Exibido pelo Canal Brasil, o documentário 'Me chama que eu vou' integra a programação do 48º 'Festival de Cinema de Gramado'. Resenha de documentário musical Título: Sidney Magalhães em Me chama que eu vou Direção: Joana Mariani Roteiro: Joana Mariani e Eduardo Gripa Produção: Diane Maia (Maya Filmes) Cotação: * * * 1/2 ♪ Filme exibido no 48º Festival de Cinema de Gramado e com estreia prevista para 2021. ♪ Sidney Magal tem duas caras. A cara de Sidney Magalhães, cidadão carioca de bem-vividos 70 anos, completados em junho deste ano de 2020. E a de Sidney Magal, cantor que arrastou multidões pelo Brasil de 1976 a 1978 a reboque de repertório sensual posto a serviço da imagem cigana de amante latino, esboçada pelo próprio Magal antes da fama e burilada pelo empresário, produtor e compositor argentino Robert Livi. As duas caras de Magal se harmonizam sob o foco da cineasta Joana Mariani, diretora de Sidney Magalhães em Me chama que eu vou, documentário exibido em primeira mão pelo Canal Brasil na noite de quarta-feira, 23 de setembro, dentro da programação online da 48ª edição do Festival de Cinema de Gramado. A propósito, o cartaz criado para promover a exibição do filme no festival traduz bem o tom do filme ao expor o retrato do Magal de hoje entre imagens do Magal de 1976 e de 1990, ano em que o artista ressuscitou aos olhos do público com a gravação da lambada Me chama que eu vou (Torquato Mariano e Cláudio Rabello), escolhida para ser tema de abertura da novela Rainha da Sucata (TV Globo, 1990). Roteirizado por Mariani com Eduardo Gripa de forma convencional, a partir de entrevista concedida por Magal, o filme é sedutor porque expõe um artista com total entendimento e aceitação dos meandros da carreira e da própria vida. As imagens de arquivo – muitas extraídas de programas de TV que puseram Magal em foco no auge do sucesso – legitimam as reflexões do artista no presente. E, se era impossível resistir ao jogo de sedução do Magal dos anos 1970, é igualmente difícil resistir à simpatia do Magal da atualidade pela sinceridade com que o cantor se expõe para as câmeras de Joana Mariani, seja quando se emociona ao lembrar o telefonema em que soube pelo produtor Max Pierre que a lambada Me chama que eu vou iria abrir a novela Rainha da sucata, seja quando abre orgulhosamente o guarda-roupa para a diretora para exibir as camisas coloridas, figurinos que reforçam a imagem tropical de Magal. São raros os popstars – e Magal é um deles – que assumem a vaidade, o narcisismo, o gosto pelo sucesso. E são ainda mais raros os popstars que, longe dos holofotes, ficam em paz, de bem com a vida, em harmonia com a família. E Magal também é – ou pelo menos dá a impressão de ser – um deles. A história de amor fulminante de Magal pela baiana Magali West já daria um filme por si só. No documentário de Joana Mariani, Magali tem destacada e justificada presença no roteiro. Fluente e capaz de prender a atenção do imenso público de Magal, o roteiro de Me chama que eu vou também abre espaço para mostrar a importância da mãe do cantor, Sônia, também cantora e falecida aos 82 anos, na vida do artista. Sidney Magal em imagem do filme 'Me chama que eu vou', de Joana Mariani Reprodução / Vídeo Entre exposições de fotos de Magal na infância e na juventude, o filme captura o espectador com imagens antigas que mostram, para quem nasceu após os anos 1970, a força de Magal naquela década. A sequência clipada com diferentes takes de Sandra Rosa Madalena, a cigana (Miguel Cidras e Robert Livi, 1978) é especialmente envolvente por mostrar o alcance global da música de maior sucesso do artista. Há também imagens de Magal cantando os sucessos Meu sangue ferve por você (Melody lady / Mélancolie, Freddie Neyer e Jack Arel em adaptação de Claude Carrère e Katherine Pancol, 1973, e em versão em português de Serafim Costa Almeida, 1977) e Amante latino (Rabito, 1973, em versão em português de Antônio Carlos, 1977). Embora a história do ídolo pop já tenha sido contada na biografia Sidney Magal – Muito mais que um amante latino (2017), o filme supera o livro porque, como entendeu o empresário Robert Livi, Sidney Magal sempre foi artista que precisa da imagem para seduzir o público. Nesse sentido, o documentário explora muito bem o poder de sedução do artista. A única falha expressiva é não explicar e esmiuçar o declínio de Magal a partir de 1980 – o “buraco negro” como o próprio Magal caracteriza no filme os anos em que amargou ostracismo. Projetado em 1976 com a gravação de Se te agarro com outro te mato, fiel versão em português de Si te agarro com otro te mato (1975), sucesso do cantor e compositor argentino Cacho Castaña, Magal lançou dois álbuns de grande impacto no mercado, Sidney Magal (1977) e Magal (1978). O terceiro, O amante, cortou subitamente a sedução do cigano – fato ignorado no roteiro. Tentativa posterior de transformar Magal em cantor romântico, nos anos 1980, também foi em vão. E o artista foi morar na Bahia após o fim da primeira onda de sucesso. De lá, Magal se reinventou como ator e virou personalidade, alçada progressivamente ao status de cult. É com justificado orgulho, aliás, que Sidney Magalhães expõe a reportagem de capa de revista dirigida à classe A que rendeu a Sidney Magal um reconhecimento tardio da parte de quem minimizava o apelo pop popular do artista na fase áurea. E assim, alternando a good vibe do Sidney Magalhães com a atmosfera tropicaliente de Sidney Magal, o documentário Me chama que eu vou perfila com eficiência o artista e o cidadão que, sim, são duas pessoas diferentes com duas caras que se harmonizam no filme e na vida.