Ao G1, cantora relembra clássico que vendeu 33 milhões de cópias e revela projetos de biografia e monólogo na Broadway. 'É irônico que não tenha ironias', diz, ao comentar maior sucesso. Alanis Morissette tinha 21 anos quando apareceu fazendo pop rock cheio de raiva e peso. Lançado em 1995, "Jagged Little Pill" já vendeu mais de 33 milhões de cópias. Nem todo mundo sabe, mas era o terceiro álbum dela. Alanis tinha lançado dois álbuns de pop dançante. Outra informação que surpreende muita gente é a ligação da cantora canadense com nomes então emergentes do rock. “You oughta know”, primeiro single, tinha o baixista Flea, do Red Hot Chili Peppers, e o guitarrista Dave Navarro, do Jane’s Addiction. A banda que a acompanhava nas turnês contava com o baterista Taylor Hawkins, que depois iria para o Foo Fighters. Em entrevista por telefone, ela falou sobre o começo da carreira e sobre o álbum mais recente, "Such Pretty Forks in the Road". Lançado no fim de julho deste ano, ele tem repertório ainda confessional, desta vez sobre maternidade, insônia, depressão e outras angústias. Alanis também adiantou projetos que tem a ver com teatro (monólogo na Broadway), literatura (uma série de livros) e meditação. Alanis Morissette canta 'Ablaze' com a filha no colo em vídeo para o programa 'The Tonight Show' Reprodução/YouTube/Jimmy Fallon G1 – Eu sei que quando você está escrevendo, você diz que não se censura. Foi assim neste álbum? Alanis – Sim, mais ainda até. Eu acho que quando eu era mais nova, com 20 e poucos anos, eu cruzava meus dedos quando ia lançar uma música. Agora, que eu venho escrevendo músicas por um tempo, eu sei que uma música vai sair. Só não sei ainda sobre o que ela é. [Risos] G1 – Mas você ainda se preocupa com o que os outros podem pensar quando você lança uma música? Alanis – Não. Porque eu quando escrevo uma música é como se eu estivesse escrevendo em um diário. Quando eu lanço, as pessoas fazem com que a música seja delas, podem interpretar do jeito que elas quiserem. Então, tecnicamente, elas nem são minhas mais. G1 – Sempre que ouço 'Ablaze' agora, completo a letra na minha cabeça com suas conversas com Onyx, naquela versão de Jimmy Fallon. Você parece tão feliz cantando aquela música com ela… Como foi aquele momento e como essa versão ao vivo é meio que um resumo da música? Alanis – Uns 90% do meu tempo, eles me deixam livre pra eu fazer meu trabalho, mas às vezes eles precisam da mãe. [Risos] Eu estou trabalhando, mas digo "OK, pode vir". Aquilo não foi ensaiado ou planejado, ela apenas pulou nos meus braços e eu pensei "vamos cantar assim mesmo". Foi fofo. G1 – Você costumava ter medo de lançar um novo álbum porque associava seu estresse pós-traumático à música e à fama. Como você conseguiu parar de fazer essa associação? Alanis – Meu marido, na verdade, foi bem inspirador. Eu o vejo fazendo música de um jeito que… ele só parece estar empolgado, apaixonado por aquilo. Ele não associa com nada que o intimida. Ele asssocia escrever canções com se expressar, com felicidade. Eu me inspiro pela forma com a qual ele vê a música… e também fiz muita terapia… [risos] para que a música fosse só esse veículo de expressão barulhento; e as partes da fama, da turnê fossem uma coisa separada. G1 – Existem músicas novas que são muito poderosas e intensas como 'Sandbox Love' e 'Losing the Plot'. E você vai ter que viver o que escreveu cantando nos shows, falando sobre as letras… Como é essa experiência de repetição? Alanis – Ah, sabe que eu amo essa parte? Porque eu sou uma ativista. Então, se eu posso falar de saúde mental, ou sobre relações, casamentos, paternidade e maternidade, educação, política, qualquer coisa sobre a qual eu queira falar que surgiu de uma canção… isso é uma grande alegria. E cantá-las por vários e vários anos nos palcos. Elas me trazem os mesmos