Com pérolas raras como o samba-canção 'Remorso', o disco sai na sexta-feira, 11 de dezembro, dia em que o compositor carioca faria 110 anos. Capa do álbum 'Outras bossas', de Jacque Falcheti e Retrato Brasileiro Arte de Yuri Reis Resenha de álbum Título: Outras bossas Artista: Jacque Falcheti e Retrato Brasileiro Edição: Gravadora Experimental Cotação: * * * * ♪ O samba e as outras bossas da obra do compositor carioca Noel de Medeiros Rosa (11 de dezembro de 1910 – 4 de maio de 1937) são coisas nossas nem sempre valorizadas pelo Brasil. A cantora Jacque Falcheti e o trio Retrato Brasileiro – formado pelos músicos Gabriel Peregrino (vibrafone), Guilherme Saka (guitarra) e Théo Fraga (contrabaixo) – dão e agregam valor às coisas de Noel Rosa no álbum apropriadamente intitulado Outras bossas. Com capa criada por Yuri Rei com inspiração na Pop Art, o álbum Outras bossas tem lançamento programado para sexta-feira, 11 de dezembro de 2020, dia do 110º aniversário de Noel. O álbum Outras bossas é um dos dois tributos fonográficos – o outro é EP do grupo carioca Salvadores Dali, também agendado para 11 de dezembro – aos 110 anos deste compositor que derrubou as fronteiras entre o samba do morro e o do asfalto nos anos 1930 com cancioneiro espirituoso que vale por tratado de modas e costumes da cidade do Rio de Janeiro (RJ) na década em que a indústria do disco começou a se consolidar em conexão com a expansão do rádio. Gravado entre os dias 16 e 21 de dezembro de 2019 nos estúdios da Faculdade de Tecnologia de Tatuí (SP), com produção musical e arranjos orquestrados por Jacque Falcheti com o trio Retrato Brasileiro, o álbum Outras bossas chega ao mundo um ano depois e soa relevante porque joga luz sobre músicas pouco conhecidas da obra do compositor e – mais importante – porque reapresenta 10 músicas de Noel Rosa em inusitada formação musical que combina vibrafone, guitarra e contrabaixo de forma surpreendente. A luminosa abordagem da embolada Minha viola (1929) exemplifica com maestria as intenções da cantora e do trio. Com a adição de estrofe metalinguística sobre o disco e a própria gravação de Minha viola, a embolada ganha células rítmicas do samba em faixa em que, assim como no disco, a guitarra por vezes simula a batida de tamborim, o contrabaixo sugere o toque grave do surdo e o vibrafone soa como repique de anel. O vibrafone, aliás, sobressai no arranjo de João ninguém, samba de 1935. A cantora Jacque Falcheti e o trio Retrato Brasileiro reapresentam 10 músicas de Noel Rosa no álbum 'Outras bossas' Matheus Assim / Divulgação Entre as pérolas pescadas na obra do compositor, o foxtrote Estátua da paciência – composto por Noel com Jerônimo Cabral, editado em 1931 e lançado em disco somente em 1983 pelo conjunto Coisas Nossas – é música ainda rara que contabiliza somente seis registros fonográficos, já incluída na lista a gravação do álbum Outras bossas. Do baú de Noel, Jacque Falcheti e Retrato brasileiro enfocam Mulato bamba, samba de 1931 – lançado em disco em 1932 na voz macia de Mário Reis (1907 – 1981) – em que o compositor foi pioneiro ao perfilar valente homem gay do Morro do Salgueiro, o mulato forte do título que “não quer saber de fita / Nem com mulher bonita”, mas que, vítima de homofobia, vivia “aborrecido” por ser “perseguido”. Até então somente com três gravações, o samba Maria Fumaça (1936) reitera o dom de Noel Rosa para perfilar homens e mulheres fora da moldura social – no caso, cidadã que bebe, fuma, rouba e faz pirraça e graça da própria desgraça. Com canto manemolente que a habilita a encarar sambas como Tipo zero (1934), cuja gravação expõe o dom do trio Retrato Brasileiro de evocar com frescor a sonoridade dos conjuntos regionais da fase pré-Bossa Nova, Jacque Falcheti se afina com o grupo ao longo das 10 faixas do álbum Outras bossas. Pérola rara da seleção do disco, ambientada em atmosfera camerística, o samba-canção Remorso – composto em 1934 e apresentado em disco, em 1956, pela cantora Marília Batista (1918 – 1990), importante intérprete da obra de Noel Rosa – eleva a cotação do álbum Outras bossas no mercado fonográfico porque se trata do segundo registro fonográfico desta composição de grande beleza e letra lapidar. “Remorso é acompanhar o enterro / De um grande erro / Que não se pôde consertar / Remorso é sonhar acordado / É sentir no presente o passado / É ver nas trevas um vulto / Que ameaça descobrir o segredo mais oculto”, poetiza Noel, bamba das letras. A cantora Jacque Falcheti em estúdio, na gravação do álbum 'Outras bossas' Divulgação Outra joia rara lapidada no disco é o samba Você é um colosso, composto em 1934 e lançado em disco somente em 1959 na voz de Aracy de Almeida (1914 – 1988), outra cantora referencial na obra de Noel Rosa. Trata-se da terceira gravação do samba. Mais gravado, mas ainda assim pouco conhecido, o samba Meu barracão (composto em 1933 e lançado em disco em 1934 pelo cantor Mário Reis) reforça o apuro da pesquisa da obra de Noel Rosa empreendida por Jacque Falcheti e Retrato Brasileiro antes da gravação do álbum Outras bossas. Introduzido por citação instrumental de São coisas nossas (1932), Samba da boa vontade (1931) encerra o disco Outras bossas com injeção de otimismo necessário nestes tempos pandêmicos. Sim, entre outros méritos, o álbum da cantora Jacque Falcheti com o grupo Retrato Brasileiro expõe a obra de Noel Rosa até como a vacina que produz ânimo para enfrentar a vida com dose de boa vontade.