Em entrevista ao G1, cineasta britânico fala sobre como queria trazer o conceito, presente em quase todos os seus filmes, para o 1º plano: 'é uma experiência sensorial, não intelectual'. Uma bala de revólver deixa o buraco em uma parede e, desafiando as leis da física, volta para o cano da arma até se alojar no pente. Essa imagem habitou por muito tempo a mente do cineasta britânico Christopher Nolan – o suficiente para criar raízes, crescer, e dar origem a seu novo filme, o ambicioso "Tenet". O primeiro grande lançamento dos cinemas no Brasil após a reabertura de algumas salas estreia nesta quinta-feira (29) como o ápice de um tema comum a quase toda a carreira do diretor e roteirista de 50 anos. G1 JÁ VIU: 'Tenet' tem ótimas cenas de ação em um dos piores roteiros de Christopher Nolan Na trama de espionagem com toques de ficção científica, o tempo é a grande estrela, verdadeiro protagonista de belas e inventivas cenas de ação, com objetos e até pessoas presos em uma existência de trás pra frente, do futuro para o passado. Assista ao trailer de 'Tenet' Mas tudo começou com um projétil, há mais de 20 anos. "Enquanto escrevia o filme, algo que eu fazia há um bom tempo, eu meio que topava com imagens e símbolos com os quais vinha trabalhando ao longo dos anos", diz Nolan ao G1, em entrevista por telefone. "Em particular o tema da bala sendo sugada da parede de volta para uma arma. Isso é algo que aparece de forma metafórica ou simbólica em 'Amnésia'." Christopher Nolan conversa com John David Washington durante gravações de 'Tenet' Divulgação Desde seu segundo filme (e primeiro sucesso), que em 2000 conquistou a crítica com a história de um homem com a inabilidade de gravar memórias recentes, o cineasta dá pistas de sua paixão pela passagem do tempo. Maior exemplo disso está em "A origem" (2010), que exibia linhas temporais cada vez mais dilatadas conforme os heróis se aprofundavam em diferentes camadas de sonhos – mas variações também estão presentes em grande parte de sua obra, como "Interestelar" (2014) e "Dunkirk" (2017). "Você para e percebe que o tempo é o mais cinemático dos assuntos. Ele é unicamente qualificado como um tema para um filme. Enquanto escrevia 'Tenet', eu queria realmente tentar trazer essa qualidade para o primeiro plano e dar ao público uma experiência que não pode ser lida em um roteiro, não pode ser discutida", diz o diretor. "Ela tem de ser filmada e vivenciada para poder realmente ser entendida em um nível emocional ou instintivo. É uma experiência sensorial, não intelectual." Jack Cutmore-Scott, John David Washington e Robert Pattinson em cena de 'Tenet' Divulgação Ganhando tempo Em "Tenet", um espião sem nome (John David Washington) aceita a missão de impedir uma possível guerra mundial. O filme ainda conta em seu elenco com nomes como Robert Pattinson ("O farol"), Elizabeth Debicki ("As viúvas"), Aaron Taylor-Johnson ("Animais noturnos") e Michael Caine, parceiro de Nolan na trilogia de "Cavaleiros das Trevas" e em outras de suas obras. Através do traficante de armas milionário interpretado por Kenneth Branagh ("Assassinato no expresso do Oriente"), uma entidade misteriosa ameaça a realidade com o poder de inverter a entropia de objetos ou até de pessoas – o que significa, na narrativa, que eles passam a existir de trás para a frente. Apesar do conceito temporal, o filme é um dos mais lineares da carreira de Nolan, que na maior parte do tempo desiste de pular pela narrativa, uma das grandes marcas de seu trabalho. Elizabeth Debicki e Kenneth Brannagh em cena de 'Tenet' Divulgação Nolan sabe Mesmo assim, o britânico não abre mão de outra de suas características principais e omite respostas a muitas das maiores possíveis revelações da trama. Assim como no peão ao final de "A origem", o cineasta prefere deixar o público chegar às suas próprias conclusões. É uma opção consciente. Ele sabe das respostas, mas escolhe dar o poder ao espectador. "Eu certamente tenho mais conhecimento e respostas e acesso a informação que os personagens e o público. Mas quando você lida com coisas que são literalmente inconcebíveis, você tem que respeitar isso como criador, mesmo enquanto está estabelecendo uma nova realidade", afirma Nolan. "Se você tenta lidar com algo que pode ser real em algum nível, mas que pode ter implicações filosóficas interessantes, também tem de respeitar uma maior ambiguidade em relação à sua própria experiência pessoal e libertar o espectador." Christopher Nolan e John David Washington em gravação de 'Tenet' Divulgação Você não está sozinho Se serve de consolo, o comportamento do diretor não se limita ao público. Washington – ator que herdou o carisma do pai, Denzel – conta ao G1 que passou por algo parecido. O protagonista, revelado ao grande público como a estrela de "Infiltrado na Klan" (2018), passou por algo parecido. Depois de voltar para a casa dos pais, em Los Angeles, no começo da pandemia, ele assistiu ao filme com a família, e discutiu com eles a conclusão da história – mas não com o cineasta. O que não significa que o britânico seja fechado a perguntas. Washington ri ao perceber que não chegou a debater as maiores revelações com seu diretor, mas diz que ele estava sempre aberto a colaborações. John David Washington e Elizabeth Debicki em cena de 'Tenet' Divulgação "O que me surpreendeu em relação às respostas de Nolan às minhas perguntas era que ele me deixava entender sozinho. Ou então me guiava, avisava se eu não estava no caminho certo, mas também me deixava descobrir e usar minhas próprias interpretações do que ele escreveu", afirma o ator de 36 anos. "E o que era mais surpreendente, e que me deixou mais feliz, é que ele usou essas coisas. Estão no filme, em alguns dos aspectos da minha atuação, e até falas que eu improvisei." VÍDEOS: Semana Pop explica temas do entretenimento