Marcelo Marques, diretor de tecnologia e multicanais (à dir.): a equipe teve dois meses para construir do zero uma máquina de pinball | (Foto: Omar Paixão //VOCÊ RH)
No início deste ano, a farmacêutica MSD Saúde Humana entendeu que era necessário disseminar a inovação, estimulando a resolução criativa de problemas, a liderança, o senso de equipe e a comunicação. Para testar como fazer isso de um jeito diferente, desenvolveu um treinamento incomum: por dois meses, funcionários teriam de construir, juntos, uma máquina de pinball — jogo eletromecânico de sucesso nos anos 80.
Doze profissionais, escolhidos às cegas com base em um questionário interno, participaram da experiência. A vivência custou 8 000 reais. Os trabalhadores atuaram de maneira autogerenciável, realizando pequenas entregas, estipuladas em encontros semanais de 3 horas.
“A equipe teve uma sinergia incrível, entendendo que era preciso investir em empatia, definição, ideação e prototipação antes de ir direto para a solução”, diz Marcelo Marques, diretor de tecnologia e multicanais da multinacional.
Segundo o executivo, como os profissionais eram de áreas distintas, entre elas RH, farmacovigilância, relações governamentais, TI e inteligência de mercado, tornaram-se multiplicadores, influenciando os demais colegas a ter espírito de colaboração e pensamento ágil.
Assim como a MSD, diversas companhias têm partido para o inusitado na hora de ensinar. Os modelos tradicionais de aprendizagem estão cedendo espaço a treinamentos baseados em metodologias ágeis, como scrum, e soluções criativas, como design thinking.
“As empresas começam a se dar conta de que práticas antigas só geram resultados em mercados previsíveis. Mas os negócios estão cada vez mais complexos, demandando capacidades cognitivas, emocionais e técnicas para lidar com situações nunca antes vividas”, diz Luciana Lima, especialista em neurociência e professora no Insper.
Não à toa, o tema vem ganhando relevância. Segundo um estudo da Associação Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento (ABTD), que mapeou 406 organizações, as companhias brasileiras destinaram, em média, 2,2 milhões de reais a iniciativas de desenvolvimento. Isso só em 2018, um ano de incertezas políticas e econômicas.
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Até mesmo a indústria, mais conservadora nas capacitações, está se reinventando nessa seara. “Esse setor tem percebido que é preciso incentivar a cooperação entre colaboradores e áreas para potencializar a tecnologia nas fábricas”, diz Joel Dutra, coordenador do MBA de recursos humanos da FIA e livre-docente na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (USP).
Depois de receber um investimento de 2,4 bilhões de reais do grupo alemão Daimler para modernizar as fábricas de caminhões e chassis de ônibus de São Bernardo do Campo (SP) e Juiz de Fora (MG), a Mercedes-Benz do Brasil tinha um desafio: apresentar o conceito de indústria 4.0 aos 1 200 profissionais das áreas de montagem e logística.
Antes segregada por porte de produto, a montagem passaria a atender todos os tipos de caminhão. E de maneira bem mais high-tech: com internet das coisas, data analytics e robôs. Tudo isso exigiria um novo perfil de profissional. A solução foi criar a simulação de uma linha de produção. Porém, em vez caminhões, o pessoal montaria bicicletas.
Durante dois dias, oito grupos de 16 empregados foram convidados a construir, em pares, uma bike do início ao fim. O treinamento, com 16 horas de duração, incluía desde a compra dos itens usados até os testes.
Treinamento na fábrica da Mercedes-Benz: os funcionários montaram bicicletas em vez de caminhões | Foto: Germano Lüders
Treinamento na fábrica da Mercedes-Benz: os funcionários montaram bicicletas em vez de caminhões | Foto: Germano Lüders (/)
No primeiro dia, o processo foi feito do jeito convencional, com o trabalhador fixo em seu posto e o produto passando na esteira. Já no segundo, para demonstrar que o processo poderia ser mais dinâmico e flexível, o conceito 4.0 foi apresentado na prática. Nesse momento, ficaram claros os benefícios da montagem não linear, na qual o empregado deixa de ser mero apertador de parafusos para ter papel mais ativo.
“Ao fazê-los participar de todas as etapas, conseguimos mostrar exatamente o tipo de colaboração de que precisamos”, diz Rômulo Violante, gerente de recrutamento e desenvolvimento de pessoas da Mercedes-Benz.
