♪ OBITUÁRIO – Na certidão de nascimento, constava José Eduardo Homem de Mello (20 de setembro de 1933 – 4 de outubro de 2020). No Brasil e no mundo do jazz, era tão somente Zuza. Zuza, homem de música. Homem da música – arte que ele amou com paixão e à qual dedicou existência afinada. Arte com a qual ganhou o pão e alimentou o espírito sensível ao longo de 65 dos 87 anos de vida vivida com alegria e encerrada na madrugada de domingo, 4 de outubro, com a morte de Zuza durante o sono, vítima de infarto, no apartamento em que morava em Pinheiros, bairro da cidade natal de São Paulo (SP). Ao sair de cena, menos de uma semana após concluir biografia de João Gilberto (1931 – 2019), Zuza Homem de Mello deixa legado de valor inestimável na área musical. Não tanto como contrabaixista, ofício que exerceu na juventude nos bares e bailes da vida noturna da cidade de São Paulo (SP), em meados dos anos 1950, antes de partir para os Estados Unidos para aprender música na Julliard School, prestigiada escola de Manhattan (Nova York, EUA), mas sobretudo como jornalista e pesquisador musical. Nessa área documental, Zuza escreveu livros fundamentais e definitivos como A era dos festivais e Copacabana – A trajetória do samba-canção (1929 – 1958), editados em 2003 e em 2017, respectivamente. Sem falar nos dois volumes de A canção no tempo (1997 / 1998), compêndios de caráter enciclopédico escritos por Zuza com outro referencial pesquisador da música do Brasil, Jairo Severiano. Sobre os festivais da canção, Zuza tinha especial autoridade para discorrer sobre o assunto, pois trabalhou como técnico de som nos mais importantes festivais dos anos 1960 (Zuza estreou nessa função técnica em 1959, ao voltar ao Brasil). Naquele ambiente de grande efervescência, Zuza conheceu futuros ícones da MPB que passariam a respeitá-lo pelo amplo conhecimento musical dividido com fartura. Capa do livro 'Copacabana', de Zuza Homem de Mello Divulgação / Editora 34 Também associado a programas de TV como O fino da bossa (1965 – 1967), Zuza sabia a senha para decifrar a magia do jazz. Tanto que atuou como curador dos maiores festivais do gênero. Mas transitou com naturalidade fora da fronteira do jazz. A paixão do jornalista também era direcionada à música brasileira, em especial à bossa nova e à MPB. Zuza viu nascer em 1965 a música universitária rotulada como MPB, mas jamais ficou nostálgico da modernidade dessa MPB, a rigor cristalizada nos anos 1960 e 1970, e da própria bossa nova, som mais valorizado no exterior do que no próprio Brasil, como repetia em entrevistas. Atento aos sinais, o pesquisador também valorizava talentos das novas gerações, como Ayrton Montarroyos, Filipe Catto, Pélico e Tulipa Ruiz. Sabia ouvir música. E sabia se posicionar, quando necessário. Zuza disse publicamente, por exemplo, que considerava “inutilidade absoluta” o álbum ao vivo em que Maria Rita interpretou o repertório de Elis Regina (1945 – 1982), Redescobrir, editado em 2012 com registro ao vivo de show feito a convite de empresa de cosméticos. Em que pese a contundência de algumas opiniões, Zuza nunca foi polêmico no ofício de crítico musical. Até porque atuou do outro lado. Foi diretor e/ou produtor musical de shows de cantores como Alcione, Emílio Santiago (1946 – 2013) e Margareth Menezes. Enfim, José Eduardo Homem de Mello foi grande. A bem da verdade, um gigante – termo recorrente em reportagens e em posts que lamentaram a inesperada morte do jornalista e musicólogo. Contudo, no afável trato cotidiano com discípulos jornalistas e com artistas que o admiravam com sinceridade, o gigantismo era abafado pela doçura. É quando ele era somente o Zuza. Homem de música. Homem da música.