Dama do samba paulista, cantora aborda com expressividade a obra do compositor em álbum ao vivo. Capa de 'O samba de Martinho da Vila', de Graça Braga Arte de Elifas Andreato Resenha de álbum Título: O samba de Martinho da Vila Artista: Graça Braga Gravadora: Discobertas Cotação: * * * * ♪ Criada por Elifas Andreato, a arte da capa do álbum em que Graça Braga canta o samba de Martinho da Vila evoca a ancestralidade que pulsa nas 17 faixas do disco gravado ao vivo em show apresentado pela cantora paulista em 11 de junho de 2019 no Teatro Itália, na cidade de São Paulo (SP). A imagem de duas mãos que, envolvidas por colar de pérolas, percutem caixa de fósforos é tradutora do sangue negro que corre com suingue e fé nas veias do Brasil. Compositor fluminense de atuais 82 anos, Martinho José Ferreira é – ele próprio – porta-voz dessa negritude entranhada em obra fundamental, construída deste meados dos anos 1960. Dama do samba de São Paulo que embute na voz encorpada a mesma ancestralidade, Maria da Graça Braga segura tudo o que canta dessa obra no álbum O samba de Martinho da Vila, idealizado e produzido por Thiago Marques Luiz. A expressividade da interpretação de Graça no acalanto Tom maior (1968) é um dos muitos exemplos da afinidade entre cantora e compositor no disco recém-editado em CD pelo selo Discobertas. Embora (bem) arranjado por violonista, Joan Barros, o disco é sustentado pelo baticum produzido pelos percussionistas Bruno de Souza e Fernando Jarrão, com o reforço da marcação da bateria de Renato Melo. Não por acaso, um batuque introduz Semba dos ancestrais (Martinho da Vila e Rosinha de Valença, 1985), música que abre o disco. “No meu samba tem pandeiro”, frisa Graça em verso de Plim plim (1970), boa surpresa do repertório selecionado sem obviedade pela cantora com o produtor Thiago Marques Luiz. Graça Braga na gravação do show que deu origem ao álbum 'O samba de Martinho da Vila' Van Campos / Divulgação A intérprete sabe valorizar a nobreza de sambas como Fim de reinado (1969) e No embalo da Vila (1979). Com o canto sempre caloroso, Graça Braga também faz emergir Maré mansa (1974), rara parceria de Martinho com Paulinho da Viola lançada na voz de Eliana Pittman e revivida por Simone em Café com leite (1996), álbum dedicado ao cancioneiro de Martinho. E por falar em Simone, foi na voz da Cigarra que o Brasil conheceu Danadinho danado (Martinho da Vila e Zé Katimba, 1995), cuja cadência sensual é seguida por Graça Braga neste disco em que Grande amor (1968) é ambientado em clima de gafieira. A seleção de repertório – sagaz, cabe enfatizar – contribui decisivamente para o êxito do disco. Em vez de dar voz a um greatest hits de Martinho da Vila, opção que poderia ter banalizado o show captado ao vivo, a cantora encandeia títulos menos ouvidos da obra grandiosa (em qualidade e quantidade) do compositor, mas nem por isso menos interessantes. São os casos do Samba da cabrocha bamba (1970), de Nego vem sambar (1970) e de É hora de pintar (1983), número envolvido em trama de violões no arranjo com clima de câmara que abre espaço para o toque da gaita do músico creditado como Gugu na ficha técnica do encarte da edição em CD do álbum. Sem ignorar hits inevitáveis como Disritmia (1974), samba em se nota a adesão espontânea do público que assistiu à gravação do disco, esse repertório hasteia a consciência social do engajado Martinho em músicas como Bandeira da fé (Martinho da Vila e Zé Katimba, 1983), Cidadã brasileira (1990) – samba propagado na voz da politizada Leci Brandão – e o samba-enredo Onde o Brasil aprendeu a liberdade (1971), revivido com arranjo que remete aos gêneros musicais citados na letra. No melhor disco da carreira, Graça Braga encarna a própria cidadã e mulher brasileira que, valente, honra o irresistível laiaraiá de Martinho da Vila. Balança, povo, que o samba de Martinho da Vila desfila majestoso, com toda a negritude ancestral, na voz grave da dama bamba dos pagodes paulistas.