Série "Coisa Mais Linda", original da Netflix: produção brasileira é uma das apostas da Netflix para atrair público local (Youtube/Reprodução)
O Brasil chegou a ser chamado de “um foguete” pelo presidente e fundador da plataforma de streaming de vídeo Netflix, em 2017. Na época, a empresa começava a engrenar de vez no país, vendo sua base de usuários dobrar e o Brasil figurar entre os cinco maiores mercados da Netflix no mundo. “Se eu penso no Brasil, nós eramos bem fracos no primeiro ano e agora é um foguete”, disse Hastings em 2017.
O mandatário da Netflix não fez mais declarações sobre a performance no Brasil desde então, mas é possível que sua animação tenha minado um pouco. A Netflix divulga na noite desta quarta-feira, 17, seus resultados financeiros do segundo trimestre, com a expectativa de que o número de novos assinantes caia cerca de 8% globalmente.
E, no Brasil, a tendência também não é tão boa quanto já foi um dia: a empresa não divulga dados de performance e número de usuários nas regiões em que opera, mas estimativas obtidas por EXAME junto a consultorias que monitoram a performance da Netflix mostram que o crescimento vem diminuindo bastante por aqui.
O Brasil foi o segundo país em que a Netflix chegou fora dos Estados Unidos, em setembro de 2011, logo depois do Canadá, e é hoje, com mais de 8 milhões de assinantes, é o terceiro maior mercado da empresa, atrás de Estados Unidos e Reino Unido, segundo estimativas da consultoria Futuresource.
Mas enquanto entre junho de 2017 e junho de 2018 o número de usuários da Netflix (assinantes ou não) cresceu 23% no Brasil, a estimativa para o mesmo período em 2019 é que o crescimento seja de “apenas” 14%, segundo a consultoria de marketing digital eMarketer. É daí para baixo: a expectativa é crescer menos de 9% entre junho de 2019 e junho de 2020, 4% em 2021 e 2,5% em 2022.
Assim, até 2022, a participação do Brasil no número de usuários da Netflix deve continuar na casa dos 7%. Em junho de 2019, a Netflix contabilizou 27 milhões de usuários no Brasil, isto é, pessoas que acessaram a plataforma ao menos uma vez por mês. (A eMarketer explica que o número é maior que o total de assinantes porque muitas pessoas compartilham assinaturas.)
Já dados da consultoria de métricas digitais SimilarWeb, obtidos com exclusividade por EXAME, também mostram que o número de visitas no site “netflix.com”, que totalizou mais de 250 milhões em janeiro deste ano, caiu para a casa dos 200 milhões em junho (um usuário pode visitar o site mais de uma vez, contabilizando nova visita). O desktop ainda representa mais de 70% dos acessos da Netflix ante menos de 30% para celulares e tablets (sem contar as TVs inteligentes, que não aparecem nas métricas analisadas).
Se contabilizados só os celulares e tablet com Android (mais de 90% dos dispositivos no Brasil), os acessos únicos à Netflix também caíram 2% entre o primeiro e o segundo trimestre deste ano, ainda segundo a SimilarWeb, com 7,1 milhões de usuários únicos entre abril e junho (ou seja, com apenas um acesso contabilizado por aparelho).
Uma das possíveis razões para o menor crescimento no Brasil é o aumento do preço da assinatura: a Netflix subiu neste ano o plano básico de 19,90 reais para 21,90 reais e o premium (que dá direito a quatro telas) de 37,90 reais para 45,90 reais. Preços também aumentaram no México e em partes da Europa.
Ainda não é motivo para desespero: o total de acessos únicos por aparelho Android, por exemplo, era de pouco mais de 5 milhões há um ano, o que mostra que a Netflix conseguiu 1 milhão de novos acessos únicos em celulares e tablets brasileiros no período e configura um crescimento anual de mais de 20%.
“O crescimento anual da Netflix ainda é muito expressivo, mas de fato a tendência que se verifica é que esse crescimento vem desacelerando um pouco”, afirma Urgel Augustin, diretor de vendas para América Latina da SimilarWeb. “Não dá para dizer o que levou a essa queda, pode ser desde comportamento natural do consumidor a aumento do preço ou alguma série específica saindo do catálogo.”
Crescer a todo custo
Qualquer empresa que visse a base de clientes crescer 20% em um ano estaria, no mínimo, bastante feliz. Mas não é caso de empresas de tecnologia, para as quais o crescimento, para os investidores, pode até estar à frente da exigência por faturamento ou margem de lucro.
