
Desde então, o faturamento cresceu seis vezes, para mais de 500 milhões de libras, colocando o clube entre os cinco com mais receitas no mundo. O City ainda gastou mais de 1,5 bilhão de euros em contratações e construiu um novo centro de treinamento com 16 campos oficiais. Conquistou também quatro campeonatos nacionais, o último deles em 2018. A Premier League, campeonato inglês, é a liga mais cara da Europa, e também uma das mais difíceis. O clube ainda não conquistou nenhum título da Liga dos Campeões.
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O valor de mercado também foi subindo junto com a performance do clube. Passou de cerca de 300 milhões de dólares em 2008 para 3 bilhões de dólares em 2015 (quando um grupo chinês comprou 14% das ações), até chegar, agora, a 4,8 bilhões.
Além de ser banido das competições da UEFA por dois anos, o City terá de pagar ainda uma multa de 30 milhões de euros. As regras sobre as finanças se aplicam somente a times que disputam competições europeias, reguladas pela UEFA. O City poderá continuar disputando campeonatos dentro da Inglaterra.
Mas, ao não disputar a Liga dos Campeões, principal campeonato europeu e um dos mais importantes do mundo, o City deve perder até 75 milhões de euros em potenciais premiações que ganharia — o time era um dos favoritos ao caneco europeu. Sem contar as perdas em direitos de televisão acarretadas de sua ausência na competição.