Capa do álbum '9 sambas', de Rodrigo Campos José de Holanda ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – 9 sambas, Rodrigo Campos, 2018 ♪ Quarto álbum solo de Rodrigo Campos, 9 sambas foi lançado em 3 de agosto de 2018 e, além de pôr o artista paulista na linha de frente da música brasileira do século XXI, se impôs como mais um atestado da relevância dos integrantes da cena alternativa paulistana surgida nos anos 2000. Embora nascido em Conchas (SP), no interior paulista, em 17 de abril de 1977, o cantor, compositor e músico Rodrigo Augusto de Campos se criou no bairro de São Mateus, na periferia da cidade de São Paulo (SP), e foi das rodas de samba de São Mateus que o artista emergiu como um dos expoentes da cena musical paulistana. Essa cena indie contemporânea começou a ser delineada em 2004 com a edição de Calado, primeiro álbum do compositor e cantor paulistano Romulo Fróes, e – em outra frente – com o lançamento em 2005 do primeiro álbum da cantora e compositora Céu, em cujo rastro vieram Tiê e Tulipa Ruiz. Instrumentista habituado a se revezar entre os toques do violão, do cavaquinho e da percussão, Rodrigo Campos trabalha com turma que inclui Romulo Fróes (colega do artista no grupo Passo Torto), o sambista-roqueiro punk Kiko Dinucci (excelente guitarrista e compositor) e a cantora Juçara Marçal, dona de um dos álbuns mais impactantes dessa cena, Encarnado (2014), lançado um ano antes de Elza Soares revigorar a carreira fonográfica ao se juntar a essa turma para gravar o também marcante álbum A mulher do fim do mundo (2015). Editado pela gravadora YB Music, o álbum 9 sambas pode ser entendido como a retomada, após 13 anos, do disco solo que Rodrigo Campos tentou gravar em 2005 e que poderia ter sido o primeiro álbum do artista se o processo de gravação não tivesse sido interrompido pelo próprio Rodrigo, inseguro com a tarefa a que se impôs de produzir o disco. “Enveredei na empreitada imbuído de um espírito de confiança que se esvaiu ao fim do primeiro dia, quando escutei o resultado. Me deparei com minha falta de experiência, não sabia nem identificar o que estava errado, mas entendi que não conseguiria fazer esse disco dessa maneira”, justificou o artista ao anunciar o álbum 9 sambas em maio daquele ano de 2018. Em vez de produzir remake do disco interrompido, Rodrigo Campos partiu do zero ao gravar 9 sambas, registrando repertório composto ao longo de 2017. Até mesmo por isso, o álbum de 2018 jamais poderia ter resultado como cópia (ainda que melhorada) do abortado disco de 2005 porque, nesses 13 anos, o artista amadureceu como compositor. Mais confiante, Rodrigo atuou como produtor de seis dos nove sambas. Gui Amabis deu forma ao samba Na sacola, conciliando samplers e cavaquinho, tocado pelo próprio Rodrigo Campos. Indo além do universo de São Mateus, bairro paulistano em que gravitou o elogiado primeiro álbum solo do artista, São Mateus não é um lugar assim tão longe (2009), Rodrigo Campos caiu no samba com um pé no passado guardião das tradições e o outro pé no presente das maravilhas contemporâneas da cena musical da cidade de São Paulo (SP). Da melhor qualidade, o repertório inteiramente autoral – formado pelos nove sambas relacionados na capa do disco – foi devidamente valorizado por sonoridade singular que harmonizou cavaco, guitarra, surdo, cordas e samplers sem jamais deixar o samba atravessar. Dos nove sambas, oito eram inéditos. O único já previamente lançado em disco, Clareza, tinha sido apresentado na voz de Elza Soares no álbum Deus é mulher, lançado em janeiro daquele ano de 2018 e reapresentado pelo autor em gravação – produzida por Beto Villares –em que o canto de Juçara Marçal remeteu às vozes das pastoras das velhas guardas. Voz recorrente no disco, Juçara Marçal interpretou Batida espiral (faixa pontuada pelo sopro do clarinete de Maria Beraldo), dividiu com Rodrigo Campos o canto de Joguei o jogo – samba evocativo do balanço da obra de João Bosco – e se fez ouvir em Cecília e a razão, samba que caiu no suingue do elétrico piano Rhodes de Dustan Gallas, músico requisitado na cena paulistana. A alta qualidade do repertório do disco 9 sambas devolveu ao compositor o prestígio do primeiro disco solo de Rodrigo Campos – status mantido intacto no segundo álbum solo, Bahia fantástica (2012), mas ligeiramente diluído no posterior Conversas com Toshiro (2015). Se Bandeira hasteou o estandarte da fé e do afeto, em arranjo que combinou guitarra, cavaco e a bateria de Wellington Pimpa Moreira, Bloco das três tarde saiu quase fúnebre, com a marcação do surdo de Rodrigo Campos, e evoluiu no passo torto desse compositor que acertou a mão no compasso de Chorei comprido, samba majestoso gravado com a voz de Romulo Fróes. Adornada com cordas arranjadas pelo produtor Marcelo Cabral (também integrante do grupo Passo Torto), Casa velha soou nova, na voz de César Lacerda, no fecho desse álbum em Rodrigo Campos levantou, sacudiu a poeira do samba propagado pela indústria do disco e deu a volta por cima, abrindo mais alas para a geração musical paulistana que, por vias alternativas, vem desde os anos 2000 dando frescor à música produzida no Brasil fora do sacolão pop funk sertanejo.