Reverente à gravação original de 1992, o registro ao vivo da canção antecede a edição em novembro do DVD 'Margem, finda a viagem'. Capa do single 'Mentiras', de Adriana Calcanhotto e Rubel Sillas H Resenha de single Título: Mentiras Artistas: Adriana Calcanhotto e Rubel Composição: Adriana Calcanhotto Edição: Biscoito Fino Cotação: * * * * ♪ O fato de Adriana Calcanhotto estar lançando single com gravação ao vivo da canção autoral Mentiras (1992), rebobinada pela artista em dueto com Rubel, é simbólico para quem acompanhou a trajetória da cantora desde o início. Apresentada no álbum Senhas (1992), Mentiras foi a canção que deu impulso à carreira de Calcanhotto, sobretudo quando passou a ser propagada em escala nacional, quase diariamente, na trilha sonora da novela Renascer (TV Globo, 1993). Impulso quase tardio, cabe lembrar. São incontáveis os casos de artistas que impressionaram no primeiro disco e desapontaram no segundo. Mas são bem raros os artistas que causaram má impressão no primeiro álbum e reverteram a baixa expectativa no segundo, se firmando dai em diante. Adriana Calcanhotto é um desses casos raros. Há 30 anos, a cantora e compositora gaúcha foi induzida a estrear no mercado fonográfico com o gélido álbum Enguiço (1990), moldado para fazer de Calcanhotto a “cantora eclética” da gravadora CBS. A explosão de Marisa Monte em 1989 motivara as companhias fonográficas a procurarem cantoras que pudessem fazer sucesso no rastro do estouro de Marisa com repertório livre de amarras estéticas. Mas Enguiço se revelou um desastre. E o fracasso do álbum foi bom para Calcanhotto, que conseguiu em 1992 a oportunidade de lançar um segundo álbum mais autoral, Senhas (1992), primeiro retrato fiel à estética da obra desta cultuada artista pós-tropicalista. E foi nesse segundo disco que apareceu Mentiras, composição indicativa da habilidade da artista de fazer canções radiofônicas, geralmente melancólicas, para fisgar ouvintes de todas as classes e gostos. Mentiras refina a sofrência com doses precisas de mágoa, saudade e desejo de vingança. Mas, a rigor, é canção embebida em dor de amor como outras zilhões de músicas do gênero. Segunda amostra do CD e DVD Margem, finda a viagem, previstos para serem lançados em novembro com gravação ao vivo feita em 14 de dezembro de 2019 em apresentação do show Margem na cidade do Rio de Janeiro (RJ), o registro de Mentiras com Rubel é extremamente reverente à gravação original de 1992, tanto no canto dos artistas como no toque do violão. O único sabor de novidade talvez seja a dose adicional de ternura embutida no dueto de Calcanhoto com Rubel, jovem cantor fluminense com quem Calcanhotto já unira vozes e forças no single Você me pergunta, lançado em fevereiro deste ano de 2020 com composição inédita de Rubel gravada em estúdio com produção musical de Kassin (o registro ao vivo da música integra o CD e DVD Margem, finda a viagem). Tudo ficou no devido lugar no revival da canção de 1992 com Calcanhotto e Rubel. E nessa reverência reside o apelo da atual abordagem de Mentiras. A canção é perfeita e prescinde de reinvenções. A força de Mentiras está justamente no fato de ser canção simples – e é proeza difícil compor uma canção simples com apuro e certa dose de originalidade melódica e poética. Fácil ou difícil, Mentiras está novamente na pista e nos players, pronta para seduzir o público de Rubel e outros ouvintes que nem eram nascidos em 1992. Ou mesmo velhos seguidores de Adriana Calcanhotto. Até porque, a rigor, nunca finda a viagem de uma boa canção de amor demais.