Compositores como Adoniran Barbosa, Clemente Nascimento, Criolo, Itamar Assumpção, Rita Lee e Tom Zé são autores de músicas que mapeiam a metrópole muito além do cruzamento da Ipiranga com a avenida São João. ♪ MEMÓRIA – Fundada em 1554, a cidade de São Paulo (SP) faz 467 anos nesta segunda-feira, 25 de janeiro de 2021, com trilha sonora diversificada que mapeia a alma da metrópole muito além do cruzamento da Ipiranga com a avenida São João. Ecoando o percurso emocional seguido na letra do samba-canção Ronda (Paulo Vanzolini, 1953), música referencial na trilha da cidade, essa esquina foi poetizada pelo baiano Caetano Veloso em verso de canção, Sampa (1978), que se impôs no imaginário nacional como uma das mais perfeitas traduções da alma da cidade ao lado do cancioneiro de Adoniran Barbosa (1910 – 1982), compositor paulistano que retratou São Paulo em sambas como o Samba do Arnesto (1953) e, claro, Trem das onze (1964). O afetivo recorte social de São Paulo na obra de Adoniran Barbosa também vem de imediato às mentes quando o assunto é a trilha sonora da cidade. Contudo, outros sons e ritmos compõem essa trilha, cuja variedade está afinada com as agudas diferenças comportamentais de população estimada em 12, 3 milhões de habitantes. Cidade que parece ter a dimensão social de um país, São Paulo também é a cidade que aglutina as comunidades pobres da zona sul em Fim de semana no parque (Mano Brown e Edi Rock, 1993), que abrange a Cohab City (Netinho de Paula, 1995) – sucesso do grupo de pagode Negritude Jr. – e que abriga As mina de Sampa perfiladas com acidez e admiração por Rita Lee em música feita com Roberto de Carvalho e gravada no álbum Balacobaco (2003). Perfeita tradutora musical da alma paulistana, Rita já expusera angústias dos paulistanos nos versos de E lá vou eu (1975), música que compôs para a trilha sonora da novela O grito (TV Globo, 1975 / 1976). Esses cidadãos angustiados que vivem em São Paulo na medida do impossível também frequentam “os bares cheios de almas vazias” denunciados por Criolo em Não existe amor em SP (2011), clássico instantâneo do álbum Nó na orelha (2011), marco na trajetória deste rapper criado no Grajaú, bairro periférico que inspirou Grajauex (2011), outra música desse disco que consagrou o artista. Na geografia social da cidade, o Grajaú está distante da Paulista, a avenida cheia de faróis prestes a abrir que parece conter um mundo inteiro – cenário da melancolia entranhada na letra de Paulista (1990), composição de Eduardo Gudin e J.C. Costa Neto lançada na voz límpida de Vânia Bastos. E, quando dá blackout na Paulista, é hora de ouvir o som underground de Itamar Assumpção (1949 – 2003), compositor de Sampa midnight (1983), um dos muitos destaques de obra retratou São Paulo por viés noturno e vanguardista. Itamar Assumpção (1949 – 2003) deixou obra autoral que retrata São Paulo com traços modernistas Vania Toledo / Divulgação Dentro desse universo modernista, cabe mencionar o flash cinzento de Ladeira da memória (Zécarlos Ribeiro, 1983) – hit alternativo do Grupo Rumo, contemporâneo de Itamar – e São Paulo, São Paulo (Oswaldo Luís, Mário Biafra, Claus Petersen, Wandi Doratiotto e Marcelo Galbetti, 1983), música do grupo Premeditando o Breque. “O clima engana, a vida é grana em São Paulo”, avisou, sério, o Premê, grupo associado ao humor. Baiano que se aclimatou em São Paulo, o compositor Tom Zé também sempre fez pulsar a veia crítica ao cantar a cidade. Basta ouvir São São Paulo, meu amor – música com a qual venceu festival de 1968 – e o samba Augusta, Angélica, Consolação (1973), endereço de aflições expostas pelo autor de Correio da Estação do Brás (1978). Se o também baiano Gilberto Gil fez em Punk da periferia (1983) há 38 anos o que se poderia chamar hoje de apropriação cultural, os legítimos punks mostraram que a chapa paulistana sempre esteve quente, sobretudo nas periferias. Clássico do cancioneiro do movimento punk que explodiu em Sampa no alvorecer dos anos 1980, Pânico em SP (Clemente Nascimento, 1982), petardo do grupo Inocentes, retrata bem a aflição provocada nas periferias pelo barulho de sirenes. São as sirenes tão fatais que a cidade tem demais, como alertaram os compositores Carlos Takaoka, Cláudio Carina e Sérgio P. Lopes em Documentário (1992), saborosa e pouco conhecida música que mapeia grande parte de São Paulo na voz de Rosa Marya Colin em gravação feita pela cantora com o guitarrista André Christovam no álbum Via paulista (1992). Clemente Nascimento é autor de 'Pânico em SP', clássico do punk paulistano dos anos 1980 Matheus Evandro / Divulgação Os sentimentos despertados pelas sirenes são bem diferentes da vibração criativa exposta por Marina Lima em #SPfeelings (2014) – música de álbum, Clímax (2014), pautado pela mudança da artista para a cidade de São Paulo (SP) após anos de vivência no Rio de Janeiro (RJ) – e da confiança juvenil de Mallu Magalhães na letra de São Paulo (2014). E por falar em juventude, Rua Augusta (Hervé Cordovil, 1964) – rock lançado há 57 anos pelo cantor Ronnie Cord (1943 – 1986) nos primórdios do universo pop brasileiro – permanece como retrato perene da adrenalina que guia os manos paulistanos de posse um carro. A Rua Augusta de Ronnie Cord exclui as paisagens mais escuras retratadas por Criolo e Emicida no rap Rua Augusta (Emicida e Casp, 2013), com versos sobre prostitutas cheias de hematomas na alma. Do rap ao samba, passando pelo punk e pelos traços vanguardistas da turma que deu novo rumo à música da cidade a partir de 1980, a trilha sonora de São Paulo é tão diversificada e interessante quanto a metrópole que hoje completa 467 anos de intensa vida urbana.