Economistas explicam que dificuldade do governo para equilibrar contas e fazer a economia crescer torna investimentos aqui mais arriscados. Juros baixos também explicam desvalorização. Real amargou valorização da moeda dos Estados Unidos frente à nossa em 2020. REUTERS/Bruno Domingos O real é a moeda que mais se desvalorizou em relação ao dólar em 2020. A moeda americana acumula uma alta de 40% comparada à brasileira no ano, maior queda em uma lista de 30 países, segundo dados da Reuters. Quando o ano começou, cada dólar valia R$ 4,0232. Nesta quinta-feira (1º), chegou a seu maior valor desde maio, cotado a R$ 5,6546. Naquele mês, o dólar teve seu recorde nominal (sem considerar a inflação) frente ao real. No dia 13, era vendido a R$ 5,9007. Para economistas consultados pelo G1, são quatro os principais fatores que explicam a aceleração do dólar: O principal: não há clareza de um plano para solucionar a situação fiscal do país; Há falta de perspectivas de crescimento; Menores taxas de juros tornam menos atraente o investimento no Brasil; A crise ambiental também afasta os interessados. Como mostrou o G1 na semana passada, houve uma saída recorde de investimentos estrangeiros do país em 2020. Mas o que consolidou a última onda desvalorização cambial foi o financiamento proposto para o programa Renda Cidadã, explicam os especialistas. o Ministro da Economia busca novas fontes de recursos para o Renda Cidadã Contas públicas e o Renda Cidadã O uso de verba destinada a pagar precatórios e o redirecionamento de recursos do Fundeb para financiar o novo programa social, como foi anunciado pelo governo nesta semana, gerou uma fuga de dólares ao indicar um aumento de gastos disfarçado. Dólar fecha em alta, no maior valor desde maio Precatórios são dívidas que o governo é obrigado judicialmente a pagar. Um atraso de quitação de parte desses débitos foi encarado pelo mercado financeiro como empurrão de dívidas sem resolvê-las. O dinheiro do Fundeb, por sua vez, é demarcado fora do teto de gastos. Essa solução encontrada pelo governo fez ressurgir o termo "contabilidade criativa". Diante da repercussão negativa, o governo recuou. Na quarta-feira (30), o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que recursos de precatórios não serão usados no Renda Cidadã. Não bastou para evitar que a moeda terminasse setembro com alta de 2,5%. "É consenso que a proposta enviada gera incerteza e isso não some com o recuo. O mercado vai esperar atitudes concretas do ponto de vista fiscal antes de ter uma nova dinâmica de fluxo de câmbio", afirma Fernando Genta, economista-chefe da XP Asset. Genta explica que, em tempos de Selic mais alta, o diferencial de juros do Brasil (a diferença entre a taxa de juros paga aqui e lá fora) tornava o investimento atraente diante do risco-país. Mas, com a dívida pública crescente após a pandemia do novo coronavírus – mais alta que outros emergentes –, e crescimento lento, pesa mais não ter um plano de pagamento da dívida ou redução de gastos. "Com a crise global, é natural uma fuga para moedas fortes. E o real, por ser um mercado grande, acaba sofrendo mais por ter mais liquidez", afirma o economista. Após dizer que governo não tem dinheiro, Mourão sugere imposto para financiar Renda Cidadã Agronegócio se beneficia Há setores que se beneficiam de um câmbio mais alto. Quem depende de exportação, como o agronegócio, commodities e processadoras de alimentos, consegue faturar mais e ter produtos mais competitivos no mercado externo. Como são produzidos em real e vendidos em dólar, os produtos ficam mais lucrativo ou podem ter reduzido seu valor de face para serem mais competitivos internacionalmente. IGP-M: índice que corrige o aluguel dispara para 4,34% em setembro O Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA) de setembro, medido pela FGV, mostra valorizações fortes de preços no atacado. É o caso do minério de ferro, que subiu 10,81% no mês (após alta de outros 10,82% em agosto), da soja em grão (14,32%) e do milho em grão (14,89%). Essa elevação é a origem de um fenômeno recente: a alta de preços do arroz e outros alimentos, que tiveram suas vendas direcionadas para fora do país. Também no IPA, o arroz em casca subiu 38,93%. Arroz e óleo mais caros: entenda por que a inflação dos alimentos disparou no país "Um câmbio tão alto não é bom porque impacta atividade e põe pressão em insumos que se usa para produzir", afirma o economista Guilherme Tinoco. "Em tempos normais, esse patamar ainda colocaria mais peso na inflação, mas temos muita capacidade ociosa. Ainda assim, a cotação prejudica investimento em máquinas e equipamentos importados." Ibovespa e dólar fecham em alta e moeda americana chega a R$5,65 Crescimento lento Na outra ponta da composição da dívida pública está o crescimento do PIB. Mesmo com o agronegócio mais competitivo, os fluxos de investimento internos estão em marcha lenta desde a recuperação da crise de 2015 e 2016. Em 2017 e 2018, o crescimento foi de 1,3% em cada ano. Em 2019, 1,1%. A vagareza se explica porque empresários esperam melhores perspectivas fiscais por meio das reformas, uma agenda que tem dificuldade de caminhar no Congresso Nacional. Em novembro de 2019, o governo deu seu único passo até agora, com a promulgação da reforma da Previdência. "A reforma da Previdência nunca foi o final da história, era o momento de geração de uma situação fiscal e econômica melhor – e poderia ter sido", diz Lucas de Aragão, sócio da consultoria política Arko Advice. "Após a pandemia, o governo pressiona para criar um programa social e o medo é que o teto de gastos tenha que ser flexibilizado para equacionar o país. Quando se faz isso, perdem-se confiança e credibilidade", afirma Aragão. Com a proximidade das eleições municipais, a perspectiva de avanço da reforma tributária e tramitação da reforma administrativa em 2020 beira a zero. Para o economista Guilherme Tinoco, o que ainda nos diferencia dos demais emergentes, como Turquia e Argentina, é a robusta reserva internacional brasileira, de US$ 356 bilhões, e uma dívida pública quase toda doméstica. Sem ambas, diz ele, esse movimento de desvalorização do real seria ainda pior. "O câmbio próximo a R$ 6 não condiz com situações de contas externas, no balanço de pagamentos e reservas, nem com condições financeiras. Estaríamos muito melhor com a economia crescendo, menos ruído, agenda ambiental que atraia investidores internacionais e boa condução da parte fiscal", diz Tinoco. VÍDEOS: Últimas notícias de Economia