Investidores da resseguradora IRB Brasil organizaram uma compra em massa das ações para trazer de volta o dinheiro de investidores institucionais; o mesmo aconteceu nos EUA com valorização de 1.800% da empresa GameStop; analistas duvidam que valorização se repita. O ataque especulativo que acontece nesta semana em Wall Street acendeu o alerta de investidores brasileiros. A pergunta principal é se algo parecido poderia acontecer por aqui. Para analistas consultados pelo G1, não só é possível como está ocorrendo – guardadas as devidas proporções. Desde esta quarta-feira (28), um grupo de investidores pessoas físicas têm se organizado em uma tentativa de influenciar o preço das ações da resseguradora IRB Brasil. Juntos, eles compram ações da empresa para pressionar fundos de investimento a reverter apostas na queda dos papéis na bolsa de valores. (Entenda como funciona abaixo) GameStop: loja do Tysons Corner Center, na Virgínia, teve aglomeração de compradores na Black Friday. REUTERS/Hannah McKay Por volta das 16h30 desta quinta-feira, as ações da empresa subiam mais de 14% no pregão, com acionistas replicando (ainda que em patamares muito menores) o fenômeno que aconteceu nos Estados Unidos. Por lá, um movimento orquestrado de compra em massa fez as ações da empresa GameStop dispararem de US$ 19,26 no final de dezembro para impressionantes US$ 380 na máxima registrada na quarta na Bolsa de Nova York (Nyse) – uma alta de mais de 1.800%. SAIBA MAIS: GameStop: entenda como um grupo de pequenos investidores combinou em um fórum a disparada das ações da empresa Lá e cá, tudo foi combinado pelas redes sociais. Os ataques especulativos são ilegais, segundo a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A entidade afirma ao G1 que acompanha cada caso individualmente e pode aplicar sanções aos investidores com base na legislação vigente. A B3 não respondeu. Mas, como nos EUA, está claro que não há uma resposta imediata para a especulação organizada. Juliana Rosa: ‘Ações da Eletrobras caem em NY após renúncia do presidente’ O que aconteceu nos EUA? A pressão nas ações da varejista de games GameStop é resultado de um efeito chamado "short squeeze". A empresa acumulava prejuízos, por conta de um modelo de negócio calcado em lojas físicas. Assim, grandes investidores institucionais passaram a apostar na queda do preço dessas ações. No jargão do mercado, isso se chama "operar vendido". Para ficar vendido, o fundo "pega emprestadas" essas ações e as vende pelo preço atual, esperando que ele estará mais baixo quando tiver que recomprá-las para devolver as ações ao dono original. Quando a ação cai, o investidor embolsa a diferença (imagine que ele vendeu a 10 dinheiros, mas paga 7 para recomprar a ação quando tiver que devolvê-la. Neste caso, o investidor teria um ganho de 3 dinheiros). No caso da GameStop, todas as ações disponíveis estavam alugadas, uma aposta robusta de grandes investidores em um derretimento da empresa. Com esse dado em mãos, pessoas físicas passaram a comprar as ações – fazendo o preço subir – e obrigaram os fundos a desfazer a operação para evitar perdas ainda maiores. Bolsa termina o ano em alta de 3%; veja o balanço do mercado em 2020 Os fundos em questão são os chamados "hedge funds", fundos que tem a proteção do patrimônio como característica. As perdas, portanto, não são bem recebidas. Os gestores acabam obrigados a gastar mais dinheiro para cobrir a diferença e cria-se, aí, uma bola de neve de valorização. "O que é importante para o investidor pessoa física é entender que, a partir do momento que uma ação descola dos fundamentos da empresa, pode-se perder bastante dinheiro com o potencial de queda do papel, porque o valor não está mais atrelado ao desempenho da empresa", afirma Betina Roxo, estrategista-chefe da corretora Rico. É exatamente o que aconteceu nesta quinta-feira. A solução dada até o momento nos EUA foi limitar o acesso de investidores de algumas das plataformas, como a Robinhood, aos papéis da GameStop. Só essa mudança fez as ações da GameStop sofrerem queda expressiva de 50%. Juliana Rosa: Ritmo da vacinação preocupa agentes econômicos Qual o perigo para o Brasil? O caso da GameStop é emblemático porque mostra o poder de organização dos investidores, tanto de inflar o preço das ações como de surpreender as autoridades. As práticas são ilegais e coibidas por agências reguladoras, mas a aplicação de sanções são truncadas lá e aqui. A GameStop anunciou recentemente uma mudança em sua diretoria executiva, que pode indicar que o investidor acredita que a empresa está passando por mudanças para se adaptar à nova realidade do mercado. É uma desculpa perfeita para se desviar de uma acusação de manipulação de mercado. No Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) diz que "acompanha e analisa" as movimentações de companhias de capital aberto e toma medidas cabíveis "sempre que necessário", por meio de processos administrativos que poderão "gerar as punições previstas no art. 11 da Lei 6385/76". A lei em questão permite a suspensão de operações no mercado e multa proporcional ao poder aquisitivo do autor. Mas cada caso detectado passa por um julgamento específico, sem um mecanismo de coerção automática a operações suspeitas. Alberto Amparo, analista de internacional da Suno Research, alerta que IRB tem apenas 8% das ações em aluguéis, incomparável com o volume que se via em GameStop, que passava dos 100%. Ainda que seja possível manipular o mercado e criar o efeito de "short squeeze" com ações que tenham pouca liquidez, as proporções não devem repetir o caso americano. "O caso da GameStop é mais gritante e as empresas como Robinhood ajudam demais o investidor comum a fazer operações vendidas, o que não acontece no Brasil", afirma Amparo. Fora isso, os EUA têm uma fatia muito maior de investidores dentro do mercado de ações. O Brasil tem, ao todo, 3 milhões de investidores cadastrados na B3, enquanto 55% dos americanos em idade adulta têm investimentos em bolsa. "Ainda que tenha acontecido uma valorização, a tendência é retornar ao valor justo. Pode ter certeza que boa parte de quem entrou agora não sabe analisar o mercado de resseguros. E para sair comprando uma ação, é preciso entender os fundamentos", diz o analista. Crise da IRB Brasil Em março de 2020, as ações do IRB Brasil desabaram após a Berkshire Hathaway, empresa de investimentos do bilionário Warren Buffet, ter afirmado que não é acionista da resseguradora brasileira e nem pretende ser. Circulava um boato, que embasou uma alta dos papéis, de que a holding de Buffet não só era acionista da empresa como pretendia aumentar sua participação. Segundo analistas do mercado, a história foi referendada por executivos em teleconferência da empresa antes de ser desmentida. De cerca de R$ 44, as ações foram para a casa dos R$ 7. O ataque especulativo visa a trazer o número de volta para a casa dos R$ 40, caso os investidores institucionais revisem as posições vendidas. Às 16h30, a ação da resseguradora estava cotada em R$ 7,45, alta de 14,3%. O volume financeiro das operações subiu 245% entre terça e quinta-feira. O IRB Brasil RE teve prejuízo líquido de R$ 229,8 milhões no terceiro trimestre de 2020, bem acima do resultado negativo de um ano antes (R$ 19,7 milhões). O retorno sobre o patrimônio líquido médio ficou negativo em 20%. As perdas, porém, vieram abaixo dos R$ 685,1 milhões no segundo trimestre, com retorno de -83,3% naquele período. 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