É instigante ver as araras em frente às câmeras. Belíssimo pelas cores e surreal pela sorte clara do fotógrafo ao registrar momentos que, num piscar de olhos, quem não está atento aos céus da cidade acaba perdendo. A energia das aves despertou no fotógrafo André Bittar o fascínio pela natureza e a vida selvagem delas.
O encontro em Campo Grande com uma das mais belas espécies marcou o início de uma história com as imagens que faz o profissional levantar de madrugada e esperar até 4 horas pelo show que vem do alto.
O despertar dessa relação foi no início de 2018, quando André encarou a missão de fotografar pela primeira vez uma arara híbrida, espécie que nasce do cruzamento da arara vermelha com a canindé, e a principal característica física é a tonalidade mais “viva” da sua plumagem. Essas araras surgiram há cerca de 10 anos e só são avistadas em Mato Grosso do Sul, segundo o Instituto Arara Azul.
“O encanto começou numa pauta jornalística do Campo Grande News para encontrar as araras híbridas. Quando eu coloquei as araras no visor da minha lente comecei a chorar. Chorei de emoção em ver um bicho novo e de vontade de mostrar aquilo para a minha mãe. As araras geraram em mim uma saudade imensa”, descreve André ao lembrar da mãe que partiu em 2014, três meses depois do diagnóstico de um tumor no cérebro.
A adrenalina começa às 4h30 da madrugada. André prepara os equipamentos ao mesmo tempo que esquenta a água para o café. No carro já está uma cadeira pequena e o par de tênis é deixado de lado para que, no momento do clique, ele esteja inteiramente conectado com a terra.
São, no mínimo, quatro horas de espera da madrugada ao amanhecer para registrar belas imagens. É claro que nem sempre André volta para casa com a imagem que acreditava encontrar, mas no dia seguinte, naturalmente, a cena acontece.
“Muita gente me pergunta o porquê do horário. Para mim, as melhores fotos são ao amanhecer. Claro que fotos boas acontecem em qualquer hora do dia, mas o primeiro horário do dia tem sempre uma iluminação especial e, coincidentemente, Campo Grande te oferece uma gama de opções para fotografia de araras do caminho de casa até qualquer outra região da cidade”.
Foi com essa paciência que André registrou pela primeira vez uma arara híbrida e não parou mais. “Quando eu chorei, lembro que o motorista do jornal me chamou de mole e eu me dei conta que se não conseguisse registrar a beleza dessas araras, um dia, quem sabe, isso tudo poderia acabar. Eu não queria perdê-las”, diz.
Ano passado, um dos episódios mais marcantes foi parar nas páginas na National Geographic. André fotografou após horas de espera quatro canindé na disputa por um ninho em Campo Grande. “Eu fiquei em torno de duas horas fotografando um casal. Quando estava indo embora surgiu outro casal e eles passaram a disputar o ninho. Foi muito, muito surpreendente ver o lado selvagem das araras e ter a chance de entender a dinâmica do bicho”.
A cena de disputa durou cerca de 4 minutos e o fotógrafo clicou mais de 300 vezes até conquistar a fotografia que ilustra a capa desta matéria.
Investimento – Desde então André mudou de vida. Largou emprego fixo, carteira assinada e estabilidade profissional para viver de forma autônoma da fotografia. Dos trabalhos mais comerciais ao registro de araras, o que move o fotógrafo é o contato com a natureza. “Eu sempre quis levar essa vida de fotógrafo documental, mas o grande medo que a gente tem é o dinheiro e, no ano passado, um workshop realizado no Pantanal me mostrou que eu posso e devo investir naquilo que eu acredito, que é a natureza”.
André passou um fim de semana aprendendo e fotografando ao lado de Araquém Alcântara, fotógrafo de natureza no Brasil e considerado um dos mais importantes fotógrafos da atualidade. “Araquém é um ídolo e me mostrou que há inúmeras possibilidade de ganhar dinheiro com a fotografia documental, podendo levar essas imagens para o mundo. Coisas que eu não teria se tivesse engaiolado no serviço de carteira assinada”.
Embora André estude diariamente técnicas para uma boa fotografia, uma boa foto vem também do inconsciente, acredita. “A gente fica muito aficionado em investir em equipamento. Mas muito mais importante é investir em estudo e sensibilidade. O que mudou minha vida e essa vontade de fotografar os bichos é acreditar todos os dias no olhar e no sentimento que eu tenho pela natureza”, ensina.
Fonte: Campo Grande News