Pecuária foi incentivada pelo governo federal em uma época em que não havia preocupação com desmatamento. Na década de 1970, anúncios convocavam produtores a ocupar 'o maior pasto do mundo'. Publicidade do governo em que incentivava a migração para a Amazônia, de dezembro de 1971 Reprodução/ Acervo O Globo "Toque sua boiada para o maior pasto do mundo", dizia uma propaganda do governo federal nos anos 1970, que incentivava produtores rurais a ocuparem a Amazônia. A iniciativa deu certo. Atualmente, os estados da região concentram 41,6% do rebanho bovino do Brasil, segundo o IBGE. Criação de gado no Brasil em 2019 Rodrigo Sanches/G1 A chegada da produção agropecuária na Amazônia já era estimulada pelo governo desde a década de 1950, segundo pesquisadores. O que criadores e frigoríficos fazem para evitar o desmatamento na Amazônia A intenção era ocupar uma região extensa do país, para evitar que fosse invadida por estrangeiros. Na época, não havia a preocupação com o desmatamento e seus efeitos, diferentemente do que ocorre desde os anos 1990. A plataforma Mapbiomas aponta que, entre 1985 e 2018, 41,9 milhões de hectares de floresta viraram pastagem. Isso significa que 88% do incremento da área de pecuária na região veio da derrubada de florestas. Desmatamento na Amazônia entre 1985 e 2018 Rodrigo Sanches/G1 Os dados não separam o que foi desmatamento ilegal e o que foi abertura de área, como é chamado o desmatamento legal. Produtores e especialistas ouvidos pelo G1 dizem que foi o incentivo do governo brasileiro no passado que contribuiu para o crescimento da pecuária na região. Ocupação Com o lema "integrar para não entregar", a ditadura militar (1964-1985) prometia facilidades para a compra de terras públicas para quem migrasse para a região amazônica. “O governo tinha uma política de ocupação da Amazônia e as pessoas iam para lá por causa da terra barata. Você teve uma ocupação mais ou menos desordenada, isso é uma das raízes do problema”, contextualiza Marcelo Stabile, pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). Entre 1985 e 2018, 41,9 milhões de hectares, uma área maior do que a Alemanha, de florestas viraram pastagens, segundo a plataforma Mapbioma. Quando o sistema mostra aparecimento de pastagens é um indicativo de que há atividade pecuária no local. Atualmente, segundo o Mapbioma, a Amazônia tem 52,9 milhões de hectares em pastos, cerca de 10% da área total do bioma (cerca de 550 milhões de hectares). Os pesquisadores do Mapbioma estimam que 80% das áreas desmatadas na Amazônia nos últimos 33 anos foram usadas para a formação de pastos. Os dados do Mapbiomas não separam o que foi desmatamento ilegal e o que foi abertura de área, como é chamado o desmatamento legal. Stabile, do Ipam, explica que, na época da ocupação, não havia preocupação com os efeitos ao meio ambiente que o desmatamento poderia provocar, consciência que começou a surgir nos anos 1980 e que ganhou fôlego após a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente no Rio de Janeiro (Rio 92). Em 1981, o governo federal começou a monitorar o desmatamento da Amazônia por satélite, para avaliar o avanço da derrubada da floresta e seus efeitos Nos anos 2000, a ocupação da Amazônia e as consequências do desmatamento começaram a ser ainda mais estudadas e o tema ganhou urgência. Em 2012, o governo federal aprovou o novo Código Florestal, que é a legislação ambiental do país. Ele trouxe regras para a produção agropecuária na Amazônia. De acordo com a lei, o produtor rural da região tem direito a desmatar 20% da fazenda para a atividade. Os outros 80% devem ser preservados. O Código Florestal também deu anistia de multas e punições para produtores rurais que desmataram antes do dia 22 de julho de 2008. Depois desta data, o agropecuarista que desmatou ilegalmente deverá ser punido. A pecuária e o desmatamento Guilherme Pinheiro e Amanda Paes/G1 Já em 2019, a ligação entre agropecuária e o desmatamento da Amazônia ganhou proporções internacionais. Ameaças de boicote e até o fim das compras de produtos brasileiros foram vistos no ano passado. E para evitar a fuga de investidores no país, o governo anunciou no início do ano o Conselho da Amazônia, comandando pelo vice-presidente Hamilton Mourão. O objetivo do colegiado é organizar ações entre ministérios para "proteção, defesa e desenvolvimento sustentável da Amazônia". A criação do conselho foi comemorada por lideranças do agronegócio. Elas acreditam que a medida mostrará o compromisso do Brasil contra o desmatamento, especialmente o associado ao setor. Desde a criação do Conselho da Amazônia, Mourão se reuniu com investidores e empresários que pediram mais rigor no combate ao desmatamento. Tática comum para a grilagem Um dos motivos apontados pelos produtores rurais é de que a pecuária é escolhida porque é a forma de produção mais simples de se implementar, devido à falta de infraestrutura da região amazônica. O setor pecuário argumenta que esses grileiros não são produtores profissionais e não fazem criação de gado com objetivo comercial. Desmatamento na Amazônia Paulo Whitaker/Reuters Segundo Marcelo Stabile, pesquisador do Ipam, a maior parte da ocupação ilegal de terras costuma ser feita com a criação de gado. "O gado vem andando, para produzir soja, neste caso, não teria infraestrutura para levar maquinário e insumos", afirma Stabile. Neste contexto, grileiros usam o gado para “esquentar” a área, ou seja, para escapar da fiscalização e conseguir o título da terra, eles simulam que a área é uma propriedade rural sem registro. “Desmatar não é fácil e nem barato. A pecuária acaba sendo a forma menos complicada e de baixo investimento para ocupar uma área para especulação e grilagem. É uma desculpa para o grileiro justificar o uso da terra (e conseguir o título da área)”, explica Stabile. Conquistando a posse da terra, o grileiro consegue vender a área para um produtor rural ou empresa do setor. Tornando a prática lucrativa. “No fim, o ganho dele (grileiro) não é com a produção de carne, mas com a venda da terra”, diz o pesquisador. Neste cenário, a medida provisória de regularização fundiária – que o governo editou em dezembro e que perdeu validade em maio – gerou temor de brecha para legalizar grileiros na região. O texto agora é discutido em forma de projeto de lei e restringe boa parte das críticas feitas por ambientalistas. Após o vencimento da MP, o governo anunciou que vai começar a fazer a regularização fundiária de produtores rurais da Amazônia com o uso de georreferenciamento e baseada na lei atual (que foi criada em 2009). Mais boi do que gente Hoje, mais de 40% do rebanho brasileiro está nos estados que compõem a Amazônia Legal (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e Maranhão). São mais de 89 milhões de animais e cerca de 29 milhões de pessoas. O Brasil tem, segundo dados do IBGE, mais de 214 milhões de bovinos, isso dá quase mais de um animal por cidadão do país (somos 212 milhões de pessoas). Homens tocam gado em fazenda ao longo da Rodovia Transamazônica perto de Uruará (PA) Nacho Doce/Reuters A pecuária é a principal atividade do agronegócio no bioma Amazônia (característica de vegetação que compreende boa parte dos estados da Amazônia Legal).