De acordo com dados de satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre janeiro e agosto mais de 12% do Pantanal foi consumido por incêndios. As queimadas prejudicaram ainda mais a temporada turística no Pantanal que já sofria as consequências da pandemia. Mauro Pimentel/ AFP Ao se ver impotente enquanto o fogo devastava a vegetação ao redor de sua pousada no Pantanal, Domingas Ribeiro, 46 anos, sentou-se aos pés de uma árvore e chorou. "Parecia que as lágrimas saíam da minha alma", lembra. Turismo internacional caiu 65% no primeiro semestre de 2020, diz OMT A empresária que também é guia de ecoturismo, administra desde 2019 uma pousada situada no km 40 da rodovia Transpantaneira, que conecta as localidades de Poconé e Porto Jofre, no norte do Pantanal. Em meados de agosto, o fogo consumiu, em dois dias, 90% dos 905 hectares da pousada Pantanal Lodge, também conhecida por seu antigo nome, Rio Clarinho. "Vivemos um caos. Ficamos sem energia. Nossa rede tinha postes de madeira, pegou fogo. Muitas árvores caíram na nossa estrada principal, então ficamos bloqueados. Foi muito complicado", conta Domingas, mostrando a parte traseira do estabelecimento. Onde antes havia uma paisagem verde, repleta de plantas nativas, agora praticamente só se veem cinzas, cenário que se estende até a linha do horizonte. O corixo que separa o terreno da pousada vizinha está seco. Um jacaré morto jaz sobre à terra rachada. "Pensar como era e ver como ficou dá muita tristeza. A gente via os animais aqui por perto, agora só vê cinzas", lamenta a empresária, que usa coturnos para evitar mordidas de cobra e veste uma camiseta leve, com estampa de onça, para suportar o calor. As araras que frequentavam o local agora passam voando, mas não ficam. As palmeiras cujas castanhas lhes serviam de alimento foram arrasadas pelas chamas. Acharam alguns animais mortos (veados, tartarugas, iguanas, cobras, jacarés), mas o principal problema é que a maioria fugiu do incêndio e alguns retornam desesperados em busca de água e comida. O drama se repete ao longo da Transpantaneira, onde brigadas de voluntários depositam alimentos para tentar salvar a fauna da região. De acordo com dados de satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre janeiro e agosto mais de 12% do Pantanal foi consumido por incêndios, produzidos geralmente por queimadas que saíram do controle e agravados pela pior seca em quase meio século. 'Barulho do fogo na cabeça' Quando se deu conta da proporção das chamas, Domingas, nascida e criada no Pantanal, sabia que nunca havia enfrentado algo semelhante. Ela combateu o fogo ao lado de uma equipe dos bombeiros e de outros voluntários, mas os ventos eram tão fortes que não houve outro remédio a não ser esperar que tudo ardesse em chamas e proteger apenas a estrutura da pousada. "Tentamos salvar o que tinha, mas não teve como controlar o fogo", lamenta. A grande quantidade de fumaça inalada provocou uma inflamação nos pulmões de Domingas, que a obrigou a repousar e se medicar por 10 dias. Um mês depois, a empresária ainda perde o fôlego ao pronunciar frases longas e consegue se lembrar perfeitamente do barulho do fogo consumindo tudo ao redor. "Ficamos vários dias sem dormir direito, porque tínhamos a imagem e o barulho na nossa cabeça, tanto do fogo, quanto das árvores desabando. Qualquer movimento nos fazia pensar que era o fogo novamente", relata. Próxima temporada Apesar da tragédia e de o fogo ter terminado de sepultar a temporada turística que o novo coronavírus já havia complicado, Domingas sorri com frequência e encara o futuro com otimismo. Ela se reveza com o sócio, o japonês Nobutaka Yukawa, para cuidar da pousada durante a semana e distribuir entre os animais os alimentos que recebem de uma campanha solidária. "Para o turismo, vai ser complicado trabalhar este ano. Como a vegetação ficou toda queimada, nossas trilhas foram atingidas, não temos o que mostrar, a não ser cinzas", confessa. A empresária acredita, no entanto, que, com a ajuda das chuvas previstas para começar no próximo mês, a vegetação irá se recuperar e os animais irão, aos poucos, retornar. "A gente depende 100% da natureza, dos animais para mostrar para os turistas. A melhor forma de contribuir com a natureza é fazer o que estou fazendo, juntando estes alimentos para que eles possam sobreviver até que a natureza se restabeleça. O Pantanal é cheio de surpresas. Esperamos que no próximo ano ele volte a ser maravilhoso." VÍDEOS: Incêndio no Pantanal