Segundo especialista, interesse dos investidores nesse mercado também foi sustentado pelo aumento das receitas do streaming. Bob Dylan durante show em Los Angeles em 2004 REUTERS/Rob Galbraith/Arquivo A pandemia desferiu um golpe devastador na indústria do entretenimento, mas o negócio da edição de obras musicais, até recentemente discreto, está ganhando novo impulso graças ao furor de vendas de catálogos de grandes artistas. Ter os direitos das discografias, permitindo receber royalties por cada uso de uma música, seja um download, uma cena de filme ou um anúncio, pode ser muito lucrativo a longo prazo. Os investidores perceberam a oportunidade e estão cada vez mais interessados nesse filão da indústria musical, cujas receitas despencaram com a crise da saúde. Alguns acordos recentes alcançaram cifras recordes, embora não tenham sido oficialmente confirmados: Bob Dylan vendeu seu acervo inteiro para a Universal Music Publishing por cerca de US$ 300 milhões, enquanto Stevie Nicks teria obtido US$ 100 milhões por sua participação majoritária no catálogo da banda Fleetwood Mac. O cantor canadense-americano Neil Young, Shakira e a dupla de Blondie também assinaram acordos por valores que não foram divulgados. Lindsey Buckingham e Mick Fleetwood, os outros membros do Fleetwood Mac, também anunciaram suas vendas, incluindo as dos direitos de "Dreams", a música de 1977 que ressurgiu e agora faz sucesso no TikTok. "Aposentadoria forçada" O aumento "fantástico" dos preços dos catálogos musicais começou antes de 2020, mas disparou com a pandemia, explica Nari Matsuura, sócia da Massarsky Consulting, empresa especializada em avaliação de catálogos. O interesse dos investidores nesse mercado, acrescenta Matsuura, também foi sustentado pelo aumento das receitas do streaming, que parecem estáveis no longo prazo, têm baixas taxas de juros e projeções de ganhos confiáveis para artistas que resistem bem à prova do tempo. Sem turnês e apresentações desde o início da pandemia de covid-19, os músicos agora buscam monetizar suas discografias, cujo valor continua aumentando. "Vemos nomes, artistas icônicos […] que nunca imaginamos que venderiam", diz Matsuura. Alguns decidem vender para aproveitar os altos lucros atuais. Outros também podem ser motivados por um possível aumento iminente dos impostos nos Estados Unidos com a chegada ao poder de Joe Biden. Para David Crosby, cantor e compositor estrela dos Byrds e cofundador da Crosby, Stills & Nash, que anunciou a venda de seu catálogo em dezembro, a pandemia é a maior responsável, ao privar os artistas de sua fonte de renda primária: os shows. "A principal razão é simplesmente que estamos todos em uma aposentadoria forçada e não há nada que possamos fazer a respeito", declarou ele à AFP em uma entrevista por videochamada de sua casa na Califórnia. "Eu não teria vendido se não tivesse sido obrigado", acrescentou, lamentando a política das plataformas de streaming, que em sua opinião pagam migalhas para a maioria dos músicos, exceto para os grandes nomes do momento. Apetite do mercado Entre as empresas na vanguarda dessas comercializações de catálogo estão a britânica Hipgnosis Songs Fund, que está listada na Bolsa de Valores de Londres desde 2018; a americana Primary Wave, que assinou o acordo com Stevie Nicks; e outros fundos de investimento, como Tempo Investments, Round Hill e Reservoir. Dirigida por Merck Mercuriadis, ex-empresário de Elton John, Beyoncé e Iron Maiden, Hipgnosis aponta em seu relatório de 2020 que a receita dos catálogos é imune aos movimentos do mercado: as pessoas "sempre consomem música" e, graças ao streaming, "quase sempre pagam para isso". "Embora não quiséssemos a pandemia para demonstrar isso, foi exatamente o que aconteceu", acrescenta Hipgnosis, que já gastou mais de US$ 1 bilhão para adquirir catálogos que incluem os de Neil Young, Blondie, Shakira e RZA. Para Jane Dyball, ex-diretora-geral da British Music Publishers Association, "sempre houve movimentos com os catálogos por trás dos bastidores". Mas as compras massivas recentes, da Hipgnosis em particular, lhes deram uma nova visibilidade e aumentaram as apostas. "Os mercados financeiros claramente parecem apreciar a edição musical", diz ela. Essa tendência preocupa Crosby, que, ainda que já tenha vendido suas músicas, sente falta dos dias em que eram os fãs que pagavam pelo trabalho dos artistas. Os termos dos contratos de venda de catálogo variam em cada caso e raramente são públicos. Porém, a multiplicação das transações possivelmente tornará as canções mais fáceis de usar em filmes ou comerciais, o que para este músico veterano é uma má notícia. De resto, quem chama de "vendidos" os artistas que monetizaram seu catálogo, como alguns fizeram nas redes sociais, "não sabe de nada e tem inveja", afirma Crosby. "Não posso oferecer um show e não me pagam pelas minhas gravações. Então, o que devo fazer?" O cantor David Crosby (ao centro), canta com manifestantes do movimento "Ocupe Wall Street" na praça Zucotti, em Nova York Mary Altaffer / AP