A vivência ainda aumentou o engajamento e despertou o “sentimento de dono” entre os contratados. “Tiramos o foco do facilitador como o único detentor de conhecimento e permitimos que as pessoas envolvidas no processo se sentissem responsáveis por ele. É esse sentimento que queremos despertar em nossas fábricas”, afirma Rômulo.
Fugindo do modismo
Hoje, uma série de consultorias especializadas já disponibilizam capacitações inusitadas. Há versões com música, onde os funcionários formam uma orquestra; com dança, onde criam coreografias; e com protótipos. Num mercado com tantas novidades, todo cuidado é pouco.
Isso porque treinamentos são ineficazes fora de contexto. Antes de partir para ações mirabolantes, as áreas de RH, TI e transformação digital devem, juntas, questionar-se: “Qual o momento da empresa? O que faria sentido como experiência de aprendizagem dentro da cultura e dos valores? Que tipo de modelo mental queremos estimular nas pessoas? Quais ferramentas ajudariam a construir o futuro do negócio?”
As respostas a essas perguntas serão essenciais para chegar ao tipo adequado de aprendizagem. De acordo com Luciana, do Insper, a única orientação é que se usem metodologias modernas, que encorajem os empregados a pensar e agir diferente — algo importantíssimo para lidar bem com as atuais reviravoltas.
Além disso, as imersões devem manter o foco no negócio e nas habilidades necessárias para conduzi-lo ao futuro. Por mais inusitadas que sejam, elas precisam ter consistência, entregando aos participantes insights que possam ser aplicados ao dia a dia.
“A forma, a duração, o local, o conteúdo e as metodologias dependem da clareza que se tem dos objetivos organizacionais”, diz Daniela Leonardi Libâneo, gerente executiva da Afferolab, consultoria que oferece soluções de aprendizagem corporativa a mais de 200 empresas no Brasil por um custo médio que varia de 300 a 3 000 reais por colaborador, a depender da proposta contratada — existem desde opções mais simples até projetos complexos, como os que envolvem hackathons e ralis.
Antes de investir dinheiro, no entanto, recomenda-se fazer uma experiência piloto, averiguar os resultados e só então replicar em outras áreas. Nesse sentido, ajuda pedir que os participantes dividam as lições aprendidas ao final da atividade e que os líderes dos que foram treinados reportem impressões à área de recursos humanos três meses depois.
“Muitas empresas deixam de refletir sobre a vivência. Sem isso, a prática pode cair no esquecimento e o que restará na mente dos funcionários é a ideia de uma atividade prazerosa, mas sem aprendizado suficiente para aplicar ao negócio”, alerta Luciana, do Insper.
Se o treinamento envolver tecnologia, vale cobrar do fornecedor uma mensuração mais objetiva, com relatórios analíticos que mostrem os pontos a ser desenvolvidos por cada empregado.
“Em gamificações, dá para estruturar, com base nas competências que se deseja medir, uma matriz de indicadores estatísticos”, diz Felipe Azevedo, vice-presidente da LG Lugar de Gente, consultoria especializada em soluções de tecnologia para a gestão de RH.
Quem usou desse artifício para mapear o desempenho de 3 500 trabalhadores (internos e terceirizados) foi a Caixa Econômica Federal. Desde 2018, engenheiros e arquitetos são submetidos a uma prática baseada em realidade virtual no curso de avaliação de imóveis da Universidade Caixa.
Na experiência, grupos de 20 empregados usam óculos de realidade virtual que simulam uma inspeção no interior de edifícios comerciais e residenciais. Uma vez dentro da “realidade”, eles devem localizar avarias e danos estruturais, como infiltrações e rachaduras, que possam desabonar o financiamento.
“Um relatório mostra o que o participante observou ou deixou de observar e qual foi sua pontuação”, diz Marcelo Ruas de Sousa, superintendente nacional da Caixa.
Antes de o banco investir nesse game, que custa 120 reais por funcionário, tudo acontecia fisicamente e as pessoas eram deslocadas até os locais a ser analisados. O gasto médio, para uma turma de 20 indivíduos, alcançava 50 400 reais. Ao que tudo indica, essa nova geração de treinamentos veio para ficar.