Resenha de live Título: Gal 75 Artista: Gal Costa Local: Casa de Francisca (São Paulo, SP) Data: 26 de setembro, das 22h às 23h30m Cotação: * * 1/2 ♪ A voz luminosa estava lá, bússola a guiar Gal Costa na desorientação da primeira live da carreira da cantora, estrategicamente programada para a noite de sábado, 26 de setembro, data em que a artista completou 75 anos de vida. Mesmo precisa, essa voz demorou um pouco a entrar no tom, porque o retorno de ouvido foi a desorientação de Gal no começo do show transmitido pelo canal TNT diretamente do palco da Casa de Francisca, na cidade de São Paulo (SP). Outras desorientações seriam percebidas ao longo da transmissão. Por tudo que significava para a arte do Brasil, sobretudo em momento tão delicado, a live Gal 75 tinha tudo para ser antológica. Ao fim da hora e meia de transmissão ao vivo, ficou sensação de decepção no ar. Não por conta de Gal, ainda e sempre uma das maiores cantoras do Brasil de todos os tempos. Mas porque parece ter havido falta de sincronia entre a produção do show e a direção da cineasta Laís Bodansky, celebrada por filmes como Bicho de sete cabeças (2001). A opção estética por imagem de acabamento cinematográfico resultou infeliz. Captada por câmeras por vezes trepidantes, a imagem ficou sem contraste e chegou em muitos momentos com baixa definição à tela da TV para quem acompanhou a transmissão pelo YouTube do TNT (na transmissão do canal TNT, a definição estava dentro dos padrões) – surpresa diante das lives apresentadas pela Casa de Francisca com acabamento cinematográfico espetacular, como as recentes transmissões dos shows das cantoras Tulipa Ruiz e Ná Ozzetti. Havia excesso de fumaça no ar, prejudicando iluminação que já não primava pela beleza plástica. “É show da Gal ou do Planet Hemp?” gracejou espectador nos comentários, em alusão à banda carioca associada ao consumo da maconha. Para piorar, Gal foi surpreendida o tempo todo com pedidos para se movimentar pela casa que a deixaram desorientada. Se houve dois ensaios, por que essa movimentação não foi combinada antes? A impressão que ficou – cabe ressaltar mais uma vez – foi a dissintonia entre a produção e a direção da live Gal 75. Tudo já soou estranho quando – para quem assistia à live pelo canal do TNT no YouTube – a transmissão entrou no ar no meio do samba Eu vim da Bahia (Gilberto Gil, 1965), primeira música do roteiro de 20 músicas, calcado em sucessos da cantora em 55 anos de carreira fonográfica (na transmissão do canal, o número de abertura foi visto desde o início). Sem falar que, em determinados momentos, uma voz feminina – a de Laís Bodansky – se dirigiu a Gal, não somente para sugerir movimentações em cena, mas também para fazer perguntas que prejudicaram a fluência do show. Diante de tantos problemas, sintetizados no ruído provocado pelo estouro do equipamento de retorno da cantora, o brilho de Gal esmaeceu e, se houve grandes momentos, foi porque a voz-bússola da cantora a guiou sobre todas as coisas. Gal entrou fria em cena. Números como Baby (Caetano Veloso, 1968) e Vapor barato (Jards Macalé e Waly Salomão, 1971) renderam menos do que poderiam. Mas, aos poucos, a grande cantora apareceu e se impôs em cena. Alocado na sequência de Modinha para Gabriela (Dorival Caymmi, 1975), Tema de amor de Gabriela (Antonio Carlos Jobim, 1983) foi o primeiro número que, pela grandeza da interpretação, deixou evidente que, sim, Gal é Gal. Antes, a emoção genuína da cantora – após ver/ouvir o depoimento de Caetano Veloso, cuja imagem foi projetada no prédio em frente à Casa de Francisca – foi instante de beleza acesa por dentro. O choro ainda era visível no rosto de Gal quando ela começou a cantar Dom de iludir (Caetano Veloso, 1977). Aliás, a ideia de projetar (da rua) falas e/ou imagens de grandes artistas amigos de Gal – como Chico Buarque, Gilberto Gil, Maria Bethânia (“Estamos ficando mocinhas”, brincou no depoimento reproduzido somente em áudio com direito à dispensável intervenção da diretora) e Milton Nascimento, além de Caetano – foi a contribuição mais original da direção de Laís Bodansky, ainda que essas exposições tenham diluído a fluência do show. Para quem queria somente música, a live Gal 75 ofereceu bom retrospecto da carreira de Gal. Com os toques dos músicos Chicão (piano), Fábio Sá (baixo) e Pedro Sá (violão e guitarra), Gal reacendeu Luz do sol (Caetano Veloso, 1982) – com direito a discurso em favor da natureza e contra o fogo no Pantanal – e cantou sucessos como Força estranha (Caetano Veloso, 1978) e Açaí (Djavan, 1981), caindo com leveza no suingue de Que pena (Ela já não gosta mais de mim) (Jorge Ben Jor, 1969). A única música inusitada do roteiro – já anunciada na imprensa – foi Creio (1987), boa balada de Lulu Santos esquecida em um dos álbuns mais controvertidos da discografia da cantora, Lua de mel como o diabo gosta (1987). A questão é que, do início ao fim, pareceu mesmo haver uma força estranha no ar. Gal chegou a perguntar duas vezes se estava ao vivo. E se surpreendeu com a resposta positiva! Contudo, a cantora foi valente até o fim, inclusive quando, solicitada a fazer bis, improvisou Festa no interior (Moraes Moreira e Abel Silva, 1981). Palmas para Gal Costa, pelos 75 anos de vida e pela voz-bússola que a guiou em mar de desorientação em que quase se afundou a primeira live da grande cantora. Gal Costa em cena na Casa de Francisca, na transmissão da live 'Gal 75' Reprodução / Vídeo ♪ Eis o roteiro seguido em 26 de setembro de 2020 por Gal Costa na live Gal 75, transmitida pelo canal TNT: 1. Eu vim da Bahia (Gilberto Gil, 1965) 2. Baby (Caetano Veloso, 1968) 3. Vapor barato (Jards Macalé e Waly Salomão, 1971) 4. Dom de iludir (Caetano Veloso, 1977) 5. Meu bem, meu mal (Caetano Veloso, 1981) 6. Modinha para Gabriela (Dorival Caymmi, 1975) 7. Tema de amor para Gabriela (Antonio Carlos Jobim, 1983) 8. Luz do sol (Gal Costa, 1982) 9. Força estranha (Caetano Veloso, 1978) 10. Creio (Lulu Santos, 1987) 11. Ela já não gosta mais de mim (Jorge Ben Jor, 1969) 12. Sua estupidez (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1969) 13. Palavras no corpo (Silva e Omar Salomão, 2018) 14. Folhetim (Chico Buarque, 1978) 15. Volta (Lupicínio Rodrigues, 1957) 16. O que é que há (Fábio Jr. e Sérgio Sá, 1982) 17. Sorte (Celso Fonseca e Ronaldo Bastos, 1985) 18. Açaí (Djavan, 1981) 19. Você não entende nada (Caetano Veloso, 1970) Bis: 20. Festa do interior (Moraes Moreira e Abel Silva, 1981)