Precisando crescer sem parar, uma tendência de desaceleração no Brasil é má notícia para a Netflix, que aposta cada vez mais as fichas em mercados fora dos Estados Unidos, sua terra natal, onde o crescimento é lento e a concorrência é alta. Entre o primeiro trimestre de 2019 e o mesmo período de 2018, a base internacional de assinantes da empresa (isto é, fora dos EUA) cresceu 39%, enquanto nos Estados Unidos a alta foi de apenas 9%.
O ano de 2018 foi o primeiro em que o faturamento estrangeiro foi mais alto que nos Estados Unidos, com 7,8 bilhões de dólares ganhos no exterior contra 7,6 bilhões de dólares nos Estados Unidos. O número de usuários também já é maior no exterior: são 88,6 milhões de assinantes no resto do mundo contra 60,2 milhões nos Estados Unidos.
No mercado americano, mais do que em qualquer outro, a Netflix ainda enfrentará a chegada de novos concorrentes de peso, como o HBO Max (serviço de streaming da HBO e de nomes como a Warner) e o Disney+ (da Disney). O “ataque” à Netflix já começou, e a empresa anunciou que vai perder a série “Friends”, da Warner, que responde pela segunda maior audiência da Netflix. A Disney também deve retirar em breve suas animações atualmente disponíveis no catálogo da concorrente.
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Não há previsão de lançamento das novas plataformas de streaming no Brasil, mas elas não devem demorar, o que pode morder uma fatia da Netflix e também de emissoras de TV por assinatura. Por isso, a Netflix deve investir cada vez mais na produção de conteúdo próprio, ainda que, para isso, precise abrir mão de margem.
Olho na Índia
O crescimento no Brasil começando a murchar fez a Netflix voltar as atenções para sua nova menina dos olhos, a Índia, que com seus 1,3 bilhão de habitantes é o lugar onde a empresa mais cresceu sua base de assinantes e usuários nos últimos trimestres. Em visita a Índia no ano passado, Hastings afirmou que “os próximos 100.000 [assinantes] para nós virão da Índia”, devido à expansão do acesso a internet no país.
A Netflix também não divulga oficialmente a quantidade de assinantes indianos, mas afirma que o número cresceu mais de 80% nos últimos doze meses. Estimativas externas da consultoria Media Partners Asia apontam para mais de 500.000 assinantes no país.
O número de downloads do app da Netflix na Índia também quadruplicou entre o terceiro trimestre de 2018 e o mesmo período de 2017 e quase dobra a cada trimestre, segundo levantamento do banco Credit Suisse. Enquanto isso, o número de downloads no Brasil cresceu menos de 10% no período, apresentando um crescimento quase tão fraco quanto nos Estados Unidos. Colabora o fato de que a Netflix esteja testando em países como a Índia e a Malásia um modelo de assinatura só para celular.
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Mas mesmo na Índia o segundo trimestre da Netflix teve queda de 6% no número de usuários ativos em dispositivos móveis, segundo a SimilarWeb. A Netflix indiana enfrenta ainda a concorrência da empresa indiana Hotstar, que pode roubar valiosos usuários.
Assim, apesar do potencial de a Índia ultrapassar 2 milhões de assinantes nos próximos dois anos, o número ainda será bem menos que os mais de 8 milhões no Brasil ou no Reino Unido.
Ao menos uma boa notícia para a Netflix: um brasileiro com aplicativo da empresa instalado no celular ou tablet passa nada menos que 1 hora e 28 minutos conectado às séries e filmes da plataforma — e esse número vem crescendo trimestre após trimestre, sendo cerca de 1h e 10 minutos no fim do ano passado, de acordo com a SimilarWeb. Outra: uma em cada três das mais de 200 milhões de pessoas que têm um aparelho Android no Brasil têm o aplicativo da Netflix instalado. E dentre os que assistem suas séries pelo computador, mais de 80% digita o endereço da plataforma no navegador em vez de buscá-lo no Google, prova de que a empresa tem uma marca forte entre seus assinantes brasileiros.
O Brasil pode não ser mais o grandioso “foguete” de outrora para a Netflix, mas vai demorar até a empresa deixar de dominar o mercado por aqui. O que vai ser difícil, contudo, é repetir as taxas de crescimento de três dígitos que animaram Hastings em 2017. De agora em diante, a concorrência só tende a aumentar.