sentimentos de quando eu escrevi. Podem ser sobre medo, devastação, apreensão, arrependimento, o que for. Eu me sinto bem revivendo esses sentimentos no palco. Alanis Morissette no clipe de 'Head over Feet', lançado em 1996 Reprodução G1 – Pessoas de cinema e música estão discutindo cada vez mais relacionamentos tóxicos e abusivos, temos os movimentos #MeToo em vários setores… Já que você canta sobre temas semelhantes há tanto tempo, como é ver tudo isso acontecer agora? Alanis – Isso me deixa mais calma, eu me sinto menos sozinha. Eu sinto que estamos juntos em um momento de elevar a consciência. Estamos acordando juntos. Alguns estão se esperneando e morrendo de medo, mas outros estão empolgados com essa redefinição de valores nestes tempos. Eu me sinto bem menos sozinha. É uma boa sensação. G1 – Você às vezes diz que a formação dos festivais costumava ser bandas masculinas e Alanis Morissette. Como foi estar em um ambiente com tantos homens? Alanis – Bem patriarcal. O que eu fui percebendo é que eles não sabiam o que fazer comigo. Eles pensavam: "Podemos dormir com você? Ou você é a nossa irmã… ou nossa mãe?" [risos] Eles não sabiam como curtir comigo, o que era constrangedor e um pouco solitário, mas também meio engraçado. Alanis – E o quanto você acha que mudou no line-up dos festivais? Parece que está com mais diversidade, né? Alanis – Sim, muito mais diversidade, bem mais mulheres. Eu acho que quando eu estava lançando "You oughta know", 25 anos atrás, eles estavam bem apreensivos e querendo mais mulheres com músicas nas rádios. Mas alguém dizia: "Ah não, não. Já tem uma mulher. Não pode tocar mais uma". E agora é tudo bem diferente, é claro. A coisa boa é que isso foi mudando com os anos. O gênero passou a ter muito menos a ver com ter mais ou menos pessoas em shows ou comprando álbuns. E isso é bom. G1 – A fama tem um lado invasivo, pode causar problemas para o artista, na saúde mental. Qual parte foi mais difícil para você? E em que momento você piorou? Alanis – Eu costumava ser alguém que observa as pessoas, eu ainda sou. Eu amo ficar vendo a humanidade pelo planeta inteiro. Gosto de me sentar em um banco no parque, sabe? E aí, de repente, veio a fama e todo mundo virou os olhos para mim. Não eram mais dois humanos se encontrando. Era algo do tipo: "ah, eu tenho que conseguir alguma coisa dela". [Risos] Então, isso acabou com minha chance de apenas contemplar. Compreensivelmente, eu passei a me preservar mais. Eu ficava mais olhando para baixo. Eu evitava algumas coisas, evitava certas circunstâncias. Não era a minha parte favorita da fama, mas era uma estratégia de sobrevivência. Paulo Vilhena (Paulo César), Alanis Morrissette, Julia Lemertz (Noêmia) e Malu Mader (Maria Clara) na novela 'Celebridade', de 2003 TV Globo/Renato Rocha Miranda G1 – Você cantou em uma famosa novela aqui, 'Celebridade'. Como foi a experiência? Alanis – Foi ótimo. Qualquer coisa que seja meio incomum, constrangedor, eu sempre me ofereço para participar. [Risos] Foi fantástico. G1 – Não é irônico que a música de que você menos gosta seja a mais ouvida no streaming e que os brasileiros gostem mais dela? Alanis – Hm… sim. [Risos] É irônico que não tenha ironias. É irônico que seja a música pela qual sou mais falada. G1 – Você tem falado muito sobre a letra, levado isso com bom humor. Mas como foi ter que responder tanto sobre ela não ter ironias? Alanis – Ah, é desagradável ver meu erro analisado todos os dias, todos os anos, por 25 anos… em um caso de malapropismo [uso incorreto de uma palavra]. Mas quando Glen [Ballard, produtor] e eu escrevemos… foi a única música que eu e Glen escrevemos a letra juntos. A gente não estava, não estava ligando pra isso. A gente só estava se divertindo. Era tipo uma forma de se testar como compositores juntos. A gente amou a música, mas a letra não