♪ Ter a discografia disponibilizada nas plataformas de streaming com áudio de alta resolução 24bit / 44.1kH – padrão sonoro superior ao habitual e compatível somente com alguns players digitais como Amazon HD e Tidal – motivou Ed Motta a comentar em redes sociais a obra fonográfica construída pelo artista desde 1988. Ao longo de 30 anos, o artista carioca lançou 15 álbuns em saga que, por enquanto, se encerra em 2018, ano em que o cantor, compositor e músico lançou o álbum Criterion of the senses. Ao passar a limpo essa trajetória fonográfica em série de saborosos textos postados nas redes sociais do artista, Ed Motta tem exposto dores e delícias de ser artista com personalidade própria em indústria habituada a padronizar sons e cantores. Ao descortinar os bastidores da indústria do disco em textos pautados pela honestidade e por certa severidade na avaliação da própria obra fonográfica, Ed Motta mostra como gira a máquina da música no Brasil nas grandes gravadoras. Apresentado ao país em 1988, com álbum assinado com a banda Conexão Japeri (“Passei muitos anos renegando meu primeiro disco, achava muito inferior ao que eu produzi depois, continuo pensando parecido, mas vejo grande graça e qualidade nesse disco sobretudo por ser capitaneado por um menino de 15 anos”), Ed já mostrou que não seria mais um na multidão com o segundo álbum, Um contrato com Deus (1990). “Gravei esse segundo disco junto com Bombom, que foi uma escola imensa na minha música. Várias inversões de acordes que faço até hoje, aprendi com ele, (assim) como organizar uma linha de baixo interessante, como fazer um arranjo de base. Gravamos o disco a quatros mãos, tocando todos os instrumentos, baixo, guitarra, bateria, teclados, e como tinha orçamento sobrando, o sonho de ouvir cordas e uma formação grande de sopros arranjadas pelo lendário Orlando Silveira”. Capa do álbum 'Entre e ouça', disco de 1992 que provocou desentendimento entre Ed Motta e a gravadora Warner Music Arte de Edna Lopes Como o artista revela nos textos, os problemas de Ed com a indústria do disco – no caso, com a gravadora Warner Music – começaram com a gestação do terceiro álbum, Entre e ouça (1992). “Depois de meses gravando com a dedicação de sempre, a gravadora dizia que não queria lançar o álbum, a equipe odiava, não entendia o disco. A proposta feita na época para que o disco fosse lançado era uma música forte para o rádio, um novo Manuel, que se chocava com a estética proposta pelo Entre e ouça, com harmonias inusitadas, solos com sotaque do jazz”, recorda o cantor. Ed resistiu às pressões e Entre e ouça foi lançado, mas, boicotado pela própria gravadora, jamais teve impulso no mercado. Começou então a pressão para a edição de álbum ao vivo que, na visão da gravadora, equilibraria as contas. Ed Motta ao vivo (1993) foi, para o cantor, carta de alforria que o livrou do contrato com a Warner Music. “Não me envolvi com nada desse disco, mixagem (cheia de reverbs longos, se batendo etc), capa (diferença gritante para as outras). Me lembro que meu troco, pelo boicote sofrido no Entre e ouça, era não dar entrevistas sobre um disco em que eu não acreditava. Eu respeito e agradeço imensamente quem gosta do disco, querendo ou não é minha obra, mas esse disco é um capítulo amargo na minha discografia”, sentencia Ed. Livre do contrato, o artista se mudou para Nova York (EUA), cidade onde curiosamente descobriu a música requintada de compositores brasileiros como Guinga, amor à primeira audição. Na volta ao Brasil, Ed passou a se dedicar a fazer trilha sonoras. Até que surgiu a oportunidade de gravar álbum para a gravadora MCA, então novata no mercado nacional. Contudo, o bem-sucedido álbum Manual prático para festas, bailes e afins (1997) representaria amargo regresso para o mercado fonográfico no entender de Ed. Por estar sem dinheiro na época, o cantor foi obrigado a se submeter à formula do sucesso seguida por produtor escolhido à revelia do cantor, Liminha (nome omitido por Ed no texto sobre o disco que gerou o hit Fora da lei, parceria com Rita Lee). “Foi um disco que durou muito no estúdio (sete meses), não por esmero, mas (por ter) muita cabeça batendo, ideias opostas sobre quase tudo. Emocionalmente, eu fui adoecendo de verdade, culminando numa operação que fiz nas minhas cordas vocais assim que o disco ficou pronto. A tour desse disco foi um alívio. Era a forma que eu tinha de escutar aquelas composições com banda, com músicos de verdade, sem as baterias eletrônicas que detesto até hoje”, relembra o artista. Ed retomou o controle da própria obra ao assumir a produção musical do álbum seguinte, As segundas intenções do manual prático… (2000), se encarregando de fazer ao menos uma faixa radiofônica (Colombina, segunda parceria com Rita Lee). Desde então, o artista manteve a independência artística. Fez Dwitza (2002) – “o Entre e ouça da fase adulta” – e, ao assinar contrato com a gravadora Trama, seguiu o próprio manual nos álbuns Poptical (2003), Aystelum (2005), Chapter 9 (2008) e Piquenique (2009), todos amados pelo criador. “O artista deve seguir na missão de comunicar a bênção que lhe é concedida, levando o melhor para as pessoas, e não o enlatado que a indústria inventa”, defende o cantor em um dos textos que devem ser lidos na íntegra por quem se interessa em saber porque alguns artistas se recusam a dançar conforme a música dos outros.