Projetado nos anos 1990, o rapper mostra que ainda está no jogo com o oitavo álbum solo de estúdio, 'Assim tocam os meus tambores'. Capa do álbum 'Assim tocam os meus tambores', de Marcelo D2 Ronaldo Land com arte de Felipe Young (Flip) Resenha de álbum Título: Assim tocam os meus tambores Artista: Marcelo D2 Gravadora: Edição independente do artista Cotação: * * * 1/2 ♪ Além da boa qualidade artística, o maior mérito do oitavo solo de estúdio de Marcelo D2 – Assim tocam os meus tambores, disponível em edição digital a partir das 20h deste sábado, 26 de setembro – é impedir o rapper carioca da banda Planet Hemp de ser percebido como um mano importante do passado. Neste disco produzido através de plataforma de vídeo durante o isolamento social, Marcelo Maldonado Gomes Peixoto se junta e se irmana com vozes exponenciais da atual cena brasileira de hip hop – como o carioca BK, o mineiro Djonga, o brasiliense (de criação cearense) Don L e o paulistano Ogi – em tentativa bem-sucedida de diluir a imagem de tiozão do rap. Perto de fazer 53 anos, em novembro, D2 já não é o mano da vez. Até porque outros rappers que lhe sucederam no trono, como Criolo, também já não são. Assim caminha a humanidade pop e, no hip hop, não seria diferente. Contudo, o álbum Assim tocam os meus tambores mostra que D2 ainda está no jogo com 12 faixas inéditas mixadas por Mario Caldato Jr. e masterizadas por Jonathan Maia. Para dar forma a essas 12 faixas, D2 harmonizou vozes e músicos de gerações distintas em time de convidados formado – em ordem alfabética – por Anelis Assumpção, Baco Exu do Blues, BK, Criolo, Da Lua, Djonga, Don L, Eduardo Santana, Helio Bentes, Ivan Conti "Mamão", João Parahyba, Jorge du Peixe, Juçara Marçal, Kassin, Kiko Dinucci, Luiza Machado, Nobru, Ogi, Rodrigo Tavares, Rogê, Russo Passapusso, Sain e Thiago França. Já os beats são de Nave, DJ Nuts, Kamau, Dr. Drumah, Barba Negra e Tropkillaz. O beat da faixa que introduz o álbum, Bem vindo meus Cria, é hipnótico e valoriza o tema em que D2 recepciona Os Cria, nome do coletivo de participantes assíduos do chat do artista na plataforma de vídeo em que o disco foi gerado de forma colaborativa. Na sequência, Rompeu o couro mantém o poder de sedução ao celebrar o baticum africano, matéria-prima de quem procura batidas perfeitas no Brasil e no mundo. Os rappers BK e Baco Exu do Blues engrossam o caldo desse caldeirão fervente, temperado com as vozes das cantoras Anelis Assumpção e Juçara Marçal. Marcelo D2 lança 'Assim tocam os meus tambores', álbum gravado a partir de plataforma de vídeo Ronaldo Land / Divulgação Voz do Metá Metá, Juçara permanece em cena para reforçar o discurso de 4ª às 20h, rap de molde mais convencional, feito por D2 com a adesão de Ogi. Pontuado por sample da gravação de Onze fitas (1979) na voz de Fátima Guedes, cantora e compositora da música, o rap A verdade não rima rebobina o discurso social em que os manos questionam a inércia dos que vivem trancafiados em condomínio, crentes de que estão a salvo da violência das ruas, fruto de injustiças e desigualdades históricas. Em Malungoforte, D2 evoca a lama do Manguebeat, com Russo Passapusso e Helio Bentes (voz do grupo de reggae Ponto de Equilíbrio), em faixa que faz o álbum Assim tocam os meus tambores retomar a pressão inebriante do início do disco. Na sequência, em Tambor, o senhor da alegria, D2 dá voz somente a Criolo, que narra o mito Bakongo da criação do tambor, tal como escrito pelo historiador Luiz Antônio Simas. “Hip hop é o nosso grito”, brada o rapper carioca em Deus de outro lugar, faixa em que D2 manifesta gratidão pela caminhada, em gravação feita com o duo Tropkillaz e com Rogê. No mesmo tempo positivista, a música As sementes germina no disco, com a adesão do coletivo Os Cria, entre a cadência do reggae e a batida do samba. Don L endurece o discurso em É manhã (Vem), música que injeta sopro de R&B contemporâneo no álbum com a voz de Luiza Machado, produtora do filme de média-metragem originado das gravações de Assim tocam os meus tambores. “Rap é compromisso”, lembra D2 no samba-rap Pela sombra, citando sentença de Sabotage (1973 – 2003) em faixa que cai no suingue com a voz de Jorge Du Peixe. Magrela87 destila romantismo em levada R&B em faixa que culmina com sample de gravação de Raul Seixas (1945 – 1989), Prelúdio, música apresentada pelo artista baiano em 1974. No fim, Pelo que eu acredito – rap que junta Sain (filho de D2) e Djonga – reafirma as crenças ideológicas de Marcelo D2, rapper carioca que ainda tira onda na arte de fazer barulho.