Medidas de estímulo fiscal anunciadas no Brasil equivalem a 9,4% do PIB, o dobro da média de países emergentes. Especialistas destacam que afrouxamento das medidas de restrição ocorreu de maneira mais rápida e que quarentena foi menos rígida por aqui. O ministro da Economia, Paulo Guedes, durante a cerimônia de prorrogação do auxílio emergencial a trabalhadores informais, no Palácio do Planalto, em Brasília DIDA SAMPAIO/ESTADÃO CONTEÚDO O tamanho do pacote de estímulo fiscal do governo foi determinante para a forte reação da economia brasileira no 3º trimestre, que cresceu 7,7%, segundo dados divulgados nesta quinta-feira (3) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) camufla uma baixa eficiência no controle da pandemia no país, que atrapalha as perspectivas para o crescimento do Brasil em 2021, segundo economistas ouvidos pelo G1. Ainda que o Brasil tenha mostrado um ritmo de recuperação similar ao das grandes economias, o volume de estímulos e de ajuda do governo por aqui foi bem superior ao desembolsado por países emergentes e até mesmo desenvolvidos no combate do coronavírus. A resposta do governo para a crise ajudou a evitar um tombo ainda maior da economia em 2020 e garantiu algum alívio para empresas e trabalhadores que se viram de uma hora para a outra sem renda. Mas, sob o aspecto sanitário, o Brasil aparece como o segundo país com maior número de mortes por Covid-19 no mundo e o terceiro em número de casos confirmados, segundo monitoramento da Universidade Johns Hopkins. “Exatamente pelo fato da pandemia estar sendo tão mal combatida no Brasil sob o ponto de vista de saúde, isto está forçando uma reação mais forte em termos de intervenção de gasto do governo. Então fica um resultado um pouco enganador. O PIB acabou caindo menos por aqui porque tem este estimulante artificial”, afirma Fernando Veloso, pesquisador do Ibre/FGV. PIB trimestre a trimestre Guilherme Luiz Pinheiro/G1 Na avaliação do economista, à medida que os programas de auxílio forem encerrados, as consequências da ineficácia no combate à pandemia na trajetória de recuperação da economia brasileira ficarão mais evidentes. Brasil se aproxima de 175 mil mortos por Covid-19 País vive 'início de 2ª onda' de Covid por falta de testes, de política centralizada e de isolamento social, apontam pesquisadores “A ineficácia vai cobrar um preço muito alto. Não agora de imediato, mas no ano que vem porque não tem como estender esses auxílios todos, e com esse combate ruim da pandemia o mercado de trabalho não vai se recuperar bem também. A taxa de desemprego já está subindo, a informalidade também deve voltar com força, então isso impede que outros mecanismos econômicos, principalmente o investimento privado, substituam o auxílio emergencial que vai acabar”, avalia. Os gastos do governo anunciados para combater os efeitos da pandemia já somam R$ 615 bilhões, segundo o Tesouro Nacional. Levantamento do Banco Central, a partir de dados do FMI (Fundo Monetário Internacional), mostra que as medidas de estímulo fiscal direto anunciadas no Brasil equivalem a 9,4% do PIB, o dobro da média dos países emergentes e inferior apenas ao de países como Japão (16,2% do PIB), Canadá (12,4%) e EUA (12,2%). Veja no gráfico abaixo: Estímulo fiscal na pandemia em países selecionados Economia G1 Para o economista Sergio Vale, da Consultoria MB Associados, diante do volume do gasto para estimular a economia seria desejável uma recuperação até mesmo mais forte do que a observada no Brasil, onde apenas parte dos setores eliminaram as perdas da fase mais aguda da pandemia. O setor de serviços, que possui o maior peso no PIB e o que mais emprega, continua bastante prejudicado, principalmente por reunir atividades tipicamente de aglomeração e que dependem do controle da pandemia para voltarem à normalidade. “A recuperação observada no PIB de todos os países no terceiro trimestre, com números significativos, não foi muito diferente do resultado do Brasil. A questão é que, dado que a gente colocou esse caminhão de recursos monetários e fiscais, talvez era para ter tido uma recuperação ainda mais esfuziante, ainda mais forte”, afirma. Os