Disco traz samba gravado com Joyce Moreno e destaca bolero composto pelo artista com letra de Carlinhos Brown. Capa do EP 'Todos nós', de Davi Moraes Divulgação Resenha de EP Título: Todos nós Artista: Davi Moraes Edição: Biscoito Fino Cotação: * * * 1/2 “No meu andar de passista / A minha alma de artista / Deixa o corpo / E voa / Ao exalar-se etérea / Ali mesmo onde a matéria ainda não / Povoa”. ♪ Os versos escritos em 2018 por Moraes Moreira (8 de julho de 1947 – 13 de abril de 2020) – para letra entregue a Joyce Moreno para que a compositora fizesse a melodia, abrindo parceria com o compositor baiano – soam tristemente premonitórios quando ouvidos na cadência do samba, na voz da própria Joyce, na abertura da gravação feita em 30 de agosto de 2019 para EP que Davi Moraes lança nesta terça-feira, 5 de janeiro de 2021. Como sabido, há nove meses, a alma do alquimista novo baiano deixou o corpo de 72 anos, o que confere sentido profético ao samba Aquele abraço do Gil, a primeira parceria de Joyce com Moraes e a segunda das quatro faixas do disco de Davi, Todos nós. Como denota o título do EP produzido pelo artista com Kassin, Todos nós, o disco é gregário e, da união de Davi com músicos amigos, faz-se celebração coletiva a Moraes Moreira. Gravado com arranjo de Davi e Joyce, Aquele abraço do Gil é samba que cai na suingueira já conhecida pelos seguidores da obra da compositora carioca. A letra alude ao samba Aquele abraço, com o qual Gilberto Gil se despediu do Brasil em 1969 ao partir para o exílio involuntário. O suingue do toque da guitarra de Davi mostra que, mesmo sem Davi ser cantor da dimensão do instrumentista, o músico segura a onda. Das três músicas inéditas do EP Todos nós, a joia de maior quilate é Aos santos, neobolero composto por Davi com letra escrita posteriormente por Carlinhos Brown, percussionista convidado da gravação produzida com maestria com o toque acústico do contrabaixo de Kassin e com o piano e synth de Rodrigo Tavares. Na letra de Brown, alguns versos também se insinuam premonitórios – “Você foi embora / Me deixou aos prantos / …. / Fiquei sem respostas / Sem tocar na banda” – corroborando a sensação de que “a vida não é só aquilo que se vê” e de que conjunção astral pode ter armado com antecedência as tramas e trilhas desse disco que marca a estreia de Davi Moraes na gravadora Biscoito Fino. Completando a trinca de inéditas, Davi dá voz a O cantor das multidões, composição de Mu Carvalho – músico integrante d'A Cor do Som, banda descendente dos Novos Baianos – em parceria com Tuca Oliveira que louva Moraes em letras com tons biográficos. Mu toca piano na faixa, também gravada com o baixo de Dadi Carvalho, outro músico da formação original d'A Cor do Som, banda criada em 1977 a partir do núcleo de músicos arregimentados para tocar com Moraes Moreira quando o cantor iniciou carreira solo em 1975 na sequência quase imediata da saída do grupo Novos Baianos. Única regravação do EP, o choro Davilicença – parceria de Moraes com Armandinho Macedo lançada por Moraes no segundo álbum solo do cantor, Cara e coração (1977) – ressurge nas vozes de Davi e Marina Lima. Embora estranha no ninho novo baiano, Marina faz participação afetiva justificada por ter sido testemunha da criação da composição e por ser prima da mãe de Davi e ex-mulher de Moraes Moreira, Marília Mattos (1951 – 2020), cuja alma também deixou o corpo no ano passado. O título do EP Todos nós reproduz o nome da primeira composição de Davi Moraes, lançada pelo autor em dueto com o pai, em gravação feita para Bazar brasileiro (1980), álbum que flagrou Moraes Moreira no auge criativo. Passados 41 anos da edição deste disco de Moreira, Todos nós amplia o sentido original no espírito gregário que move o EP em que Davi Moraes expia dores e encara lutos ao mesmo tempo em que celebra a nobre herança musical recebida do pai.