significava tanto assim. Depois de "Ironic", eu passei a escrever todas as músicas eu mesma, todas super pessoais. Alanis Morissette no clipe de 'Ironic', do álbum de estreia, de 1995 Divulgação G1 – Você poderia me contar mais sobre seu álbum de meditação? Alanis – Estamos no meio da gravação dele. Eu estou trabalhando com um cavalheiro chamado Dave Harrington. Eu só queria proporcionar relaxamento para as pessoas porque durante a pandemia da Covid, e as eleições aqui nos Estados Unidos e tudo acontecendo, tem muito estresse no corpo, tem os incêndios aqui na Califórnia, eu tenho depressão pós-parto… Então, eu fico tipo "Ai, meu Deus". Então, eu pensei que um pouco de música para meditação pode ser um presente, com certeza para mim mesma. Porque me acalma. Mas também pode servir para qualquer um que esteja ansioso agora, compreensivelmente. G1 – Eu sou uma pessoa ansiosa, como você. E eu tentei ioga, tentei um monte de coisas, mas não consigo meditar… Minha mente começa a me levar para pensamentos ruins. Que dicas você daria para pessoas como eu? Alanis – Bem, não medite. [Risos] Às vezes, meditação guiada é melhor para aqueles que como nós são… Quando eu medito, às vezes, é como se todas as vozes resolvessem aparecer na minha cabeça. Jesus! [Risos] Então, uma meditação guiada pode ajudar, porque me distrai das minhas próprias vozes e eu só sigo as instruções. Mas às vezes uma caminhada pode ajudar, ou ficar perto da água, do oceano, de um lago, qualquer coisa assim. Estar perto da natureza ajuda para a gente que não consegue meditar tão rápido. Tem que andar, fazer uma caminhada e ficar observando a paisagem. E eu seguro a minha respiração o tempo todo, então… [Risos] Eu tenho que ficar me lembrando que continuar respirando. Me lembrar de continuar respirando é um bom conselho. Alanis Morissette em 1995 Divulgação G1 – Você tem o hábito de falar de suas composições como se fosse uma pintora. Por que você faz isso? Alanis – O que eu amo sobre observar alguém pintando é algo bem intuitivo. Para mim, as palavras são como pintura. É como se você estivesse em frente a uma tela e resolvesse usar laranja em vez de azul. É um processo parecido para escolher acordes, harmônicas e produção. "Oh, eu vou usar um som que parece meio sombrio, marrom e cinza aqui." Mesmo quando eu estou escrevendo eu digo coisas como "é, a gente precisa de um pouco mais de roxo". [Risos] E o que isso significa? É um acorde menor, sabe? As pessoas com quem eu trabalho sabem que eu penso em termos de cores. Então, eles acabaram se acostumando. G1 – A primeira vez que te entrevistei, há doze anos, você estava um pouco decepcionada com a música e disse que gostava de fazer filmes, de trabalhar como atriz. Você se lembra de ter sentido isso? Alanis – Atuar é quase como se fosse um hobby… Atuar e tudo que eu fiz que é parecido com isso, como as participações, eram como um hobby. Eu sempre me considerei arquetipicamente como uma escritora, seja escrevendo músicas, blogs, palestras, textos e, eventualmente, escrevendo livros. Eu penso em mim primeiro como uma escritora, segundo como uma artista… e talvez atriz seja o número onze. [Risos] Alanis e a família no clipe de 'Ablaze', de 2020 Divulgação G1 – Falando em escrever, você poderia me contar mais sobre o livro que vem escrevendo há tanto tempo? Sei que já são mais de mil páginas escritas… Quando a gente vai poder ler? Alanis – Sim! Basicamente, eu acho que vou dividir tudo em diferentes livros. Um livro será sobre espiritualidade. Outro livro será sobre casamento. Um será sobre maternidade, educação e escola em casa. Outro será sobre arte, fotografia, viagem, cultura, sabe? Acho que vou dividir em vários livros, para ser honesta. E daí terá um com a história clássica, uma biografia. G1 – E você gostaria de ver a sua vida se transformar em um filme? Alanis – Hmmm… não! Nope! [Risos] Com certeza não! Eu acho que alguma hora eu vou querer fazer uma peça sozinha no palco, na Broadway. Só contar histórias e cantar músicas. Porque eu adoro me expressar por meio da música. Seria incrível, teria um pouco de comédia, música e contação de história, sabe? Teria o contato físico com aquilo, e o contato com outras pessoas, com as vozes delas. Eu quero muito fazer isso. Mas é uma ideia para ser feita a longo prazo. Provavelmente não é pra daqui a pouco. O musical 'Jagged Little Pill', que recebeu 15 indicações ao Tony Awards 2020 Reprodução/Instagram G1 – Como foi ver suas músicas no palco de um espetáculo da Broadway e qual delas você acha que ganhou outro significado para você ver na versão teatral? Alanis – Foi como ver um lado mais objetivo das minhas músicas pela primeira vez, porque esses ótimos cantores e atores estavam as interpretando. E eu podia escutá-las, sabe? Então, chorei muito. [Risos] Eu acho que foi a música "Mary Jane", porque é uma música do marido para a esposa na história, e tem algo sobre a empatia de um homem, porque o patriarcado pega pesado com eles. Ele [o patriacardo] diz a eles que não podem sentir algumas coisas, o que é ridículo. Principalmente as pessoas altamente sensíveis. A gente sente tudo, não importa de qual gênero a gente seja. Então, ouvir "Mary Jane" foi comovente demais para mim. G1 – Eu sei que você já pensou em deixar a música, você fazia isso toda vez que terminava uma turnê. Você mudou de ideia ou tem que terminar a próxima turnê para me responder? Alanis – Eu quero fazer música até ter 125 anos. E depois de morrer talvez eu reencarne em uma garotinha de 13 anos… G1 – Você disse que canta junto com Ever [filho mais velho] e que ele consegue fazer as harmonias e canta como você. Você acha que ele pode seguir o caminho da música, das artes? Alanis – Eu acho que ele é tão… Os três, na verdade, são. Mas o Ever, o mais velho, e a Onyx amam se expressar por todas as formas: pela música, pela animação, contando histórias, dançando… então, eu dou apoio a eles, encorajo a continuarem se expressando, sem se preocuparem, sem parecer que seja um trabalho, porque eles são crianças. [Risos] Alanis Morissette em 2020 Divulgação G1 – Algumas pessoas já te definiram como um ícone da raiva feminina, como 'uma mulher branca com raiva' [capa da revista 'Rolling Stone']. Embora seja simplista, você diz que se tivesse que escolher um adjetivo, 'raivosa' funcionaria bem. Por quê? Alanis – Eu acho que a raiva é tão linda e tem uma reputação tão ruim, porque quando a gente pensa na raiva, a gente pensa no lado destrutivo dela. A gente pensa em armas, em guerra, em explosões, em brigas, sabe? Mas a raiva em si mesma é, na verdade, uma forma bonita de definir um limite, ou fazer uma mudança, ou ser ativista ou lutar por algo. Eu acho que é uma emoção tão linda. E por ser tão apaixonada, eu acho que a gente se assusta com o jeito que ela afeta o nosso corpo. Parece que a gente vai explodir, sabe? Se a gente consegue contê-la e transformar isso em palavra, não há um alívio maior para o corpo e para a alma. G1 – Agora, temos mais letras abertamente sobre saúde mental. Artistas como Ariana Grande e Billie Eilish cantam muito sobre isso. Acha que é importante cantar sobre isso na música pop? Alanis – Sim, eu acho. Acho que por muito tempo todas as músicas da cultura pop eram sobre ser viciado no amor, paixão e amor, amor, amor, amor… [risos] e coração partido, coração partido, coração partido. O que é ótimo, não há ainda músicas o suficiente sobre isso. Mas eu também gosto que as músicas sejam sobre… eu adoraria ouvir mais músicas sobre amizade, sobre o que é ser uma mãe, sobre o que é estar no mundo. Canções sobre o nosso dia a dia em vez só de canções sobre romances. VÍDEOS: Semana Pop explica temas do entretenimento