melhores e os piores países para se estar na pandemia O economista lembra também que, por aqui, o afrouxamento das medidas de restrição e do isolamento social ocorreu de maneira mais rápida do que a observada em outros países. "Na verdade não teve um lockdown como a gente viu acontecer na Europa, a gente não parou totalmente. É preciso colocar na conta também que a nossa quarentena foi muito mais frágil. Será que se o Brasil tivesse feito um lockdown mais agressivo do que um fajuto o nosso PIB não teria caído muito mais e a gente estaria falando de números muito piores? Eu acho que sim”, opina. Vidas perdidas e segunda onda de Covid-19 Ainda que a Europa esteja passando por uma segunda onda de Covid-19, o maior rigor e eficiência no combate à pandemia lá atrás garantiu não só uma recuperação rápida de parte das perdas do 2º trimestre como também a redução do número de mortes e contaminações. "Lá fora o lockdown foi severo e o controle da pandemia funcionou. Com certezas os estudos vão mostrar que a gente permitiu que muitas vidas fossem perdidas por conta de um lockdown mal feito lá no início", critica Vale. "Esse meio do caminho que a gente teve ali em julho, agosto, com números ainda muito fortes, médias diárias de 1 mil mortes, talvez isso poderia ter sido evitado. Poderíamos eventualmente estar entrando numa segunda onda agora, mas com a perspectiva logo à frente que está vindo agora de uma vacina. A gente poderia teria economizado, salvado muitas vidas nesse período se tivéssemos feito algo mais agressivo” , continua. Na visão do analistas, a piora da situação fiscal e a pandemia ainda fora de controle por aqui também atrapalham as perspectivas para uma retomada sustentável da economia brasileira. A avaliação é que o ritmo de recuperação irá desacelerar significativamente já no 4º trimestre, com a redução do auxílio emergencial, aceleração da inflação, incertezas relacionadas à recuperação do mercado de trabalho e dúvidas sobre a capacidade do governo de dar prosseguimento à agenda de reformas estruturais o Congresso. "A preocupação agora é como vai ser o quarto trimestre, com o auxílio emergencial menor e a pandemia voltando. Vamos ter um dezembro provavelmente com as pessoas ficando mais restritas", diz Vale. Comparativo de dívidas Economia G1 Segundo Paloma Anós Casero, diretora do Banco Mundial para o Brasil, o alto gasto do governo com estímulo fiscal ajudou a conter o índice de pobreza do país em meio à crise. No entanto, o desafio para 2021 é lidar com os efeitos de uma segunda onda da Covid-19 e as dificuldades para distribuir a vacina em todo mundo. "O estímulo fiscal aumentou muito o déficit público. É preciso manter o momento de reformas econômicas estruturais para aumentar a renda per capta e manter o crescimento do país", afirma Paloma. Estimativas da instituição financeira apontam para um déficit público de 93,5% do PIB brasileiro em 2020 — o maior entre os BRICs (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Em 2019, esse percentual foi de 75,8%. Na Índia, a dívida deve chegar a 90,4% do PIB, enquanto na China, a projeção é de 52,4%. Piora das contas públicas preocupa e pode atrapalhar a retomada da economia Apesar das notícias promissoras sobre vacinas contra a Covid-19, os analistas afirmam também que não se pode descartar por enquanto a necessidade de prorrogação dos estímulos para o começo de 2021. “Já tem um debate em torno disso. O governo não reconhece, mas já têm parlamentares propondo isso", afirma Veloso. "Quanto mais ineficaz for o combate à pandemia, mais isso vai atrapalhar o crescimento do ano que vem", acrescenta. Juliana Inhasz, coordenadora de economia do Insper, concorda com Veloso sobre a necessidade de prorrogar os estímulos e destaca a "difícil herança fiscal" que o Brasil vai carregar em 2021: "Devemos romper 2021 com déficit e perspectiva de dívida maiores, e o governo com pouco espaço para corte. Levando isso em consideração, ele [governo] vai ter que encontrar um jeito para se financiar ou vai complicar ainda mais as contas públicas e prejudicar sua credibilidade no mercado", analisa a economista. Initial plugin text