Projetado no grupo Titãs, artista é dono de obra multimídia construída entre a delicadeza e a virulência com forte pulso poético. ♪ ANÁLISE – Na cena da cidade de São Paulo (SP) desde 1980, Arnaldo Antunes demorou para ser (re)conhecido individualmente como um dos pensadores do universo pop brasileiro. Por ter surgido integrado ao corpo uniforme dos Titãs, banda pautada pelo coletivo em que nenhuma cabeça ficou mais sobressalente do que a outra no processo de criação e apresentação do repertório autoral, o artista paulistano precisou sair do grupo, em 1992, para começar a ser percebido como um artista singular. E talvez essa percepção ainda não tenha acontecido com a devida clareza. Nascido em 2 de setembro de 1960, Arnaldo Augusto Nora Antunes Filho chega aos 60 anos de vida com obra que ombreia com as de pensadores da mesma geração pop deste compositor poeta, autor de vários livros publicados. Em bom português, Arnaldo Antunes é compositor tão importante quanto Cazuza (1958 – 1990) e Renato Russo (1960 – 1996) – com a diferença de ser performático artista multimídia. A música de Arnaldo Antunes está em constante diálogo com a poesia, com as artes visuais e com as artes plásticas, áreas nas quais o artista também atua com desenvoltura. Influenciado pela poesia concreta, o primeiro álbum solo de Arnaldo – Nome (1993), trabalho desdobrado em livro e vídeo editados no mesmo ano de 1993 – exemplificou a interseção entre as diversas formas de arte na obra desse artista que, antes da fama, chegou a roda curta-metragem em Super 8 com colegas de faculdade e a editar revista independente. Pouco à vontade no figurino de popstar, experimentado de forma involuntária em momentos áureos dos Titãs e posteriormente com o sucesso massivo do trio Tribalistas (formado com Carlinhos Brown e Marisa Monte, parceiros mais vocacionados para ostentar o brilho das estrelas), Arnaldo Antunes se alimenta da palavra. Arnaldo Antunes completa 60 anos nesta quarta-feira, 2 de setembro de 2020 Marcia Xavier / Divulgação É com a (re)construção da palavra que o pensador vem erguendo obra que reflete o Brasil desde os anos 1980. Nessa obra, as doses maciças de poesia contemporânea – matéria-prima de canções como Grávida (parceria com Marina Lima, de 1991) e Alta noite (1993) – se integram com a lucidez punk de Fora de si (1995), a singeleza da canção Saiba (2004), o engenhoso jogo de palavras armado em O quê (1986) e a crueza dos versos de Miséria (1989), parceria com Paulo Miklos e Sergio Britto. Entre a delicadeza e a virulência, sem perda do pulso poético, Arnaldo Antunes parece ter sempre algo a dizer numa canção. Só que, pelo espírito gregário da obra, repleta de parcerias, nem sempre é possível apontar qual a real contribuição de Arnaldo nessas parcerias, embora presuma-se que ela seja sempre relevante e predomine no campo das letras. Das primeiras músicas com os Titãs ao atualíssimo single O real resiste (2019), música que deu choque de realidade nos terraplanistas ao ser apresentada em novembro como composição-título do álbum lançado pelo artista em fevereiro deste ano de 2020, a sintaxe do cancioneiro autoral do artista continua relevante. Arnaldo Antunes paira como um pensador do mundo contemporâneo. Por vezes ainda vanguardista mesmo quando desgarrado da linha pós-concretista, o cancioneiro do compositor expande as formas da linguagem sem perder o elo com os códigos do universo pop. Em síntese, Arnaldo Antunes faz pop para a massa. Pop fino. O real resiste. E o pensador resiste relevante, aos 60 anos, pela habilidade de enfocar a realidade com a lente da poesia pop contemporânea. Mesmo quando a música fraqueja, o pulso poético da canção ainda pulsa…